A primeira revolta contra a ditadura

No período de tempo que decorreu entre o movimento militar de 28 de Maio de 1926 e a estabilização do Estado Novo, só verificada a partir de 1933, registaram-se em Portugal diversas revoltas contra a ditadura militar que tinha sido instaurada no país. A primeira dessas revoltas foi desencadeada no Porto, no dia 3 de Fevereiro de 1927, cumprem-se hoje precisamente 75 anos.Oito meses após a instauração da ditadura militar - e não obstante a repressão que de imediato se desencadeou -, o novo regime não tinha tido ainda tempo para afastar das fileiras das Forças Armadas os sectores ligados à esquerda republicana, que, deste modo, conseguiram reunir as condições necessárias à organização de uma sublevação militar. Também os dirigentes republicanos, alguns dos quais no exílio, aproveitaram esta situação para desencadear uma intensa propaganda contra a ditadura - propondo claramente uma intervenção militar -, em particular junto dos sectores do Exército e da Marinha. A revolta estava, por conseguinte, iminente.Às 4h30 da madrugada de 3 de Fevereiro de 1927, desencadeou-se no Porto a primeira revolta contra a ditadura militar, comandada pelo general Adalberto Gastão de Sousa Dias, um dos poucos oficiais que se tinham oposto ao 28 de Maio. Integravam ainda a direcção da revolta o comandante Jaime de Castro Morais, o capitão-médico miliciano Jaime Cortesão, o capitão João Sarmento Pimentel e o tenente João Pereira de Carvalho, pertencendo o comando das tropas ao coronel Fernando Freiria. No manifesto "Ao Povo Português", por eles subscrito e de imediato divulgado, exigia-se a demissão do Governo e a reposição do regime constitucional iniciado em 1911, ao mesmo tempo que se denunciava a falta de "liberdade de pensamento e de expressão, sem a qual se não pode conceber uma democracia, que foi a tal ponto suprimida que não há memória de opressão análoga em qualquer época da nossa história".A revolta iniciou-se no Regimento de Caçadores 9, que obteve a adesão de Cavalaria 6, de uma parte da GNR, para além de muitos civis, com ligações a forças políticas da oposição, como a Esquerda Democrática e, também, de anarco-sindicalistas e comunistas. O Governo Civil, o Quartel-General e o edifício dos Correios foram ocupados pelos revoltosos, que estabeleceram o seu quartel-general na Praça da Batalha. Ao redor desta montou-se uma linha defensiva com trincheiras em todos os seus acessos, na qual detinham uma particular importância as que dominavam a entrada na cidade através do tabuleiro superior da Ponte de D. Luís I e a que se situava no cimo da Rua de 31 de Janeiro/entrada da Rua de Santa Catarina (na foto).Embora em Lisboa - e ao contrário do planeado - os sectores militares tardassem em aderir à revolta, noutros pontos do país a adesão foi considerável, principalmente na Região Norte. No próprio dia 3 de Fevereiro e nos dias seguintes, forças militares e da GNR provenientes de Penafiel, Póvoa de Varzim, V. N. Famalicão, Guimarães, Valença, Vila Real, Régua e Lamego dirigiram-se para a cidade do Porto a fim de apoiarem a revolta. Foi particularmente importante a adesão do Regimento de Amarante, dado ter trazido consigo peças de artilharia, que estacionaram nas imediações do Monte Pedral.A não-adesão da capital constituiu o primeiro revés dos revoltosos, dado ter permitido ao Governo, através do ministro da Guerra - o tenente-coronel Passos e Sousa - recuperar a ofensiva e mobilizar todas as forças disponíveis para avançar contra o Porto. Uma vez aí chegadas, concentraram-se na Serra do Pilar, onde se lhes juntaram tropas vindas de Coimbra e de Lamego, tendo o comando-geral sido assumido pelo coronel João Carlos Craveiro Lopes, pai do futuro Presidente da República. A partir dessa excelente posição estratégica, iniciaram então um bombardeamento ininterrupto do Porto, visando as posições dos revoltosos no centro da cidade.A falta de iniciativa estratégica, agravada pela inacção lisboeta e uma deficiente coordenação dos civis - nomeadamente quanto à distribuição de armas -, revelou-se fatal para os revoltosos. Em contrapartida, as forças governamentais apertavam cada vez mais o cerco à cidade - que permanecia sob um bombardeamento constante -, entretanto reforçadas com um autêntico exército de 4000 homens, com a vinda do próprio Passos e Sousa para V. N. de Gaia, onde assumiu o comando das operações, com a chegada do "Infante de Sagres" a Leixões, transportando as tropas de Farinha Beirão que ameaçavam as forças revoltosas pelo Norte, o mesmo se verificando a leste com a coluna de Lopes Mateus, composta por tropas vindas de Bragança.Não obstante os enérgicos protestos do general Sousa Dias, que considerava ser "do mais elementar princípio do Direito Internacional que não se fizesse fogo sobre uma cidade aberta sem que fosse previamente prevenida a sua população", e do general-comandante da Região Militar, José Ernesto Sampaio, que promulgou uma nota oficial pedindo, "em nome da humanidade, que não bombardeassem as casas dos habitantes", assim como da indignação generalizada que tal decisão governamental suscitava junto da população, os efeitos do bombardeamento começavam a fazer-se sentir. Os prejuízos por este provocados eram incalculáveis, havendo prédios na zona da Sé que se desmoronaram por completo. Os mortos e feridos - civis na sua maior parte - eram em número avultado. Pairava um ambiente de enorme ansiedade, o que levou muitos habitantes a abandonarem a cidade e aqueles que permaneceram procuravam, sempre que podiam, refúgio nas caves dos prédios. O comércio e a indústria estavam paralisados. Os géneros alimentares escasseavam e o mercado negro começava a instalar-se. Desde o Cerco do Porto (1832-33) que a cidade não assistia a acontecimentos tão trágicos.A rendição, na tarde de 5 de Fevereiro, do Regimento de Infantaria 18, constituiu a antecâmara da capitulação dos revoltosos, que, no entanto, alimentavam ainda a esperança de obterem a adesão de outras unidades militares da província, e em especial de Lisboa. O tenente Oliveira Pio - que viria a ficar famoso durante a Guerra Civil de Espanha - declarou nesse mesmo dia, a "O Primeiro de Janeiro": "Estou e continuarei na revolução até ao final!". Quando, finalmente, na manhã do dia 7, o movimento arrancou em Lisboa, a situação dos revoltosos portuenses era já bastante problemática. Às 4h00 do dia 8, após um encontro entre o major Alves Viana, comandante da GNR, e o general Sousa Dias, este subscreveu uma mensagem que foi enviada ao ministro da Guerra em que se propunha a rendição das forças sublevadas, mediante determinadas condições, entre as quais a "isenção de responsabilidades aos sargentos, cabos e soldados". Os revoltosos justificavam a sua decisão pelo "respeito à cidade do Porto, à qual agradeciam o amparo moral e material" durante as hostilidades. Algumas horas mais tarde, já o dia despontava, Passos e Sousa entrou na cidade através da Ponte de D. Luís I, tendo, contudo, avisado previamente que qualquer civil encontrado com armas seria fuzilado de imediato. O balanço da revolta era pesado, não só para os revoltosos, mas em especial para os portuenses: 80 mortos e 360 feridos. Mas, acima de tudo, a derrota da sublevação representou a futura inviabilidade de intentonas reviralhistas, assim como a instalação de uma repressão ainda mais feroz sobre todos os sectores oposicionistas, com centenas de presos, deportados e exilados.

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