O desastre do século no ramal da Lousã

Foi o mais grave acidente ocorrido no ramal da Lousã, ao longo de uma existência de cerca de cem anos: cinco pessoas morreram e onze ficaram feridas, uma das quais em estado muito grave, na colisão de duas automotoras ocorrida numa zona de via única, no Casal do Espírito Santo, Lousã, às 13h55 de ontem. Uma composição de passageiros, de duas carruagens, que fazia a ligação Coimbra-Serpins, chocou de frente com uma automotora de instrução, onde seguiam 14 homens. Era a última aula, os instruendos deveriam fazer exame hoje.Alertados pelo estrondo que se ouviu a muitos metros de distância, o local da tragédia logo ficou pejado de cidadãos estupefactos com a violência do acidente, que ocorreu ainda no perímetro de uma das maiores vilas do distrito de Coimbra. Segundo o presidente da CP, Crisóstomo Teixeira, foi o acidente ferroviário mais grave, desde o desastre de Estombar, no Algarve, em 1997, no qual perderam a vida quatro pessoas.À hora de fecho desta edição, apenas dois dos onze feridos assistidos nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) não tinham recebido alta ou estavam em vias de ser transferidos para hospitais da área da sua residência, por o seu estado de saúde já não inspirar cuidados de maior. O caso mais grave era o de um indivíduo de 30 anos, que permanecia em coma e com respiração assistida, internado no Serviço de Medicina Intensiva. Maquinista da automotora de passageiros, este homem sofreu um traumatismo crânio-encefálico, cujas consequências eram ainda desconhecidas. Internado ficou também um homem de 60 anos que, apesar de se encontrar fora de perigo, necessitava de cuidados especiais, por ter sofrido múltiplas fracturas na zona da face. Este ferido seguia na automotora dos maquinistas instruendos e ficou internado no Serviço de Cirurgia Maxilofacial.Maria Isabel não esquecerá, por certo, a tarde de ontem. Vinha na carruagem da frente da composição regular de passageiros, que seguia no sentido Lousã-Serpins, e teve tempo de se aperceber da iminência do acidente e de fugir para a segunda carruagem. Esta jovem funcionária auxiliar da CP foi avisada por um colega, que a mandou fugir e refugiou-se, mesmo a tempo, na segunda carruagem. Era uma das várias dezenas de pessoas que aguardavam, ontem à tarde, nos HUC, por notícias de familiares, colegas e amigos que se encontravam a bordo das composições acidentadas.Ao mesmo tempo, no local do acidente, o governador civil de Coimbra, Horácio Antunes, declarava à comunicação social que tudo apontava para que a colisão tivesse resultado de "erro humano" (ver texto na página seguinte). O presidente do Sindicato Nacional dos Transportes Ferroviários (SNTF), António Medeiros, é que não gostou. Para este dirigente sindical, ao antecipar-se aos resultados do inquérito, o governador civil assumiu uma "atitude leviana". "Iremos exigir-lhe responsabilidades", prometeu Medeiros, sublinhando que o ramal "não tem reforço da segurança", referindo-se ao facto de a linha não estar electrificada nem dispor de sinalização automática. O presidente do SNTF insistiu que, nem que seja ao fim de 30 anos, há sempre um dia em que um elemento humano comete um erro. Por isso, concluiu, "quem tem responsabilidades políticas" pelo acidente "é a Refer". "Os maquinistas não têm a mínima responsabilidade no comando e controlo da situação", reforçou.Também José Vitorino, da Comissão de Utentes do Ramal da Lousã (CURL), declarou estar certo de que o acidente "não aconteceria" se a estação ferroviária da Lousã, encerrada há um ano (os bilhetes vendem-se num café e o embarque de passageiros faz-se num apeadeiro no centro da vila), estivesse a funcionar normalmente, coordenada pelo respectivo chefe de estação.Adiantando-se ao inquérito já em curso, o presidente da CP, Crisóstomo Teixeira, que também se deslocou ao local, afirmou que a automotora de instrução terá respeitado as regras de circulação, ao contrário da que provinha da Lousã, que deveria ter esperado pela outra na estação, onde existem duas vias.Na automotora que saiu de Serpins, a cinco quilómetros do local do acidente, tiveram morte imediata um maquinista da CP, um instruendo e um formador da Fernave (empresa da CP). Já na composição oriunda de Coimbra, morreram um maquinista e um chefe de comboioÀs 16h30, o ramal da Lousã voltou a registar um acidente. Na passagem de nível sem guarda de Casal dos Rios, também no concelho da Lousã, uma automotora colheu um automóvel. O condutor sofreu apenas ferimentos ligeiros.

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