Orfeão Universitário do Porto: "Uma escola de vida"

"Mais do que um nome, um edifício e um conjunto de actividades, o Orfeão são as pessoas que o amam, e que fazem dele uma parte de si... É um livro de memórias, escrito ao sabor dos tempos". A frase é debitada pausadamente, com um misto de orgulho, paixão, com um certo brilho nos olhos, pelo presidente do Orfeão Universitário do Porto (OUP), Júlio Martins. O OUP foi fundado a 6 de Março de 1912, seis meses após a criação da Universidade do Porto (UP), com o objectivo de "fomentar a cultura etnográfica portuguesa", como refere Júlio Martins. Com evidente orgulho, o jovem presidente salienta que o Orfeão foi o "primeiro coral universitário a apresentar grupos femininos no seu elenco", decorria o ano de 1937. Actualmente, o OUP é constituído por 200 estudantes de várias faculdades que trabalham activamente nos 19 grupos que o constituem. No entanto, como ressalva Maria João Cunha, vice-presidente do Orfeão, o público "tende a confundir a Tuna com o Orfeão", o que, no seu entender, "não corresponde à verdade". Júlio Martins concorda: "As pessoas acabam por gostar mais das tunas", mas "é o Coro Clássico que tem dado uma maior projecção" ao OUP.A imagem de estudante surge imediatamente associada à ideia de festas, "bebedeiras, o famoso 'espírito de estudantada'", diz, entre um sorriso, Júlio Martins. O Orfeão, no seu entender, vem afastar um pouco essa ideia generalizada que se faz acerca da juventude: "O OUP preserva os valores culturais da universidade".De forma entusiasta, Júlio e Maria João falam da "escola de vida" que é o Orfeão. "As pessoas entram aqui e acabam, pouco tempo depois, por mudar de curso e irem para a Escola de Música, por exemplo". Novos horizontes se abrem, mas a tónica é igual: "O Orfeão dá uma formação pessoal muito importante, enriquece muito", adianta Maria João. A entrega de todos os que colaboram no projecto é total, garantem. Fazer parte do OUP significa menos tempo com a família, com o namorado, menos tempo de estudo, mas nada que faça "baixar os braços". Desilusões? "Às vezes, quando as pessoas não entendem o alcance cultural que temos", confessa Hugo Silva, responsável pelo museu do Orfeão. Em 90 anos de história, muitas foram as viagens realizadas pelo Orfeão. Na década de 20, fizeram-se "digressões verdadeiramente épicas", explica Hugo Silva. O entusiasmo é geral quando se aborda o tema. "Quero ir à Austrália!", exclama Hugo. O Orfeão já realizou digressões pelos quatro cantos do mundo, exceptuando o continente dos cangurus. Muitos foram os concertos que ficaram na memória. "Em Goa, a Tuna cantou o 'Adeus a Goa', uma canção tipicamente goesa, num palco onde actuou, por exemplo, Carlos Paredes. As pessoas choravam! Ver mil pessoas a chorar quando se actua é algo inexplicável", conta Hugo. Entusiasmado, refere mais um episódio: "No Brasil, em Olinda, que é património mundial da UNESCO, demos uma actuação em frente ao primeiro edifício português. Conseguia-se ouvir o público cantar mais alto que o nosso volume". Maria João conta outra experiência: "Em Cabo Verde, na ilha de Santiago, na localidade de Assomada, um rapaz foi buscar a bandeira portuguesa e passou o tempo todo com ela erguida enquanto actuávamos".Mas nem sempre o OUP pode responder a todos os convites que lhe chegam. Os custos são muitos e sendo o Orfeão uma instituição de utilidade pública, há que optar. A maioria dos espectáculos protagonizados são gratuitos. A fonte de receitas provém essencialmente da reitoria da UP, da câmara, de instituições públicas, de alguns patrocínios e de festas organizadas com esse propósito, como a festa de Carnaval ou de passagem de ano. O FITU (Festival Internacional de Tunas Universitárias) é o evento organizado pelo Orfeão que mais dinheiro movimenta, mas, em contrapartida, é o mais reconhecido. Segundo Júlio Martins, "é necessário muita ginástica e engenharia financeira" para conseguir levar o projecto avante.No mês em que comemora 90 anos, o OUP preparou um vasto leque de actividades culturais. No dia 15 de Março, realizar-se-à um jantar de aniversário, com a presença do reitor da UP, de membros da Associação dos Antigos Orfeonistas da mesma academia e de representantes da Câmara Municipal do Porto. A 20, participará no "Encontro de Coros Universitários" (no auditório da reitoria da UP). Mas o ponto alto das comemorações da efeméride acontecerá no dia 21, com o sarau anual, que decorrerá no Rivoli Teatro Municipal, pelas 21h30.Para o presidente do OUP, saber que a instituição celebra 90 anos "dá uma maior responsabilidade. É pois necessário criar condições para que continue". Entre os vários projectos com que se depara, o mais ambicioso é a mudança de local, que se deslocarará para as antigas instalações da Faculdade de Engenharia. Mas outras iniciativas se avizinham, como a edição de um CD do Coro Clássico do Orfeão, ou a reedição de um jornal, que existiu até meados de 70, mas agora sob a forma de revista.

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