"Não faz sentido um teatro nacional personalizado"

Pouco mais de um ano volvido sobre a sua nomeação para a direcção artística do Teatro Nacional S. João (TNSJ), do Porto, José Wallenstein tem motivos para demonstrar o seu contentamento. É verdade que o actor e encenador ocupou este cargo poucos meses antes da inauguração do Porto 2001 e da abertura de um PoNTI alargado a todo o ano. Porém, ele também contribuiu para os elevados índices de afluência de público ao teatro nacional. Basta atentar nas lotações constantemente esgotadas que assistiram às suas duas primeiras encenações como director do TNSJ: "A Hora em que Não Sabíamos Nada Uns dos Outros", de Peter Handke, e "Frei Luís de Sousa", de Almeida Garrett.Ao longo do seu breve mandato, Wallenstein já operou algumas transformações: convidou Maria João Vicente para dirigir o Dramat, abriu um centro de documentação digital que contém todo o tipo de informações sobre o teatro e continua a estabelecer parcerias com agentes culturais de todo o país. Atento à conquista de um público mais jovem e apostando na diversidade estética das propostas artísticas que o teatro acolhe, Wallenstein elaborou uma programação para 2002 que prima pela abertura a outras artes cénicas, num registo transversal. "Não temos público formado para fazer uma programação temática ou dramatúrgica", defende, justificando esta afirmação com o "subdesenvolvimento" cultural do país. E é precisamente esta falha que Wallenstein não se cansa de lamentar - a quase inexistência de uma básica formação cultural do público português. JOSÉ WALLENSTEIN - O programa procura potenciar ao máximo os recursos disponíveis para a actividade do S. João, que recebeu do orçamento de Estado 680 mil contos (3.358.025 euros) e mais 120 mil contos (592.593 euros) do PIDDAC. Ou seja, números iguais aos atribuídos em 2000 e 2001. Na elaboração deste programa tenta-se potenciar a estrutura da casa, que é extremamente profissional e competente, e desenvolver uma série de parcerias com instituições públicas e produtoras privadas. Sendo o S. João uma instituição que se dedica essencialmente ao teatro, a minha proposta é sobretudo fazer uma programação mais baseada em criadores e não no reportório.Por razões históricas, continuam a existir em Portugal problemas culturais de formação-base graves. Sabemos que na área das artes do palco a taxa média de ocupação das salas ronda os 30 e tal por cento, há dificuldades de implantação da actividade teatral junto do público e, por isso, esta instituição tem responsabilidades de serviço público. Mais do que uma programação de reportório, é importante fazer espectáculos que consigam conquistar as pessoas. Isso não deixa a programação à deriva daquilo que os criadores podem propor, limitando assim alguns dos pressupostos que defendeu no início do seu mandato, nomeadamente a recuperação de autores clássicos?Na programação teatral estão presentes autores clássicos e alguma dramaturgia portuguesa, assim como há uma abertura a autores contemporâneos. As próprias actividades do Dramat [Centro de Dramaturgias Contemporâneas] propõem um trabalho de divulgação e produção a partir do resultado das oficinas de escrita teatral. Há uma abertura clara a espectáculos músico-cénicos, à opera, à dança, e eventos mais estruturantes, como o acolhimento de festivais de referência da cidade.No início do seu mandato deu uma entrevista a um semanário em que declarava que não fazia sentido deixar a sua impressão digital no S. João. Ainda pensa assim?Num país como o nosso, com muitas carências culturais, com um subdesenvolvimento cultural e apenas dois teatros nacionais, não faz sentido estar a marcar um teatro nacional muito personalizado. O S. João deve ser uma instituição de acolhimento, apoio e difusão da diversidade do tecido. Não tem sentido, para mim, fazer um teatro de autor. Primeiro, porque não temos público formado para estar a fazer uma programação temática ou dramatúrgica. Em França ou na Inglaterra, onde existem 200 teatros, em que as salas estão cheias, em que as pessoas compram assinaturas e bilhetes com seis meses de antecedência, isso faz sentido. Aqui não faz sentido que um génio se sente nesta cadeira e pense numa programação extremamente coerente. Prefiro uma coerência mais estratégica. Tento apoiar as estruturas e os artistas que considero, dentro de uma perspectiva de diversidade estética, com o objectivo de chegar a públicos diversos. Esta programação tem algumas marcas para públicos carenciados, como são os jovens. A nível nacional, os públicos mais jovens têm pouca oferta cultural e é importante fazer algum trabalho nesse sentido. A programação de 2001 não foi muito rica para este tipo de assistência. Há um público que está mais ou menos identificado, com menos de 25 anos, que ronda os 70 por cento. O que destacaria, na programação deste ano, como mais direccionado para este público?Desde logo o projecto Sophia [de Mello Breyner], quer nas duas produções teatrais - "Viagem à Grécia" e "O Colar" -, quer nos dois espectáculos com carácter não tão convencional: os concertos e as histórias narradas pelo António Fontinha. A minha primeira encenação, "O Coração de um