Adolescentes para sempre

Pensou que acabava aos 18? Desengane-se. A adolescência estica-se até mais tarde. Há quem não goste da palavra, que prefira falar em juventude. A verdade é que os comportamentos não adultos se prolongam até aos 30, 34 anos. Os jovens são hoje mimados, individualistas, dependentes? Há quem diga que lhes mataram a infância. Quem? Os adultos, concerteza.

Ana Luisa, médica, de 27 anos é adolescente? Susana Ferrão, juíza, de 26 anos é adolescente? Ana Catarina, 29 anos, deputada, é adolescente? Ana Carla, 22 anos, professora; José Miguel, 28 anos empresário; Nuno Tavares, 27 anos, padre e Paulo Serrano, tenente de 29 anos; são todos adolescentes? Não, dizem todos. Segundo a Sociedade de Medicina Adolescente, uma associação norte-americana de médicos, Susana e Ana Carla ainda estão na categoria: no seu site dizem que cuidam de pessoas dos 10 aos 26 anos. E todos os outros podem cair no bloco da Academia Nacional de Ciências, também dos Estados Unidos: desenvolve programas para adolescentes e discute o alargamento da sua acção para os trinta anos. Ou da Mac Arthur Foundation que tem um projecto de milhões de dólares chamado Transição para a Vida Adulta que vai até aos... 34 anos. E até a Sociedade de Investigação sobre Adolescência (EUA) está a estudar as idades entre os 18 e os 29. É-se adolescente até aos 26, 30, 34 anos? Isto quer dizer que muitos dos indivíduos que votam, são eleitos, governam empresas, fazem leis, julgam, cuidam da saúde física e espiritual, ensinam, etc. etc. são... adolescentes? Não, não, não, insistem os jovens, todos com grandes responsabilidades na sociedade, com quem a PÚBLICA falou. Jovens sim, adolescentes não. Ou melhor ainda, são "jovens adultos". Clarifiquem-se águas. Com que idade é que começa a vida adulta? Alguém sabe, ao certo?Em Portugal, até aos dezoito anos, o médico chama-se pediatra, para se casar é preciso ter 16 anos, para votar e conduzir 18 anos, o crédito bonificado para compra de casa é concedido até ao dia em que se fazem 31, o cartão jovem, que permite variadíssimos descontos em bens e serviços abrange gente até aos 26, os subsídios para jovens artistas e empresários vai até aos 35 e há uma panóplia de programas e incentivos (desde os diplomados desempregados aos serviços de voluntariado, passando pelos jovens criadores) para quem ainda não completou os 30 anos. Ah, e ainda há os jovens agricultores, onde a lógica não é seguramente a da idade: o limite é de 45 anos... Os instrumentos legais e quejandos não são grande ajuda na definição. Os biológicos muito menos. A maturidade física continua a acontecer na maioridade dos 18, embora as raparigas cresçam até mais tarde. Mas isso trata-se da puberdade, esclarece Manuel Matos, professor na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. "Adolescência não tem idade. Adolescer quer dizer crescer psiquicamente, não se confunda com puberdade que se refere ao desenvolvimento dos órgãos sexuais secundários". Como "este crescimento psíquico acontece dentro desta faixa etária a tendência é considerá-los adolescentes quando começam a aparecer os primeiros sinais de puberdade até darem sinais psíquicos de autonomia, compromisso com a realidade, acasalamento, formação de um lar... até que se estruture uma configuração identitária de adulto. Os jovens têm medo de se dizer adolescentes porque querem fugir da conotação sexual e negativa que esse período tem. Mas adolescência é a fase mais bonita da existência humana, é ousadia, beleza, vitalidade, crescimento psíquico". Os sociólogos não gostam de codificar etariamente a juventude, (não falam em adolescência que consideram termo médico). Vítor Sérgio Ferreira, sociólogo do Instituto de Ciências Sociais, membro do Observatório Permanente da Juventude (os dois grandes inquéritos feitos aos jovens portugueses, o último ainda não publicado, dirigem-se a quem tem entre 15 e 29 anos) liga-a ao corpo: "Hoje, cada vez mais, juventude é uma codificação etária de uma determinada corporeidade. Começam a ser jovens quando começam a parecê-lo - quando o próprio envia mensagens não só a si mesmo mas aos outros nesse sentido, quando transparece uma autonomia". A passagem de condição de infantil para jovem, adolescente, vê-se por exemplo, pela escolha da roupa, a maneira de