Número de cremações em Portugal continua a crescer

No Cemitério do Alto de S. João, em Lisboa, há uma capela transparente. Os corpos dos falecidos que passam por ali não são enterrados: são transformados em cinzas e levados para casa pelos familiares. A cremação pode não estar ainda suficientemente divulgada em Portugal, mas é cada vez mais uma opção perante o cenário geral de cemitérios tristes e sobrelotados. O ano passado foram cremados 1700 corpos em Lisboa e Porto, um número que mais do que dobra os cerca de 800 registados em 1996. Um grande crescimento, apesar de a opção poder ser cara ou complicada. Uma família do interior que decida cremar um familiar falecido tem de deslocar-se a Lisboa ou ao Porto. Em Portugal só existem três fornos, o que pode tornar a cremação um transtorno e encarecer bastante o serviço. Em Coimbra, apesar da localização central e dos seus hospitais, não existe qualquer forno. Paula Ribeiro, responsável pela Divisão Cemiterial da Câmara de Lisboa, salienta que por vezes deslocam-se famílias de muito longe, mesmo do estrangeiro, a quem é necessário dar prioridade. Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas, é bastante crítico relativamente à administração do crematório com mais afluência, em Lisboa. Há trimestres no ano em que a espera é de 72 horas, afirma, acrescentado que a demora faz com que muitos desistam da cremação. Ana Paula Ribeiro garante que desde 1998 não existe qualquer paragem inesperada e os agentes funerários são avisados das limpezas antecipadamente. O tempo de espera para a cremação de um corpo é entre 24 a 48 horas. O cemitério do Alto de S. João alberga o primeiro crematório de Portugal, inaugurado em 1985. Nesse ano foram cremados 18 corpos. Mas já anteriormente era aberta uma excepção a algumas castas da comunidade hindú, cujos familiares não comem ou bebem antes que os seus mortos sejam cremados. As cremações eram realizadas em piras, que os próprios construíam. Ao longo dos anos a procura foi aumentando e os agentes funerários compreenderam que o mais difícil é a falta de entendimento quanto à morte. O problema é a crítica social. Muitas vezes há familiares que criticam e não decidem, afirma Carlos Almeida. Para ser cremado basta expressar o desejo em testamento ou, então, fica ao critério das famílias. Por não querermos falar da morte somos mórbidos, salienta Carlos Almeida, afirmando que Portugal é o país com menos testamentos na Europa. Não é, por isso, uma questão de conservadorismo. Inicialmente pensava-se que o Porto - o Norte apresentou uma forte resistência aos cemitérios no século passado - não iria mostrar grande aceitação. Curiosamente, o forno do Porto, inaugurado em 1996, tem registado um crescimento semelhante ao de Lisboa nos seus primeiros anos. No ano passado foram lá cremados 162 corpos. O crematório mais recente foi inaugurado na vila de Ferreira do Alentejo, em Março deste ano. A proposta e o financiamento foram ambos feitos por um morador que já morreu e que foi cremado no forno. O crematório, já utilizado mais de 20 vezes, poderá ser uma solução para os corpos vindos do Alentejo e do Algarve, que, anteriormente, teriam de deslocar-se a Lisboa. Espera-se também para breve a inauguração de um segundo crematório em Lisboa, no cemitério dos Olivais. Não há um perfil da pessoa que escolhe ser cremada depois de morrer. Pode ser uma atitude contra a ostentação dos jazigos, a escolha de uma cerimónia privada ou imposição religiosa. Os argumentos dos defensores da cremação são a higiene e o espaço, justamente os mesmos utilizados o século passado a favor dos cemitérios e contra os enterros em igrejas. Pode ser uma solução para cemitérios abandonados - a maior parte dos cemitérios em Portugal não tem funcionários e estão sobrelotados. Tem vantagens mais práticas, como enviar um corpo para o estrangeiro de forma mais barata ou a cremação das ossadas depois de exumadas, processo para o qual existe uma grande lista de espera. O preço da cremação de uma pessoa de Lisboa (logo, sem deslocação) oscila entre os 200 e os 250 contos, o equivalente a um funeral médio ou baixo. Não se pode escolher a urna, que deve ser de pinho, encerada e sem aplicações metálicas. Depois da cremação, as cinzas são arrefecidas, separadas, centrifugadas.Há quem opte pela forma tradicional, deixando, por exemplo, as cinzas num jazigo de família. Podem ser divididas entre os familiares ou colocadas atrás do retrato da pessoa. Há quem deseje espalhar os restos mortais no mar ou na terra. Carlos Almeida afirma que a ideia já teve mais adeptos, quando era necessária uma autorização especial, raramente concedida. Hoje os familiares assinam um papel e podem levar as cinzas para onde quiserem.

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