Estrelas antes de ser já o eram

Precisam de saber dançar - cantar nem tanto - e de vestir a preceito. A indústria discográfica, depois, ocupa-se deles, girls bands, boys bands, mix bands e outros produtos. Basta haver sex-appeal de um lado e adolescentes inseguros do outro. É o mundo dos sonhos e das estrelas que antes de ser já o eram.

"Só lhes damos o que eles querem!" É assim, sem mais delongas, que os produtores da indústria discográfica justificam a sua opção por girls bands, boys bands, mix bands e demais produtos descartáveis destinados a saciar um público juvenil e virgem nas suas opções musicais.A falta de talento é um frágil argumento perante uma indústria minada pela pirataria, farta de investir em artistas sérios e, hoje, na extrema necessidade de produzir dinheiro fácil e rapidamente. A maior parte desta malta não escreve canções e as suas carreiras terminam ao fim de 18 meses. Há também quem diga que não ficam na história e que vedam o caminho ao investimento em artistas verdadeiramente talentosos. A resposta a isto pode ser demolidora, até porque poucos artistas do catálogo da Motown escreveram as suas próprias canções. Tal como Frank Sinatra ou Elvis Presley, por exemplo, nunca se deram ao trabalho da composição - e o rei é mesmo para aqui chamado, pois ele também sabia fascinar as mesmas plateias de infantes que hoje ficam em pele de galinha ao ver uma fotografia dos Westlife.Pior que isso, está provado que esta actividade é legal e que, na verdade, existe um público para um determinado tipo de bandas pré-formatadas que interpreta o género de canções que a própria Celine Dion desdenharia. Há mesmo quem demonstre uma felicidade tocante depois de ouvir as melodias e ritmos de grupos como os Hear'Say ou as portuguesas NonStop, ambos descobertos em programas de TV destinados a recrutar a juventude que quer subir as escadas do estrelato. As audições são indispensáveis: não para investigar o talento, mas para saber se os candidatos encaixam no modelo ou conceito pré-definido. É preciso saber dançar, mas cantar é de somenos. A capacidade artística para escrever uma canção nunca esteve em causa porque alguém lá atrás já está a fazer isso. Lembram-se dos Stock, Aitken e Waterman? Na maior parte dos casos é música pop que ora aproveita o embalo da música de dança, ora se deixa engatar pela música negra mais melosa, ora opta pela balada xaroposa, cantada por rapazes e raparigas em idade juvenil. Vestem a preceitos, põem uma cara laroca e são capazes de seduzir um batalhão de adolescentes pouco seguros dos seus gostos musicais mas fascinados por uma sensualidade algo suburbana. o apelo sexual. Os fazedores de projectos como os Backstreet Boys, N'Sync, Steps ou Take That sabem bem do que se trata: adolescentes imberbes devidamente embalados segundo uma linha de moda e agrupados num magote - ninguém gosta de se sentir só, muito menos uma fã em delírio -, de forma a representarem o desejo do público juvenil, ansioso por se rever em estrelas que antes de o ser já o eram. Não precisam de ter talento, personalidade carismática ou sequer uma bem oleada máquina promocional que sustente a edição dos discos. Basta terem sex-appeal. A história não é de hoje e ameaça arrastar-se pelos tempos.Desde os movimentos pélvicos de Elvis até às imensamente curtas t-shirts de Britney Spears, tudo leva a crer que o apelo sexual de um artista é a marca do seu êxito. A questão não é de hoje, nem Elvis foi uma excepção - quem se lembra de Little Richard e de tantos outros predispostos a estimular o imaginário erótico de plateias adolescentes ou nem tanto? Enquanto pop stars, não querem senão vender produto. Os consumidores estão dispostos a comprá-lo. A indústria da música é um mero intermediário e segue à risca o lema "sexo, drogas e ... (preencher com o género musical preferido)". Mas a droga, depois de tanta liberalização, já não distingue ninguém, apesar do Robbie Williams ainda andar por aí. O sexo, sim. Assim foi e assim continuará a ser. Ou será mera coincidência o facto de qualquer das estrelas pop, de hoje ou de ontem, apelar de forma mais ou