Torne-se perito

E se os "Rangers" de Lamego fossem para o Afeganistão?

Imagine-se que o Governo português tinha querido mesmo participar no terreno na luta contra o terrorismo, liderada pelos Estados Unidos, e enviar uma coluna militar para combater os "taliban" no Afeganistão: para um teatro de operações onde o Inverno é terrível; onde, além de condições atmosféricas implacáveis, do frio, da neve e das tempestades, existem cordilheiras de 4000 metros que dificultam qualquer acção no terreno. Será que Portugal está preparado para uma missão internacional com esta envergadura? Estará preparado para enfrentar o duro cenário da primeira guerra do século XXI, uma guerra não convencional que está a pôr à prova as tropas especiais americanas e inglesas? Para um militar das forças de operações especiais portuguesas, não há outra resposta possível: sim.No Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), uma unidade do Exército sediada em Lamego e treinada especialmente para missões de alto risco, há um armazém cheio de equipamento de guerra para a neve (ver infografia). Há também militares que se dizem treinados para o que, na linguagem das operações irregulares, se chama "situação-limite".Uma intervenção de Portugal na luta contra o terrorismo depende sempre de uma decisão política, mas a acreditar nos responsáveis do CIOE, do Estado-Maior do Exército e do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), se esta viesse a ocorrer, os militares portugueses não dariam qualquer sinal negativo. "Os militares são profissionais e sentido de dever e de missão não lhes falta. Nós temos uma missão específica e estamos prontos para ir para qualquer lado, desde que haja uma decisão política para isso", sublinha o coronel Delfim Lobão, comandante do CIOE. Em seu favor, os militares das forças de operações especiais portuguesas apresentam a experiência acumulada nas missões em que têm participado a nível internacional, em teatros de operações como a Bósnia Herzegovina, Kosovo, Timor-Leste, Guiné e República do Congo. "Nas missões [internacionais] em que participámos, temos demonstrado que não ficamos rigorosamente nada atrás dos outros", afirma o tenente-coronel Borlinhas, do gabinete do EMGFA. A mesma confiança mostra Palmo Ferro, o tenente-coronel que chefia o gabinete de relações públicas do Exército: "As nossas tropas especiais estão preparadas para actuar em qualquer teatro de operações". No CIOE de Lamego, todo o treino operacional é assente num fundamento: o homem. O homem e o conhecimento dos seus limites. Mais do que a tecnologia, este é o pilar fundamental. O treino operacional dos militares de operações especiais está assim assente em três pontos: o ser, o saber e o fazer. No CIOE, o desenvolvimento das capacidades do indivíduo e o conhecimento dos seus limites consegue-se com instrução e treino. Muito treino. Com privação do repouso, dos bens essencias e da alimentação. "Tem que se olhar para o CIOE como um conjunto de homens bem treinados e bem preparados que se vão juntando para determinadas missões. Nós não trabalhamos com grandes massas, é sempre na base do homem que depois se junta e participa em operações", anota o comandante do CIOE.Dependendo de cada missão, os militares de operações especiais organizam-se em equipas de dois, cinco ou 12 homens. Todos são generalistas, mas cada um tem a sua especialidade: em comunicações, em transmissões, em saúde, etc.Portugal não tem um número elevado de militares de forças de operações especiais, mas os efectivos existentes "têm uma preparação de base semelhante à das tropas americanas que estão no terreno de guerra", garante o tenente-coronel Borlinhas. "Os nossos instrutores vão tirar cursos aos 'Rangers' americanos, portanto, toda a preparação e doutrina de base são idênticas", acrescenta o mesmo responsável. O que Portugal não tem é a mesma tecnologia e os mesmos meios de acção e combate que os EUA, líderes mundiais nesta matéria.Entre os militares, todos reconhecem que o frio é a área que oferece mais problemas em termos de capacidade de resistência e preparação do ser humano. Mas, aparentemente, este não é um problema. Por um lado, porque o clima na zona de Lamego, onde os militares de operações especiais residem, não é propriamente ameno. Por outro, os militares fazem regularmente treinos específicos em ambientes frios e de montanha. Treinam todos os Invernos na serra da Estrela e participaram já, em 1997 e 2000, em treinos internacionais no âmbito da NATO no Norte de Noruega a temperaturas que rondam os 40 graus negativos. Em Fevereiro do próximo ano, o destacamento de 48 militares do CIOE que integra a Força de Reacção Imediata (Ace Mobile Force Land) da NATO vai uma vez mais para o Norte da Noruega. Numa força irregular, o importante é a moral e a predisposição ao sacrifício. E embora defendam uma fase de pré-treino para aclimatação ao frio, os militares do CIOE dizem-se preparados para enfrentar o rigor do Inverno no Afeganistão. E garantem também que o material para o frio que se encontra em armazém é suficiente para fazer face às adversidades do clima afegão.Se, de repente, o Governo português decidisse enviar tropas para terreno afegão, de que tempo necessitariam estas para o seu aprontamento? Apenas escassas horas, garantem os militares. "O grau de prontidão dos nossos militares de operações especiais é muito grande e, por isso, o grau de resposta também. Setenta e duas horas de tempo de preparação é norma para nós, mas quando foi para a Guiné (1998) e para o Zaire (1996) em 48 horas colocámo-nos no aeroporto de Figo Maduro em termos de primeira contingência", afirma o comandante do CIOE.Entre os militares, quase todos se lembram de férias ou dias de descanso interrompidos repentinamente. "Uma vez, um militar estava de férias no Algarve com a família. Foi chamado e oito horas depois estava aqui, pronto para ir para o teatro de operações", recorda um graduado do CIOE. $"Rangers" "versus" forças de operações especiais portuguesasOs militares do Centro de Instrução e Operações Especiais (CIOE) de Lamego são frequentemente conhecidos pela alcunha de "Rangers", o que se deve ao facto de os seus instrutores terem recebido formação nos "Rangers" dos EUA. Estas são, contudo, tropas diferentes: os "Rangers" são unidades constituídas à base do choque e da força e as forças de operações especiais portuguesas não procuram o confronto directo.

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