Portugal exótico em exposição internacional no Womex em Roterdão

Algo de invulgar se está a passar com a música portuguesa no estrangeiro. Já não é apenas o fado e uma nova geração de fadistas a conquistar expressiva projecção além fronteiras. Há também outros artistas e outras músicas de raíz portuguesa a ganhar lugar em editoras e palcos internacionais. Uma apetência que é tanto mais surpreendente quando boa parte deles até nem é especialmente popular entre nós.Tome-se o exemplo do Womex, a exposição itinerante de world music, que desde quinta-feira até hoje ocupa o centro multiusos Doelen de Roterdão. Há três stands portugueses: um da produtora de espectáculos HM Fado & Co, que representa mais de uma dezena de artistas, de Mafalda Arnauth a António Rocha; outro da Ocarina, que além de trabalhar no mesmo ramo também é editora, tendo nomeadamente lançado Katy Guerreiro; e ainda a da Reunião, que representa os Madredeus, entre outras bandas portuguesas. Presentes estão, também, outros empresários e editoras nacionais, incluindo a Megamúsica e a Alain Vachier. Essa é a vertente de iniciativa nacional, que tardou mas já se tornou moeda corrente neste tipo de certames internacionais. O que já não é tão comum e surge neste Womex com enorme protagonismo é a presença de uma série de artistas com nomes portugueses gravados ou agenciados por companhias estrangeiras. Uma menção especial merece a World Connection que já tem em catálogo dois artistas nacionais: o veterano fadista Jorge Fernando e a ainda jovem Mariza. A promoção desta última está mesmo a ser intensiva em Roterdão, com posters com a sua glamourosa imagem colados um pouco por toda a parte no Doelen. Se estes dados já são sintomáticos do novo prestígio da música portuguesa no exterior, mais ainda o é a organização, por parte do próprio Womex, de uma noite de "Lusomania". Como referimos na edição de ontem, foram recebidas 500 propostas para menos de 40 espectáculos em Roterdão. Que dois artistas portugueses tenham sido escolhidos é reconfortante, mas que os seus nomes sejam Fernando Lameirinhas e Sara Tavares não pode deixar de ser espantoso.Em primeiro lugar porque entre nós quase ninguém sabe quem é Fernando Lameirinhas. É natural, porque emigrou do Porto, ainda em miúdo, com a família para Amesterdão em 1959, onde desenvolveu carreira desde os finais dos anos 60. O catálogo do Womex apresenta-o como um fadista alegre, apaixonado pela morna e pela música brasileira. Mas perante uma sala de duas mil pessoas cheia a dois terços, o cantor de origem portuguesa actuou com uma banda internacional e mostrou que não tem mais nem menos a ver com fado do que um Luís Represas. A música que Lameirinhas produziu pode ser mais correctamente caracterizada como baladas pop num formato acústico. A matriz da maior parte do reportório interpretado reconduziu ao trovadorismo "sixties" com um forte acento colocado nos arranjos de sabores tropicais. Não será o último grito em matéria de músicas do mundo, mas Lameirinhas provou que está muito para além do folclore para emigrantes, revelando-se como um artista atípico na diáspora portuguesa capaz de ganhar a adesão de plateias internacionais.Já o caso de Sara Tavares se aproximou do prodigioso. A artista revelada por "Chuva de Estrelas" tem dois álbuns gravados na BMG, o último dos quais, "Mi Ma Bô", data de 1999. Agora no catálogo do Womex aparece como artista por gravar, o que deverá significar que apesar do segundo disco ter sido certificado com ouro, ela está na lista dos artistas nacionais dispensados por aquela multinacional. E é assim que uma artista portuguesa sem editora foi não apenas seleccionada para o Womex como despertou tanto interesse que o concerto decorreu à porta fechada, porque lá dentro já não cabia mais ninguém.Mais que cumprir, Sara superou largamente as expectativas e por certo provocaria um choque naqueles que ainda vêem nela uma Whitney Houston à portuguesa. É um completo renascimento, logo sugerido por a cantor, agora com 23 anos, surgir em cartaz como meio portuguesa, meio caboverdiana. A sua principal bagagem pode ainda ser a soul, mas no espectáculo que realizou em Roterdão interpretou-a sob um modelo difuso, modulado por inflexões para o gospel, o blues e o jazz, sempre com pormenores e uma envolvência africanas.A maior parte da sua actuação foi iluminada por tépidas tonalidades de azul, reflectindo o misto de intimismo e de espiritualidade panafricana projectado por uma voz anímica que empregou o português, o crioulo e o inglês como se fossem parte de um mesmo esperanto. Quando no final trocou a quietude por uns passos de dança num tema oleado pela aceleração do soukous zairense, a sala inteira levantou-se para dançar freneticamente com ela. Sara é já uma estrela ascendente no firmamento da world music, mesmo se é incerta a sua carreira em Portugal. O que, se calhar, é a condição futura de muitos artistas portugueses.

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