menos directa aos mistérios e maravilhas do sexo? A música pode ser descartável. O sexo não.Não quer dizer que os tempos não mudem, antes pelo contrário. O conceito de sexualidade, sensualidade e erotismo que os homens (e já agora, mulheres) das editoras procuram tem-se alterado de forma tão significativa quanto os preconceitos da sociedade ocidental. Madonna é altamente considerada pelo seu papel na saga da emancipação feminina, quebrando com a imagem da mulher objecto e assumindo, contra as feministas, que não era senão uma máscara. Tinha 24 anos quando o seu primeiro álbum foi promovido por uma editora subsidiária da Warner Brothers. Em 1998, Britney Spears entrou pela primeira vez num estúdio de gravação para as sessões que dariam origem ao seu disco de estreia, "...Baby One More Time". Tinha 16 anos.A ideia do que é sexy varia imenso ao longo dos tempos e isso nota-se nos artistas que andam pelos topes. Nos anos 80, por mais que custe a acreditar, ser sexy, para alguns segmentos, era usar cabelos compridos, t-shirts esfarrapadas e calças justas, de preferência de napa. Foi assim que Bon Jovi e grupos como os White Lion e Motley Crue de Tommy Lee fizeram nome. Até os Aerosmith, uma boys band de outros tempos, aproveitaram a deixa para relançar a carreira depois de terem saído da clínica de reabilitação. Madonna viria alterar os dados da questão. Hoje, o seu talento é reconhecido, mas antes disso teve que editar um livro de fotografias a derrapar para o porno, cujo título era, imaginativamente, "Sex". Os tempos eram outros e, na altura, ninguém se lembraria de perversa ideia de recrutar a próxima pop star de entre a petizada que fazia parte do Mickey Mouse Club. Hoje sim, e a eleita chama-se Britney Spears. Mais não seja porque era necessário revitalizar os topes com qualquer coisa que não fosse um grupo de trintões a cantar as suas aventuras sexuais (ou a falta delas) como acontecia com Celine Dion ou Kenny G. Até porque esses não querem, ou não podem, mostrar mais que um decímetro quadrado do corpinho. Janet Jackson também não mostrava a cor da pele quando editou os primeiros álbuns, entre os quais o fabuloso "Control", na altura devidamente incensado pela crítica. A crítica, pelos vistos, não olha a maminhas e só quando a irmã de Michael fez um implante e apareceu fantasticamente nua na capa da "Rolling Stone" as vendas dos discos dispararam. Houve quem dissesse que cada centímetro cúbico de silicone representava mais um milhão de discos vendidos.Do outro lado, as coisas passam-se sensivelmente da mesma forma; ou diametralmente da mesma forma. A alternativa face ar limpinho e colegial das boys bands passa indubitavelmente pela figura do mauzão. Cada vez há mais artistas a comportarem-se como proxenetas e a debitarem um discurso suficientemente degradante para as mulheres - alô Kid Rock, alô Eminem -, mantendo, de preferência, um exemplar à ilharga. Afinal de contas, só uma pop star compreende outra pop star. Manda a verdade que se diga que mais sex-appeal do que uma pop star, só o sex-appeal de duas pop stars. Jennifer Lopez facturou com a sua ligação ao rapper Puff Daddy, da mesma maneira que Robbie Williams não se tem preocupado em desmentir os romances que lhe são atribuídos. Kid Rock assenhoriou-se de Pamela Anderson, que antes tinha surgido na Internet em vídeos caseiros com Tommy Lee dos Motley Crue. João Gil e Catarina Furtado não são, obviamente, para aqui chamados. Mesmo que a maioria dos romances surgidos na imprensa não passe de uma invenção dessa mesma imprensa (ou de outra qualquer), não deixam de funcionar com um catalizador do efeito pop-star. O vídeo caseiro de Justin Timberlake e Britney Spears não tinha, segundo relatos da polícia, piada nenhuma.Porque mais do que apreciar, ver ou ouvir o talento de uma pop star, é quase certo que há alguém que toca essa pop star. Se esse alguém for conhecido e também tiver sex-appeal, a coisa fica elevada ao quadrado. E atinge proporções incomensuráveis, como se tudo se passasse no domínio dos sonhos. E não será mesmo assim?

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