O naufrágio do vapor "Porto"

Há precisamente 150 anos, que se completaram no passado dia 29 de Março, a cidade do Porto era abalada por uma terrível notícia. O vapor "Porto" naufragava nas águas do Douro, mesmo em frente ao local onde, hoje em dia, se encontra o Instituto de Socorros a Náufragos, à vista do olhar incrédulo de todos os que presenciavam aquele tremendo espectáculo, não tendo sobrevivido nenhum dos 66 passageiros e tripulantes que transportava.Na tarde do dia anterior, dirigido pelo piloto António Pinto, o vapor "Porto" tinha largado do cais da Estiva em frente à Alfândega, rumo a Lisboa, apesar do mau tempo que então já se fazia sentir - nevoeiro e fortes ventos marítimos -, e do seu mau estado de conservação, há muito a necessitar de reparações. De acordo com um artigo publicado em tempos no "O Tripeiro", "no momento da largada havia cerrado nevoeiro, e fora da barra soprava vento desabrido, forte, a bater inclemente contra o costado do velho barco, cuja maquinaria, já muito gasta, logo se revelou impotente para resistir ao vendaval. Dentro ouvia-se o ranger lúgubre do cavername, parecendo que tudo se desmantelava, e o balanço era de monta a ninguém resistir ao enjoo".Durante a noite, quando o vapor se encontrava em pleno mar alto, sensivelmente em frente à Figueira da Foz, perante um violento temporal que então se desencadeou e correspondendo às reclamações dos assustados passageiros, o comandante decidiu retroceder ao ponto de partida, pois o prosseguimento da viagem acarretaria, sem dúvida, sérios riscos. Assim, na manhã do dia 29 de Março de 1852, o vapor "Porto" rumava em direcção à barra do Douro, onde acabaria por entrar - após ter sido içado o indispensável sinal no Castelo da Foz -, perante uma grande multidão que se vinha aglomerando na muralha fronteiriça, o actual Passeio Alegre.As más condições atmosféricas - a chuva caía incessantemente - tinham provocado uma forte alteração do mar, com enormes e ameaçadoras vagas, e acabaram por provocar o inevitável. Um inesperado solavanco, o vapor foi arrastado para uma restinga de areia, o leme saltou fora e, já sem governo, foi embater contra a "pedra da Forcada", imobilizando-se. Ali irá permanecer durante algumas horas, durante as quais passageiros e tripulação gritavam desesperadamente por socorros, praticamente impossíveis de prestar, dada a alterosa agitação marítima.À medida que o tempo passava, a situação agravava-se cada vez mais. Segundo Horário Marçal, que descreveu este infausto acontecimento no "Boletim da Biblioteca Municipal de Matosinhos", "a chegada da noite aumentou o horror e dificultou os meios indispensáveis de salvamento, porquanto os furibundos escarcéus de encontro aos penedos não permitiram a aproximação de barcos salva-vidas. Contudo, numa vã tentativa, saíram para o mar duas catraias: uma do piloto-mor e, outra, do piloto efectivo Francisco Soares de Lima que, diga-se, não ultrapassaram a denominada 'Meia Laranja'. Além destas saiu ainda uma outra do arrais Manuel Francisco, que conseguiu aproximar-se do vapor; e deste, lançaram-lhe um cabo que seria a redenção dos naufragados, caso estes não tivessem puxado violentamente a corda e com ela a catraia. Assim, o arrais vendo-se em risco iminente de soçobrar, largou o cabo e lá se foi toda a esperança de salvamento!...".O vapor lutava desesperadamente com o violento impacte das ondas e as terríveis condições atmosféricas, até que, pelas quatro horas da manhã, um golpe de mar mais violento levantou-o em peso e, partindo-se em dois, ao cair, afundou-se de imediato, sepultando no fundo da barra os 37 passageiros e 29 tripulantes, para além da perda de toda a mercadoria que transportava. Entre os passageiros, quase todos portuenses, contavam-se algumas figuras de destaque da sociedade da época.Ao tomar conhecimento desta tragédia, a cidade do Porto, assim como todo o país, foram percorridos por uma intensa comoção. No Porto, em sinal de dor, a actividade comercial paralisou e as pessoas vestiram-se de luto. A 29 de Abril desse ano - quando passava um mês da data da catástrofe -, a própria rainha D. Maria II decidiu visitar o Porto, acompanhada por D. Fernando e pelos príncipes D. Pedro e D. Luís, a fim de apresentar pessoalmente condolências à cidade. A data escolhida, que coincidia com a da outorga da Carta Constitucional por D. Pedro IV, em 1826, reforçou ainda mais a importância e o significado solene do acto.A ocorrência deste trágico acontecimento veio a influenciar a decisão governamental de prosseguir os estudos referentes à barra do Douro, que, ao longo dos tempos, tinha sido - e continuaria a ser - um autêntico cemitério de embarcações. Logo no dia 5 de Abril, o "Diário do Governo" publicava uma nota do Ministério dos Negócios do Reino, nomeando uma comissão "encarregada de proceder aos trabalhos necessários para a formação de um porto artificial ao norte do rio Douro, na localidade mais conveniente...". Contudo, a resolução do problema, para além de não ser pacífica, exigia algum tempo e, também, os indispensáveis meios financeiros. Não obstante os sucessivos projectos para a construção do porto artificial, a solução só haveria de chegar quatro décadas mais tarde, com a inauguração do porto de abrigo de Leixões.

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