Pugilista", de Lutz Hübner, "A Tempestade", produzida por uma companhia italiana, e o espectáculo sobre Gil Vicente, "Vicente 500", são exemplos que podem ter essa vocação. As limitações orçamentais marcam um pouco o programa. Não está agradado com o orçamento atribuído...Para um director de um teatro, como para um encenador, é sempre melhor ter mais dinheiro. A tarefa é tão gigantesca e as carências são tão grandes que ter mais apoios significa poder investir mais e colocar mais energia programática. Mas não me parece que esta programação seja desvitalizada. Qualquer espectáculo de média dimensão, realizado num teatro com a escala do S. João, custa cerca de 40 mil contos, e uma produção de grande dimensão custa entre 60 mil e 70 mil contos. Portanto, como o S. João tem a obrigação de fazer uma programação acima da média, é preciso fazer muita ginástica, promover muitas parcerias e construir muitas relações. Não só para potenciar os investimentos, mas também para que esses espectáculos possam ter alguma circulação.Porque é que o S. João perdeu o seu mecenas?Quando cheguei, em Setembro de 2000, o BPI já estava perdido. Ou seja, tinha apoiado o S. João ao longo de alguns anos e considerou que no final de 2000 era altura de haver alguma alternância para outra instituição. Na época, com a intervenção do ex-ministro da Cultura José Sasportes, o BPI decidiu renovar por mais um ano o seu apoio. Mas não nos deram uma perspectiva para além de 2001.Como é que esta falha vai ser colmatada?Continuamos em busca de financiamento mecenático para 2002, em condições que sejam vantajosas para ambas as partes.O apoio camarário é fundamental para a continuação do PONTI? Sim. Espero que o festival volte a ter esse apoio em 2003. Não teve em 2001, porque já havia recursos financeiros suficientes para realizarmos a programação que propusemos. Contudo, é um subsídio simbólico, na ordem dos 10 mil contos. O que é extremamente importante, na relação com a câmara, é o apoio institucional, do ponto de vista das relações do S. João com as instituições e equipamentos culturais do município. Isto é fundamental. Em 2001, a autarquia deu apoios logísticos e foram utilizados espaços municipais para acolhimento de eventos do festival e do teatro. Com ou sem o financiamento, é fundamental haver colaboração institucional. Mas não existem ainda certezas quanto à continuidade do festival depois de 2005. O PoNTI é realizado com recursos do Plano Operacional da Cultura [POC], através do Feder, que apoia o festival em 75 por cento do seu orçamento. Os restantes 25 por cento são suportados com recursos próprios do S. João. Até 2005, haverá com certeza este apoio, e a única coisa que posso dizer é que em 2003 haverá PoNTI. O director que vier a seguir terá uma palavra a dizer sobre a continuidade do certame. Não há forma de evitar uma comparação do seu mandato com a anterior direcção, presidida por Ricardo Pais, que era um pouco como um delegado do ex-ministro Manuel Maria Carrilho para as artes do palco. Tem uma visão mais restrita da função de director do S. João?A visão que tenho é aquela que determina a lei orgânica do teatro. Fiz esse compromisso de honra e é sobre esse documento que estabeleci um contrato com o Ministério da Cultura. Sou apenas director de um teatro que tem responsabilidades nas área de divulgação da actividade teatral, num conjunto de perspectivas de promoção própria, de co-produções nacionais e estrangeiras e de acolhimento. A maior parte das companhias do Porto não tem recursos financeiros para assegurar os seus projectos. O Auditório Nacional Carlos Alberto não poderá servir como uma âncora para estes grupos? Acho que deve ser. Seja numa política de co-produções, seja no acolhimento de espectáculos. Mas, para isso, é necessário que o teatro tenha recursos que lhe permitam fazer essa intervenção.E o Dramat não poderia servir de ferramenta para os grupos que não têm capacidade para ter um acompanhamento dramatúrgico para as suas criações?Sempre que foi solicitado ao Dramat o apoio em termos de edições ou o pagamento de um dramaturgo residente na companhia, nós atendemos a cada uma dessas propostas. Existe um interesse em intervir nas estruturas que estão no terreno. O Citemor é um exemplo, assim como o Concurso de Novas Dramaturgias, cujo texto será produzido por uma companhia escolhida pelo autor e por uma estrutura privada. Claro que se poderia fazer muito mais coisas, mas não há recursos suficientes. E isso relaciona-se com o problema histórico das disponibilidades financeiras do Estado para a cultura. Continuamos com médias de dotação orçamental extremamente baixas, ao contrário daquilo que foi previsto e anunciado nas legislaturas do PS. Não se conseguiu ainda chegar ao mítico "um por cento", o que me parece muito grave. Portugal é um país que tem já uma oferta cultural que merecia uma maior atenção por parte do Estado. O Ministério da Cultura continua a ser o menos financiado, e sem dinheiro não há muitos milagres. O Dramat tem somente 21 mil contos para gerir actividades durante um ano, na área fundamental da dramaturgia portuguesa contemporânea.

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