Assessores e amigos de vereador do trânsito ligados ao negócio do estacionamento

António Machado Rodrigues, vereador do Trânsito da Câmara de Lisboa a meio tempo desde 1989, tem uma sociedade com um empresário que, por sua vez, é sócio de uma empresa associada a um dos grandes patrões do estacionamento privado da capital. A empresa através da qual o sócio de Machado Rodrigues está associado ao empresário do estacionamento tem sede no escritório particular do vereador. O chefe de gabinete de Machado Rodrigues, dois antigos assessores da câmara e um cunhado do vereador foram sócios, até há dois anos, de uma empresa de que era sócio-gerente o mesmo empresário de estacionamento. Esta firma teve igualmente sede no escritório particular do vereador.Difícil de entender? Não admira. O conjunto de ligações que evidencia as relações do vereador do Trânsito de Lisboa com o negócio do estacionamento também não é simples nem fácil de entender.Os elementos recolhidos pelo PÚBLICO permitem concluir que o vereador que tutela o trânsito e o estacionamento da cidade tem uma ligação indirecta à Gisparques, empresa que foi vendida há dois anos por mais de 1,5 milhões de contos e integra hoje a maior sociedade portuguesa do sector, a Emparque.Machado Rodrigues, um engenheiro especializado em circulação e transportes, diz que são tudo coincidências.Ei-las, as coincidências, uma a uma.Primeira coincidênciaVereador trabalhava para empresa dos seus assessoresO arquitecto Leonel Fadigas e António Fernandes Lima, cunhado de Machado Rodrigues, juntamente com dois outros sócios, criaram, em 1979 a sociedade por quotas Tecnep - Estudos e Projectos de Desenvolvimento Lda. A empresa ficou sediada na Travessa Henrique Cardoso, em Lisboa, numa loja alugada em nome de Machado Rodrigues, na qual este já tinha o seu escritório particular. O actual vereador não fazia parte da sociedade, mas cedeu-lhe o espaço até ao princípio dos anos 90, na condição de ser ele a fazer os estudos de circulação rodoviária encomendados à Tecnep. Ao longo da década de 80, Armindo Cordeiro, um técnico de transportes, e Domingos Cidade de Moura, um engenheiro projectista especializado nos EUA, entraram para a sociedade, o mesmo fazendo, mais tarde, José Manuel Proença Boavida, igualmente técnico de transportes. Quando o PS e o PCP ganharam a Câmara de Lisboa, em 1989, Machado Rodrigues assumiu o lugar de vereador do Trânsito e Infra-estruturas Viárias e foi buscar Armindo Cordeiro e Proença Boavida para trabalharem com ele. O primeiro ficou como chefe de gabinete, cargo que ainda hoje desempenha, e o segundo, que preside actualmente a uma das secções do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, preencheu um lugar de assessor. Três ou quatro anos depois, Leonel Fadigas [presentemente membro da direcção da Agência para a Modernização da Base Económica de Lisboa, uma empresa de iniciativa municipal] entraria também para a câmara, mas como assessor do então vereador João Soares. A nível privado, Machado Rodrigues e os seus dois colaboradores continuaram a fazer estudos de transportes e circulação para os clientes, normalmente públicos, da Tecnep. Na fase preparatória da Expo 98, a Tecnep e Machado Rodrigues trabalharam em diversos estudos e projectos relacionados com a exposição mundial, entre os quais os da Gare do Oriente. Mais recentemente, há cerca de três anos, o cunhado de Machado Rodrigues, bem como Armindo Cordeiro, Proença Boavida e Leonel Fadigas venderam as suas quotas na sociedade a Domingos Moura e à Conduta, uma empresa controlada a cem por cento por este último e pela mulher.Em 1998, quando fez a única declaração de rendimentos que está disponível no Tribunal Constitucional em seu nome, o vereador registou que tinha a receber 6500 contos da Tecnep, nesse ano, "por trabalhos de consultadoria técnica".Segunda coincidência Sócio dos assessores tornou-se patrão da GisparquesDomingos Cidade Moura - então sócio do chefe de gabinete, de um assessor e de um cunhado de Machado Rodrigues, e enquanto gerente da Tecnep comprador de serviços prestados pelo engenheiro-vereador - participou na criação da Gisparques em 1992, uma das primeiras empresas de estacionamento de Lisboa. A iniciativa pertenceu a um empresário francês do ramo e na lista dos fundadores estava também Fernando Nunes da Silva, um técnico de transportes que tinha sido assessor de Machado Rodrigues até meados de 1991 e deixou a empresa logo em 1993.Os três primeiros anos de actividade foram particularmente desencorajadores, e até 1995 a empresa não tinha conseguido ganhar nenhum concurso para os parques subterrâneos, nem iniciar o negócio do estacionamento em espaços provenientes da demolição de prédios degradados. Perante este fracasso, o francês que controlava a sociedade desinteressou-se dela e passou a Domingos Moura, pelo seu valor nominal, as acções que detinha na