As artes do Porto

A qualidade será uma exigência incontornável depois de 2001, já que a Capital Europeia da Cultura elevou os parâmetros de programação, produção e montagem de exposições de artes plásticas. A mostra do ano é a retrospectiva dedicada a Dan Graham.

Que perspectiva adoptar quando se procura realizar um balanço crítico de um ano pleno de acontecimentos? Uma possibilidade seria contabilizar o número de visitantes e, nessa perspectiva, as cerca de 300 mil pessoas que acorreram à Fundação de Serralves dariam ao evento uma dimensão de sucesso porventura inédita no nosso país. Contudo, se a visão adoptada tomar em consideração o modo como as manifestações artísticas se cruzam com a população quer residente, quer flutuante, a conclusão é menos animadora: a indiferença da grande maioria de cidadãos relativamente à criação contemporânea é, de facto, insuperável. Há ainda um terceiro ponto de vista, talvez o mais acertado, que se relaciona com a exigência de qualidade. Neste particular, a Porto 2001 elevou os critérios não só da programação, mas também dos modos de fazer; a partir de agora, a avaliação da oferta terá sempre como referência aquilo que foi produzido durante a Capital Europeia da Cultura. A exposição do ano é a retrospectiva dedicada a Dan Graham. Produzida pelo Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS), a mostra inaugurou o ciclo "Sobre, em Volta, Dentro da Paisagem", que foi uma das linhas condutoras da programação da instituição portuense ao longo de 2001. A importância do criador norte-americano é incontornável: desde 1964 que Graham tem vindo a construir um trabalho onde se cruzam arte conceptual, música rock e punk (dos Kinks aos Sonic Youth, passando pelos Sex Pistols) e arquitectura. Utilizando diversos meios e suportes - fotografia, vídeo, televisão, filme, performance, etc. -, o artista aborda de forma recorrente a noção de "just past" a partir de Walter Benjamin. Refira-se ainda a importância desta obra para a geração que ganhou visibilidade na década de noventa, sobretudo pelas questões relacionadas quer com o planeamento urbano, quer com os mecanismos de sedução promovidos pela sociedade do espectáculo.No âmbito do ciclo "Sobre, em Volta, Dentro da Paisagem" podem ainda destacar-se as exposições de Júlia Ventura, Lothar Baumgarten, Fischli & Weiss, Hamish Fulton, Tacita Dean e o diálogo entre Amadeo e Mondrian. Outro núcleo de mostras programadas pelo MACS foi o dedicado aos "Artistas e Situações Afirmados no Porto na Segunda Metade do Século XX", que incluiu a colectiva "Porto 60/70: os Artistas e a Cidade" e extensas individuais de Fernando Lanhas, Albuquerque Mendes e Ângelo de Sousa. Deste último foi possível observar a importante retrospectiva "Sem Prata", que reuniu fotografias e filmes realizados pelo artista desde a década de sessenta - o relevo da iniciativa é ainda maior pela revelação de uma série de proximidades entre as imagens fotográfica e cinematográfica e a pintura do autor. Ainda na Fundação de Serralves, deve recordar-se o programa de esculturas no parque, que ficou enriquecido com obras de Richard Serra, Francisco Tropa, Maria Nordman - a este conjunto serão acrescentados trabalhos de Alberto Carneiro e Ângelo de Sousa, estando ainda prevista a aquisição de uma peça de Claes Oldenburg/ Coosje Van Bruggen.No âmbito da escultura pública sublinhe-se o conjunto escultórico "Treze a Rir Uns dos Outros", a última obra de Juan Muñoz. Produzido ao abrigo da lei do mecenato, este trabalho trata de questões relacionadas com a crueldade do rir. A implantação da obra na Avenida das Tílias constitui mesmo um exemplo feliz da relação entre a generosidade de um artista, uma empresa privada, uma capital europeia da cultura e a cidade: é que rareiam as peças de qualidade no espaço urbano nacional, sendo este sobretudo caracterizado pela sua estatuária paroquial e kitsch. Como confessava o escultor espanhol: "Não quero comunicar, interessa-me, sim, a cumplicidade com um espectador anónimo que vai sorrir diante de uma imagem de dor; pois, como dizia o poeta Auden, 'que bem sabiam os velhos mestres explicar a dor'".Se a Fundação de Serralves foi responsável por grande parte do programa de artes plásticas da Porto 2001, o pelouro da Capital Europeia da Cultura agendou igualmente algumas exposições de referência - as duas entidades produziram a colectiva "Squatters". O esforço de Miguel von Hafe Pérez, o responsável pelas iniciativas da área, foi coroado pela aposta na mostra "First Story - Construir Feminino/ Novas Narrativas para o Século XXI", comissariada pela alemã Ute Meta Bauer. Esta exposição, apresentada na Galeria do Palácio/ Biblioteca Municipal Almeida Garrett, ao colocar em primeiro plano uma série de questões essenciais para as inquietações das mulheres na sociedade contemporânea, constituiu um dos momentos altos do ano. A sucessão de mostras de qualidade ("Post-Rotterdam" e "Situações/ Citações") neste novo espaço da cidade coloca em plano de evidência a necessidade de se assegurar a continuidade qualitativa das iniciativas que ali terão lugar a partir de 2002.Se a Galeria do Palácio/ Biblioteca Municipal Almeida Garrett representa um caso de sucesso, o mesmo não se poderá dizer acerca da Central Eléctrica do Freixo, que recebeu "A Arte do Povo" e "Mistura+Confronto". A distância do local relativamente ao centro da cidade e a pouca divulgação das mostras são razões que podem explicar a pouca afluência de público, embora também se possa assinalar um certo desacerto curatorial, pelo menos na colectiva organizada por Ricardo Basbaum. Outra vertente do programa de artes plásticas teve como motivação levar o público a descobrir o espaço urbano portuense. "Squatters" e "A Experiência do Lugar" são as iniciativas que melhor responderam a este desejo da Porto 2001. Entre o grande número de trabalhos apresentados nestas exposições plurais registem-se os criados por Massimo Bartolini, Leonor Antunes, Ângela Ferreira, Gert Robijns, Simon Starling, Urs Fischer, Francisco Tropa, Lívia Flores, Marine Hugonnier, Veit Stratman, Tone Scientists, José Damasceno, Lúcia Koch, Damián Ortega e Philippine Hoegen ("Squatters") e Helena Almeida, Rui Chafes, Pedro Tudela, Cristina Mateus e Julião Sarmento ("A Experiência do Lugar").Num tempo em que as fronteiras entre as diferentes disciplinas artísticas deixaram de fazer sentido, a programação de artes plásticas da Porto 2001 foi contaminada por algumas iniciativas idealizadas em articulação com outros pelouros, como é o caso de "A Experiência do Lugar", que teve a parceria da área do Pensamento, Ciência e Literatura. Paulo Cunha e Silva concebeu e subsidiou outros projectos transversais, como "O Elogio da Loucura" e o "Brrr - Festival de Live Art". Nestes eventos aconteceram dois dos momentos mais intensos da Capital Europeia da Cultura: as performances "Sentir Muito", protagonizada por Vera Mantero e António Poppe, e "Faraway Friend", de André Guedes.As últimas notas do balanço são devidas à reabertura do Museu Nacional Soares dos Reis, com uma notável retrospectiva dedicada a Vieira Portuense, e à implantação definitiva do Centro Português de Fotografia na Cadeia da Relação.

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