Tá-se...

Os Da Weasel já são veteranos da cena musical e ultrapassaram o estatuto redutor de banda de hip-hop. "Podes Fugir Mas Não Te Podes Esconder" é o título do novo álbum. De quem? De quê? Foram algumas das coisas que quisemos saber.

O tempo passa depressa e os Da Weasel já têm oito anos e cinco discos no currículo. O mais recente, "Podes Fugir Mas Não Te Podes Esconder", vem acompanhado por uma operação de "marketing" de respeitável envergadura. A estratégia de promoção começou com um sítio na net e uma campanha de imprensa a funcionarem como "teasers". Seguiu-se a inauguração do sítio oficial, o primeiro single e vídeo, "Tás na boa", a manter o nível do premiado "O outro nível" do predecessor "Iniciação A Uma Vida Banal - O Manual". A editora, a multinacional EMI, espera chegar ao disco de ouro, ultrapassando as vendas de prata dos dois discos anteriores.Agora, começa o ritual. E nesse domínio, os Da Weasel podem, com propriedade, dizer "Tá-se". Em "Podes Fugir...", e recorrendo à gíria futebolística, continuam "iguais a eles próprios". A fusão de hip-hop com rock de filiação hardcore surge mais reforçada, mas o grupo volta a navegar por águas de soul, reggae, funk e a manter a sua "africanidade" sem fronteiras, e reminiscências do imaginário americano. A identidade própria, há muito acima de qualquer suspeita, sai revigorada com a vertigem e com o desejo de palco - ao fim e ao cabo, uma garagem maior, com mais watts de som e jogos de luzes mas com uma diferença fundamental, o público, de carne e osso. Canções de refrão eficaz, letras de intervenção e festa, energia musical diversificada e diletante, honestidade e prazer genuínos. Um discurso claro, em termos de sonoridade e de mensagem. Material inflamável para incendiar ao vivo, e em tempo real, no "habitat" natural dos Da Weasel. É por isto que o projecto fundado pelos irmãos Nobre, Pacman e Jay Jay Neige tem conseguido passar ao lado das dificuldades e manter-se vivo, atravessando os dilemas que desde sempre assombraram a música portuguesa e o complicado processo de exposição do hip-hop nacional.Em entrevista ao Y, Carlos "Pac" Nobre (voz e letras), Pedro Quaresma (guitarra e composição) e Virgul (voz) fazem o "check-up" da "doninha"."Estamos melhor do que nunca". A afirmação é feita em coro. A unidade de pensamento transparece nas palavras. Quaresma assume o papel mais interveniente, Virgul revela-se mais tímido e Pac é um observador atento, quase um professor que gere a prestação dos pupilos. É ele que tem a última palavra, sempre que é caso disso. Afinados, completam o estado actual dos Da Weasel. "Estamos melhor ao vivo, tocámos melhor no disco e temos uma atitude mais positiva." Influências e rimas. O grupo cresceu. A responsabilidade e a ambição também. O estatuto consolidado permitiu, desta vez, fazer exactamente o que queriam. Ter o tempo e os meios necessários para, curiosamente, enfatizar o espírito da garagem que nunca os abandonou. E apostar numa produção mais orgânica, onde o formato tradicional de banda (rock) e a antecipação da adrenalina dos concertos tem a primazia. "Isso nota-se", concorda Quaresma. "Este disco foi mais pensado. Tivemos tempo para reflectir sobre o que havíamos de fazer. Grande parte foi criado em garagem e depois trabalhámos tudo em estúdio. No outros discos fomos directamente para estúdio. Ao vivo a coisa funciona muito bem, e foi essa força que quisemos transportar para a gravação. Os temas estão com mais garra. Fizemos o site, estamos a fazer uma aposta maior no álbum, com o intuito de o disco chegar às pessoas. Gostem ou não, pelo menos conhecem." Aproveitámos o mote das programações e a tendência mais orgânica para perceber quais as consequências da saída de Armando Teixeira, um dos membros da formação original e habitual responsável pelas pulsões mais electrónicas. Instalou-se o silêncio; depois a hesitação. "Contamos ou não contamos?" "Deve-se dizer as coisas como elas são: a saída do Armando deve-se ao facto de nós acharmos..." Virgul tomou a iniciativa. Pac pôs o ponto final. "Já tínhamos ideias para fazer as coisas com ou sem ele. Não tivemos nenhum problema. Skip" Lançámos o disco do projecto Balla ao barulho (do silêncio). "Gostámos". Foram lacónicos. Definitivamente, não sentem a falta do ex-colega. Saltámos para o título do novo