sociedade.Nos três anos seguintes, pela mão de Domingos Moura e de Roberto Berger, um seu amigo, a Gisparques logrou finalmente instalar-se no nicho de mercado dos parques em espaços devolutos e transformou-se numa empresa altamente rentável. Uma das alavancas do seu sucesso foi também a Expo 98, cujos espaços de estacionamento lhe foram integralmente concessionados, incluindo os da Gare do Oriente.Em 1998, com Domingos Moura, Roberto Berger e Lino Almeida Martins na administração, a Gisparques foi vendida ao grupo Emparque, controlado pela A. Silva & Silva, por mais de 1,5 milhões de contos. Domingos Moura - que, apesar da venda, se mantém na administração da Gisparques - não quis dizer ao PÚBLICO o valor da transacção, mas afirmou que "se fosse 1,5 milhões a Emparque tinha feito um muito bom negócio". Quanto a Lino Almeida Martins, disse que é apenas um advogado que o assessorou na venda da empresa e que não sabe como é que o conheceu.Terceira coincidênciaGerente de empresa de que o vereador é sócio nomeado administrador da GisparquesMachado Rodrigues comprou em 1996 uma quota da Telser, Telemática e Serviços Lda, no valor de 400 contos, a Lino Almeida Martins, um advogado que estava ligado a Alberto Marques Lopes, um amigo do vereador, e à Elotécnico SA - empresa de electrónica dominada por este empresário e na qual o vereador tinha entre cinco e dez por cento das acções. Entre Janeiro e Dezembro de 1998 Lino Almeida Martins, que se mantinha como gerente da Telser, foi administrador da Gisparques, a empresa de Domingos Moura cuja sede estava então instalada no seu escritório de advogado.Há cerca de dois anos, a participação de Machado Rodrigues na Telser passou para 6 400 contos, e no ano passado para 11.200. O vereador ficou com 35 por cento do capital e Alberto Marques Lopes, mais uma familiar, com o resto.No caso da Elotécnico, Alberto Marques Lopes e Machado Rodrigues venderam 80 por cento do capital à Fujitsu em 1998. Na sua declaração desse ano ao Tribunal Constitucional, o vereador diz que possui 8100 acções nessa sociedade e acrescenta que vai receber, em 1998 e 1999, 66.680 contos pela sua venda aos japoneses. Já este mês, Machado Rodrigues disse ao PÚBLICO que a sociedade foi vendida por um milhão de contos e que a sua parte foi de 115 mil.Quarta CoincidênciaSócio do vereador associou-se ao patrão da Gisparques Em Dezembro de 1997, o amigo e sócio de Machado Rodrigues na Telser e na Elotécnico, Alberto Marques Lopes, cria uma nova sociedade com Lino Almeida Martins, em cujo escritório já está instalada, nessa altura, a sede social da Gisparques. A nova firma chama-se Alberope, dedica-se à consultoria e gestão, e cada um dos dois sócios fica com uma quota de 22.500 contos. A sua sede fica na Travessa Henrique Cardoso, precisamente no escritório de Machado Rodrigues, onde a Tecnep dos seus assessores e de Domingos Moura funcionou durante uma dúzia de anos.Ainda no mesmo mês de Dezembro de 1997, a Alberope junta-se a Domingos Moura e Roberto Berger - que estão a ultimar a venda da maioria do capital da Gisparques com Lino Almeida Martins - e formam uma empresa imobiliária. A sociedade chama-se Lisboa Fundiária, Investimentos Imobiliários Lda e o capital fica assim dividido: Alberope 12 mil contos, Domingos Moura seis mil e Roberto Berger outros seis mil. A sede fica no escritório de Lino de Almeida Martins, onde também está sediada a Gisparques.Quinta coincidênciaPatrão da Gisparques apostou em iniciativa do vereadorO programa eleitoral da primeira coligação PS/PCP para a Câmara de Lisboa, em 1989, contemplava a criação de parques de estacionamento residenciais, unidades subterrâneas a instalar por associações de moradores, a quem a câmara cederia o direito de utilização do subsolo. O processo, dinamizado e controlado pelo gabinete do vereador Machado Rodrigues, gerou muitas expectativas, mas teve um arranque particularmente moroso e difícil. A certa altura, Domingos Moura, o empresário da Tecnep, da Gisparques, da Lisboa Fundiária e da Conduta resolveu fazer uma parceria com a Soconstrói e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo para explorar este mercado. A Conduta faria os projectos, a Caixa de Crédito financiá-los-ia e a Soconstrói construiria os parques. O grupo ainda fez "uns 15 estudos prévios", segundo Domingos Moura, mas só o da Av. do Uruguai é que foi concretizado e construído. Apesar dos esforços do vereador do Trânsito, as restantes associações não foram capazes de levar o processo até ao fim e a câmara acabou por entregar, recentemente, a construção dos parques residenciais à Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa (EMEL). E como a Conduta já tinha feito os estudos prévios "a custo zero", foi combinado, ainda segundo o patrão da empresa, que seria ela a fazer os projectos finais para a EMEL.

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