vestir, as borbulhas na cara. São sinais exteriores que o vão conotar com categorias sociais. E deixa de ser jovem quando deixa de conseguir transparecê-lo". É-se jovem enquanto se consegue ser? "Aí se insere todo o discurso de conservar o corpo jovem, ad eternum. Mas como o corpo é uma matéria degradável, acaba." E então começa o discurso do "sou-jovem-de-espírito".Quando se passa a adulto? O que é ser adolescente/jovem? Não serve a resposta do sociólogo Pierre Bordieu?: "A juventude não é mais do que uma palavra". Serve a resposta do tenente Paulo Serrano, que aos 26 anos comandou um pelotão de soldados de 19 e 20 anos?:"Tudo depende das momentos que nos fazem crescer. Tudo depende da experiência de vida. Pode ser-se adulto aos 15 e adolescente aos 30 ou 40 anos".Mas, palavras à parte, o que se questiona é o desenvolvimento psíquico, a conduta social. Como não há rituais de passagem na nossa sociedade, restam os marcadores sociais que nos dizem se se é adulto ou não, todos ligados à autonomia: abandono da casa dos pais, inserção profissional, casamento e parentalidade. Ora, diz-se da actual geração de jovens que são menos autónomos, menos independentes, mais mimados Que se tornam adultos mais tarde. As estatísticas, os estudos, dizem isso: os jovens casam, procriam, saem de casa e têm emprego certo mais tarde. Vítor Ferreira sublinha que "ser jovem é cada vez mais uma condição social, prolongada, quando antigamente era uma fase de transição". Cybelle Weinberg, psicopedagoga brasileira e coordenadora de um livro chamado "Geração Delivery, adolescer no mundo actual" reconhece que o período "adolescência/juventude se tem realmente alargado bastante, que há uma adolescência que parece nunca terminar". "No meu consultório, onde atendo adolescentes, cada vez mais recebo jovens de 27, 28 anos com questões próprias da adolescência, como dificuldade em estabelecer um relacionamento maduro, sair da casa dos pais, prover sua independência, ainda sem uma definição profissional."Também Manuel Matos os conhece bem, os "falsos adultos", os que "não tiveram tempo para brincar: a imaturidade hoje é gritante. Tenho alunos do 4º ano da Faculdade que são autênticas crianças". A adolescência não se define pela idade. A verdade é que os indivíduos estão a ter comportamentos de adolescentes até mais tarde, continua Manuel Matos. Porque, repete todas as vezes que forem necessárias até que se entenda, "teve fases de desenvolvimento falhado".O alongamento da idade juvenil também escorrega para baixo. "Os meninos e meninas de 10, 11 anos, já se consideram adolescentes, vestem-se como adultos, fazem exigências aos pais para chegarem mais tarde a casa nas suas saídas nocturnas e querem "ficar" ( um termo que os jovens usam no Brasil para um namoro sem compromisso, que pode durar apenas algumas horas e que vai desde a troca de beijos até uma eventual relação sexual)", explica Cybelle. Há pois uma inflação da juventude, principalmente nas classes média e alta? É real ou inventada, ao serviço de poderosos lobbies? A quem interessa?"Há uma má consciência da sociedade actual em relação aos jovens. Sabe que não conferiu à infância o que ela deveria ter tido, os adultos são os 'condes-sem-dentes' [como os adolescentes lhes gostam de chamar], os pais são excessivamente tolerantes. Lançaram os filhos precocemente na vida adulta e depois acham que aos 30 anos os filhos ainda são adolescentes", diz Manuel Matos. Então é tudo uma má representação dos pais, os filhos são de facto adultos mas ninguém os reconhece como tal?Mais devagar. É outra a explicação do psicanalista. Os adolescentes são-no até mais tarde porque não foram crianças. Vivem tarde o que não viveram antes. "Não há tempo de infância. O tempo de relação primária com a mãe, no seio da família é fundamental". Esse tempo é "atrofiado porque a mãe não tem tempo para a maternidade e a criança, que não devia ser separada da mãe antes dos dois anos, é lançada nos cuidados colectivos."Verifica-se um retrocesso: "Passa-se qualquer coisa, é preciso cuidado. O humano anda para trás, mais do que a macaca. A símia tem uma relação simbiótica, fechada, com a cria, até proíbe o afastamento dela. Mas, à medida que o desenvolvimento físico acontece, a mãe permite um afastamento progressivo e a certa altura não autoriza