"Uma Mente Brilhante" vence na noite de Halle e Denzel

Numa voz embargada pelas lágrimas, Halle Berry ordenou ao maestro da orquestra que não interrompesse o seu discurso, embora já tivesse ultrapassado largamente os 45 segundos a que um vencedor de um Óscar tem direito para falar: "Esperámos 74 anos, tenho de fazer isto com vagar." Berry tinha acabado de tornar-se a primeira mulher negra a ganhar um Óscar de melhor actriz; poucos minutos depois, Denzel Washington recebeu o prémio de melhor actor.O facto inédito de dois actores negros terem ganho os principais prémios de interpretação acabou por dominar a cerimónia dos 74ºs Óscares da Academia de Hollywood, domingo à noite, no Kodak Theater de Los Angeles - ao ponto de ofuscar a luta pelo Óscar de melhor filme, que foi vencida por "Uma Mente Brilhante". O filme de Ron Howard obteve quatro Óscares, tantos como "O Senhor dos Anéis".Numa conferência de imprensa pós-Óscares, um jornalista perguntou a Denzel Washington se o seu triunfo significava que, num futuro próximo, uma vitória de um actor negro já não será notícia: "Faça com que não seja notícia já hoje. Não escreva 'actor negro ganha Óscar', escreva 'actor ganha Óscar'." Mas é impossível fugir ao facto - depois de 74 anos em que só um negro havia ganho um Óscar de melhor actor, Hollywood premiou dois de uma vez.Washington e Berry venceram no mesmo ano em que a Academia deu um prémio de carreira a Sidney Poitier, que há quase 40 anos ganhara o único Óscar de melhor actor para um actor negro. "Há 40 anos que sigo o Sidney. Quando finalmente me deram [o Óscar], dão-lhe outro a ele na mesma noite", disse Washington. Ironicamente, Denzel venceu um Óscar com o retrato de um polícia corrupto e venal em "Dia de Treino", uma personagem que é o anti-Sidney Poitier. Halle Berry, que começou a sua carreira no "show business" como segunda classificada no concurso de Miss América de 1985, foi premiada pelo seu retrato da viúva de um condenado à morte que se envolve com o executor (branco) do seu marido em "Depois do Ódio".Berry fez o papel típico da vencedora - desfez-se em choros e agradecimentos -, mas também assinalou a importância histórica da sua vitória num país em que as relações raciais continuam hipersensíveis: "Este momento é muito maior do que eu. Este momento é para Dorothy Dandridge, Lena Horne, Diahann Carroll. É para todas as mulheres de cor sem nome e sem rosto que passam a ter uma oportunidade porque esta porta foi aberta."Além de Denzel e Halle, a noite dos Óscares não teve um vencedor claro. Dos principais filmes, "Moulin Rouge" teve dois Óscares e "O Senhor dos Anéis" quatro - mas para categorias "técnicas". "Uma Mente Brilhante" foi distinguido como melhor filme do ano, e ainda acumulou os prémios de melhor realizador (Ron Howard), melhor argumento adaptado (Akiva Goldsman) e melhor actriz secundária (Jennifer Connelly).Mas o triunfo de "Uma Mente Brilhante" fica ensombrado pela estranheza de, num filme construído à volta da interpretação do seu principal actor, ele não ganhar nada. Russell Crowe terá sido a principal vítima da "campanha de difamação" contra "Uma Mente Brilhante". Nas últimas semanas, a imprensa americana relatou incoerências no argumento do filme, acusando-o de tomar liberdades excessivas com o seu tema, a vida do matemático John Forbes Nash Jr."Este ano, atirou-se tanta lama que os nomeados acabaram por ser todos negros", brincou a apresentadora da cerimónia, Whoopi Goldberg. Ron Howard e o produtor Brian Grazer não fizeram referências à controvérsia, preferindo agradecer a Russell Crowe ("não estaríamos aqui se não fosse por ele") e a Nash por inspirar um filme que "permite compreender melhor as divagações da mente".John Nash e a sua mulher Alicia foram dois dos convidados de honra no apertado Kodak Theater (apertado, porque os seus 3100 lugares implicaram que muitos dos "habitués" dos Óscares tenham ficado em casa). Outros convidados de honra foram Robert Redford e Arthur Hiller, que receberam prémios especiais de carreira.

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