disco. "Inicialmente, estava para ser dedicado à música que a gente ouve, às pessoas, às influências. Ao fim e ao cabo, o 'podes fugir mas não te podes esconder' tem a ver com as influências todas que uma pessoa apanhou durante toda a sua vivência e por mais que tente fugir-lhes, elas vêm ao de cima. Este disco é isso, a revelação das nossas influências, incluindo as que exercemos uns nos outros, o que apanhamos dos concertos, etc." Concretizando, há referências (e influências) que vão de "Thriller" de Michael Jackson à inspiração proporcionada por Pedro Mantorras (o mais recente ícone do S. L. Benfica, seis anos depois de "Finto como o João Pinto..." ) ou ao agradecimento aos fãs, passando pela evocação de uma memória de passado e presente da "rua", da "garagem", da "essência", da fraternidade. Não é por acaso que um dos temas se chama "Jay", aliás João Nobre, e as letras reflectem, como tem sido normal nas canções dos Da Weasel, o universo partilhado pelo grupo, em jeito de realismo ficcionado, onde não falta pedagogia e consciência social, decorrente das conversas, experiências e aspirações quotidianas. É neste contexto de crescimento, e da leitura de algum incómodo que transparece ao longo das canções que é pertinente questionar o grau de pressão da editora e dos próprios elementos do grupo. Há versos que não rimam. "Tás na boa...", o primeiro single, é apenas um pretexto. Passamos o "mic" ao seu dono. "A rima do foder... Às vezes, não consigo não dizer as coisas. Há certas situações em que tem mesmo de se dizer. 'Tou-me' a cagar para quem vai ouvir. Outras vezes fazem-se concessões. Não estamos a fazer uma maquete para o nosso umbigo. Fazemos a música que gostamos de fazer, mas chega a muitas pessoas e temos que pensar nisso." O raciocínio de Pac é reforçado por Quaresma. "Isso é um bocado uma selecção natural. Não passa pela editora dizer 'não podes dizer asneiras'. Eles não mandam na nossa música. Fazemos o produto, eles ouvem e pronto. Não mudamos nada, nem nunca nos disseram para o fazer."Miragens e bonecos. Saltamos por cima de ideias soltas, e reservamos a questão mais polémica para o fim. Ficamos a saber que o grupo nunca tocou no estrangeiro, apenas fez um espectáculo ocasional em Barcelona, mas vontade não lhes falta. A língua é a barreira. A gravação de um disco em inglês seria demasiado complicado e, por isso, pouco exequível. Talvez pudessem chegar aos mercados luso-descendentes e, quiçá, ao Brasil, apesar do controlo apertado dos autóctones; talvez a editora pudesse dar uma ajuda e demonstrar mais visão. Talvez... As hipóteses não passam de miragens pouco convictas. Resta a consolação e o reconhecimento do vocalista dos Sepultura ou de Chad Smith dos Red Hot Chilli Peppers, a acompanharem a prestação dos Da Weasel em festivais partilhados, na penumbra do "backstage". Com os Orishas foi diferente. "Foram lá dar o 'five' no concerto de Leiria", conta Quaresma, e depois, como eram da mesma editora, concretizou-se a colaboração no tema "Sigue, Sigue". Além disso, espanhol, ainda que das Caraíbas, rima com português. O "espanholês" é quase uma segunda língua. Deixámos a discussão da existência de mercado para o hip-hop feito em Portugal e avançámos para os bonecos alter-egos, que faz parte da estratégia de marketing. E, claro, a coincidência com os Gorillaz. Virgul manifesta-se. "A ideia dos alter-egos foi um amigo do Guillaz, o baterista. Surgiu com umas personagens, apresentou-nos, gostámos, mas isso foi há bastante tempo, ainda os Gorillaz não estavam cá. Na altura pensámos: temos que fazer algo com isso. Depois, alguém se lembrou da cena dos alter-egos e demos largas à imaginação. Lembro-me de uma capa dos Primitive Reason, com uns bonecos, e lembro-me de ter pensado que gostava de fazer o mesmo." Quaresma avança. "Por acaso, na altura não liguei. Nos Gorillaz é mais um conceito, eles não existem, não existe a personagem real, são aquilo mesmo. Para nós é um complemento. São conceitos diferentes. Gostei dos bonecos, dos vídeos, mas não gosto do disco dos Gorillaz; o site deles está muito bom."Pac conclui e ironiza. "Há sempre aquela ideia que em Portugal estamos sempre atrasados quando afinal as pessoas têm as ideias ao mesmo tempo. O pessoal já não anda aqui a dormir. Tanto nisso como na música."

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