sequer a aproximação, afasta-se. Diz 'vai, cresce!". A mulher está a fazer o contrário: "Promove o desenvolvimento muito, muito precocemente, afasta-o de si no momento em que o filho mais precisa e depois, quando já está em idade de ser adulto, vai tentar repescá-lo, vai dar-lhe a oportunidade de ser adolescente". Avisa: "Quanto mais cortarem a infância, pior é. Não é por alargarem a adolescência que resolvem o problema". Estamos a "viver numa cegueira do desenvolvimento que não tem em conta as várias etapas". Um jovem, "ainda que queira, não tem tempo para viver a sua adolescência, não tem tempo para fazer as asneiras e as experiências próprias da idade". A sociedade exige muito dele. Tem que estudar muito para tirar boas notas e entrar na universidade. Quando acaba, vive o que não viveu. Mas entretanto cresceu? Ouça-se Vítor Ferreira: "As coisas acontecem mais cedo, é-se adolescente muito mais cedo, o próprio processo de responsabilização e de autonomia doméstica acontece mais cedo: as mães trabalham, eles têm a chave de casa e ficam sozinhos, aquecem a comida, são pequenos gestos de autonomia". Então, desenvolveu-se, autonomizou-se mais cedo? Manuel Matos: "Nada disso. É um desenvolvimento falso, periférico. É um faz de conta, mimético, exterior. Não está sustentado. Encontramos homens com uma vulnerabilidade brutal, uma dependência ainda maior. Não têm infância nem adolescência. A vivência principal, a da família, faltou".Assim será? Os pais são super-cuidadosos com os filhos, dão-lhes a melhor escola, inscrevem-nos em várias actividades extra-curriculares, dão-lhes dinheiro para os concertos, procuram os melhores médicos, as melhores roupas, etc. "É pior ter tudo isso e não ter o pai e a mãe e a tolerância devidamente enquadrada". Exagero? Manuel Matos não desarma: "Estamos demissionários dos afectos". O professor insiste em que a superprotecção que os jovens recebem "corresponde a uma rejeição latente, escondida. Quando, na infância, a mãe não passa tempo com o seu filho, por causa do emprego, por exemplo, depois torna-se numa mãe-galinha, oferece super-protecção e essa é uma rejeição mascarada". O problema é então das mulheres? "Não, a culpa não é das mães". É da sociedade e da sua organização. "Do pai também. Desde a revolução francesa que o homem perdeu a sua autoridade moral para o Estado. O homem é uma fraca figura. As crianças não têm esta figura de identidade nuclear". Perdem "a referência basal" de que precisam para formar a sua própria identidade. "A pseudodemocratização da família é um logro".Para os jovens com quem a PÚBLICA falou, todos com menos de 30 e mais de 20 anos, não é por se viver em casa dos pais que se é menos autónomo. O que importa são os papéis, as funções, o "que" uma pessoa exerce, não o "onde" as exerce. As explicações para que a família seja o meio de vida até mais tarde são conhecidas: com o aumento da escolarização, com o prolongamento da permanência nas escolas houve um retardamento na transição para o mercado de trabalho, da conjugalidade, da saída de casa dos pais. Vítor Ferreira recorda: "O número de anos de escolaridade obrigatória aumentou e há uma grande expectativa de entrada no ensino superior . Há menos jovens para preencher os lugares das universidades o que faz com que mais pessoas tenham possibilidade de concretizar prolongamentos escolares". Depois há o problema da "compressão do mercado de trabalho" que "não tem a ver apenas com o desemprego - a maior taxa de desemprego pertence aos jovens - mas com a sensação mais ou menos subjectiva de não ter um emprego seguro". E não é fácil ter autonomia económica ou residencial assim.Ana Luisa, médica, lembra que "depois da universidade há mil e um cursos de aperfeiçoamento, o mestrado, a pós-graduação, etc." Admite que a sua geração é mais protegida do que a anterior. "Com a minha idade já estavam casados, tinham filhos. Isso não me passa pela cabeça e é o que acontece com a maior parte dos meus colegas. São mais individualistas, mais exigentes, mais virados para a carreira, procuram uma satisfação pessoal em termos de trabalho antes de terem outros conceitos que os possam dispersar. Há um atrasar de outros projectos porque as pessoas se dedicam mais à sua profissão, o conceito de família mudou".No entanto, isso, fazer família, é apenas um indicador social e muito discutível. "A pessoa tem a sensação de que é adulta quando tem a liberdade consciente para escolher a sua vida. Quando diz 'se me deixarem sozinha sei virar-me'.Quando acabam o curso todos tentam virar-se, ninguém fica em casa à espera que as coisas aconteçam. Prolonga-se bolsas, estudos, é verdade, mas isso não significa uma geração mimada". Depois há o problema da habitação. À ideia de que os jovens dos países da Europa do Sul saem de casa dos pais mais tarde do que os da Europa do Norte (a média, na Itália, é de 34 anos, segundo um estudo da William T. Grant Foundation) devido a laços familiares mais fortes, junta-se a verdade de ser difícil arrendar casa. E os projectos de conjugalidade passam por aí. Mas para Vítor Ferreira o mais representativo de passagem à vida adulta é a parentalidade, por ser irreversível. "Não só muda a sua postura social na vida quotidiana como o estatuto de pais os permite serem vistos de outra maneira pela sociedade". O jovem é adulto, só não o consegue mostrar. Ou seja, as condições exteriores é que não o permitem ser adulto. Este pode ser o resumo das opiniões dos jovens que a PÚBLICA ouviu. Susana Ferrão, juíza, admite que pertence a "uma geração com mais sorte e mais oportunidades, já que o problema não está em satisfazer as necessidades básicas , mas sim em satisfazer desejos e procurar ter melhor qualidade de vida". "Não creio que seja menos responsável. Aliás, a responsabilidade só se revela em situações concretas. Por vezes, porém, o que acontece é que nem são dadas oportunidades aos jovens de se mostrarem responsáveis." Tudo isso pode ser verdade mas, contrapõe Manuel Matos, "nunca foi tão fácil conseguir uma casa, por exemplo. Como é que um indivíduo, adulto, suporta estar em casa dos pais, levar a namorada para lá, fazer amor em casa dos pais? Isso mostra falta de amor próprio, de auto-estima, um indivíduo deve ter comportamentos consentâneos com a sua idade, organizar a sua vida fora de casa, estabelecer relação conjugal, são sinais de maturidade psíquica. Se ainda está lá dentro é porque é imaturo, é porque não tem autonomia psíquica para dizer 'eu sou capaz de viver só comigo próprio'". Já Vítor Ferreira sublinha que o facto "de ficarem em casa dos pais não quer dizer que não sejam autónomos. Terão outro tipo de compromisso, o de ir à escola e ter sucesso escolar. Afinal, o que é autonomização? Um acrescer de responsabilidade? Pode não ser. É responsável por determinadas decisões que lhe dizem respeito".A passagem para a vida adulta "pressupõe que faça as suas próprias conquistas, mesmo que seja por oposição (aos pais, professores, ao governo)". Não que continue "a matar a fome à sua própria infância, perante a passividade dos adultos, que tiveram privações e não souberam perceber que foram as privações que os fizeram crescer", lamenta Manuel Matos. Vivemos "num corredor de consumo e de exibição, os pais não podem sentir que os meninos precisam de alguma coisa sem os satisfazer de imediato".Os jovens tiveram quatro vezes mais brinquedos do que a geração anterior, diz a revista Retail Merchandiser (EUA). Um dado curioso para quem diz que esta geração é demasiado protegida, beneficia de uma economia robusta, tem pais obcecados em dar-lhe tudo o que podem, em proporcionar-lhe uma qualquer vantagem acrescida em relação aos outros. Fala-se em Geração Delivery, para indicar que os jovens estão habituados a que tudo venha caidinho do céu, prontinho a consumir, a usar. Fala-se em "Generation Market Clout" (geração alvo de mercado), porque os jovens deixaram de ser produtores para serem consumidores. Têm sempre algum dinheiro no bolso - não só da mesada, eles trabalham, muitas vezes em part-times, só que em vez de darem para o orçamento familiar gastam-no consigo: na roupa, nas saídas, no telemóvel, no carro, na mota, nos perfumes e cosméticos - e sabem como convencer os pais a gastar.Vítor Ferreira salienta que vivemos "numa sociedade bastante abundante". Por outro lado, a criança ganhou outro estatuto, deixou de ser encarado como mão-de-obra, (longe vão os tempos em que uma mãe, referindo-se à necessidade de ter tantos filhos dizia 'a coisa morria muito')". Hoje, "os pais tentam compensar os filhos por aquilo que não tiveram. A geração antes do 25 de Abril - os actuais pais e avós - são uma geração sacrificial. Sacrifica-se em função da concretização dos desejos dos filhos e netos". E como há cada vez menos filhos e netos "tudo acontece em função daqueles entes raros". A condição é mais do que cultural, é quase ontológica, "trata-se da projecção de realização pessoal através dos próprios filhos, o 'não-te-há-de-faltar-nada'". (A nova geração sabe mal o que é o sacrifício: "É mais hedonista. Pensa mais em viver o momento, em ter o prazer do momento. A realização no trabalho é expressivo e não instrumental, trabalha não por dever, não para ganhar dinheiro mas porque é um projecto de vida que se auto-realiza".)Manuel Matos vai mais longe: "É por tudo isso mas também por desculpabilização". Enchem-nos de brinquedos porque não os encheram de um tempo de afectos. Não se pense que este é um assunto menor: "O que tem sido veiculado como desenvolvimento do homem precoce para responder a determinado modelo de sociedade não é bem um modelo de desenvolvimento nem contribui para a sociedade. Esta é muito exigente mas não tem nada para oferecer no fim da meta. Talvez apenas um emprego... precário". Às vezes são os pais que querem dilatar a juventude dos filhos. Ana Catarina, deputada, que concorda que os jovens em Portugal se tornam adultos mais tarde, não vê nisso um retrocesso. Reconhece que os jovens hoje se sacrificam menos e que "têm dificuldade em cortar o cordão umbilical por comodismo" sendo verdade que os pais não incentivam "esse corte de amarras".E isso pode não acontecer por uma qualquer má consciência, como refere Manuel Matos, mas, como desabafou uma mãe de 47 anos, "se a minha filha já é adulta, eu sou o quê?". Pois, vistas de trás, as duas juntas, mãe e filha de 20 anos, não se percebe que não são da mesma idade. Vestem roupa semelhante, cortam o cabelo da mesma forma, as mochilas são incrivelmente semelhantes. Cybelle argumenta: "Há uma falsa promessa, veiculada pelos media, de que ser jovem é ser feliz. Ninguém quer envelhecer, ninguém quer sair do palco. Pais e filhos estão competindo: quem tem mais sucesso com as mulheres, quem usa a saia mais curta, quem tem os seis ou o bumbum mais arrebitado - nem que para isso carregue quilos de silicone ou faça implante na careca". Os pais erram o alvo ao tentar ser "coleguinhas dos filhos: estes precisam de adultos fortes", que resistam a um confronto.O psicólogo Manuel Matos, cuja tese de doutoramento trata de factores de risco na adolescência, alude ao vazio com que os jovens se encontram hoje. Não só a nível de emprego e de referências. Também no campo sexual, queimam-se etapas: "O período de desenvolvimento é de espera, de amadurecimento do desejo. Hoje não se espera, passa-se logo à acção. É um sexo agido, não é uma sexualidade. E quase sempre sai-se de lá derrotado, com uma má experiência".Cybelle afina pelo mesmo tom: "Ser adolescente, hoje, é muito mais difícil, ainda que aparentemente as coisas estejam mais fáceis para os jovens. Os pais são mais compreensivos, mais tolerantes, há maior liberdade sexual, maior liberdade de expressão, maior liberdade de escolha profissional, maior liberdade para isto, para aquilo". Contudo, "o que vemos hoje são jovens com pouca iniciativa, angustiados diante da escolha profissional, deprimidos, stressados, com dificuldade para sair de casa dos pais e definir o seu próprio caminho". Um cenário que não "pode ser generalizado, mas é espantoso o número de meninos e meninas nesta situação". A especialista fala na dupla mensagem da sociedade: "De um lado acreditando que hoje tudo é mais fácil e por outro sendo cada vez mais exigente no que diz respeito à competência profissional, ao sucesso, à estética, etc.". Nuno Tavares, padre, reflecte: "A juventude vê-se um pouco perdida, eu via-me. Como isto é tudo muito novo, onde é que nós temos as referências, onde é que temos as estruturas e os quadros para saber discernir o que é que é certo ou não? Quando de repente nos aparecem situações completamente novas, os nossos pais ficam aflitos, só dizem 'isto não é como era no nosso tempo, isto mudou e mudou rápido'. Hoje, a minha irmã se calhar aos 17 anos já tem um carro antes de ter a carta e o meu pai só teve o carro aos 40..."

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