Ciganos de Francelos realojados no meio de grande secretismo

As 27 famílias da famosa comunidade cigana de Francelos foram ontem de manhã realojadas em cerca de três dezenas de apartamentos de uma urbanização social nova na freguesia de Olival, Gaia, numa operação-relâmpago da Câmara Municipal de Gaia rodeada de um enorme aparato policial e antecedida de todo o secretismo.Aparentemente, eram pouquíssimas as pessoas que sabiam com antecedência que o destino final da comunidade de Francelos - actualmente reduzida a 121 indivíduos, mulheres e crianças na sua maioria - iria ser aquele empreendimento camarário novo e desocupado situado no lugar de S. Miguel, freguesia de Olival, num local relativamente isolado, num meio de um pinhal com frente para a Estrada Nacional n.º 222. Na comunidade cigana ninguém tinha conhecimento da decisão final do presidente da Câmara Municipal de Gaia, Luís Filipe Menezes, que apenas avisou o responsável pela Junta de Freguesia de Olival por volta das 9h00, altura em que o convocou para uma reunião. "Este é um dos piores dias da minha vida", desabafava o presidente da junta, Fernando Barbosa, indignado por ter sido mantido à margem da decisão de realojamento nesta freguesia, que fica a mais de dez quilómetros do centro da cidade de Gaia."Só soube que íamos para Olival quando já estava em Avintes", lamentou também Francisco Tomás, o advogado que há anos acompanha o processo de realojamento da comunidade - despejada pelo Supremo Tribunal Administrativo do acampamento de Francelos em 10 de Maio último e desde então provisoriamente alojada em terrenos das Forças Armadas junto ao Quartel da Serra do Pilar. Nessa altura, o presidente da câmara assumiu o compromisso de resolver definitivamente a situação num espaço de tempo que não excedesse os 120 dias, e o prazo terminou anteontem, dia 10. Apesar de já suspeitar que a nova urbanização camarária de Olival seria a solução escolhida, até por ser a alternativa "mais isolada e menos contestada", o advogado apenas foi informado a meio do processo de transferência, quando seguia já as famílias para Olival, com todas as mobílias e pertences enfiados à pressa em camiões da Câmara Municipal de Gaia. "Esta não é a melhor solução, nem em termos políticos, nem sociais", considerou Francisco Tomás, lamentando o facto de as pessoas de etnia cigana e os próprio moradores da freguesia não terem sido avisados do realojamento, para evitar eventuais reacções negativas."Os apartamentos são muito lindos, mas não gosto do sítio e ainda vou arranjar maneira de ir para a minha zona", afirmava Apolinário Rossio, o patriarca da comunidade. Com 69 anos de idade, não se conformava com a ideia de ficar a viver em Olival, longe dos amigos. Um dos seus 17 filhos, José Bernardo, acrescentava que Menezes "não cumpriu com a palavra", pois comprometera-se a arranjar-lhes casas perto de Francelos, em Canidelo ou Valadares, e não ali, no meio de um pinhal. "Ele deve achar que somos macacos na selva".Cerca de 140 agentes da GNR de Gaia, Matosinhos e Santo Tirso acompanharam a operação, mantendo longe dos blocos de apartamentos todos os curiosos que se foram aglomerando junto ao empreendimento, ao longo da manhã de ontem. Muitos protestavam energicamente contra a decisão final do presidente da Câmara Municipal de Gaia, Luís Filipe Menezes, ameaçando organizar manifestações de repúdio e outras medidas de retaliação - por exemplo, a de retirar os filhos da Escola Primária de S. Miguel, situada a cerca de 500 metros.Ao meio-dia, quando a operação de realojamento estava quase concluída, Menezes dava uma conferência de imprensa no edifício da autarquia, congratulando-se por ter finalmente resolvido "o problema", dentro do "compromisso assumido pela câmara", e após "20 anos de hesitações e de guerrilhas que só se traduziram em insegurança e conflitualidade social". A câmara foi "criteriosa na decisão, procurando acautelar princípios e direitos", mas também "as compreensíveis apreensões de alguns sectores da população", acrescentou o autarca, recordando que, quando tomou posse, o acampamento de Francelos era um local de tráfico de droga, problema resolvido entretanto com uma "apertada vigilância policial, e a detenção e condenação dos principais responsáveis por tais práticas". Menezes disse ainda que o alojamento "foi realizado com a prudência de encontrar um local onde se compaginam o direito à integração social da comunidade cigana e o afastamento físico possível em relação à grande comunidade gaiense que tem o direito de ver traduzida em actos uma reinserção de comportamentos que possa conduzir à real reconversão daquela comunidade no todo social do concelho". Sublinhou, porém, que tais afirmações não podem ser interpretadas como racistas. "A etnia cigana nunca será alvo, em Gaia, de qualquer discriminação ou favorecimento, porque aqui não existe racismo nem xenofobia".Esta opinião, no entanto, mereceu a imediata contestação do presidente da União Romani, Vítor Marques, também ele surpreendido pelo "absoluto secretismo" que rodeou a operação de realojamento. "Parece-me que estamos perante um alojamento com teor rácico. Se se tenta afastar pessoas do seio da comunidade, está-se a criar o novo 'Tarrafal de Gaia'. E não é criando campos de refugiados ou guetos que se reconvertem pessoas", afirmou. Vítor Marques acredita mesmo que esta solução de se "atirar a comunidade para um local isolado na periferia de Gaia constitui não uma solução, mas sim uma mera "transferência do problema". Ao fim da manhã de ontem, tudo indicava, aliás, que a decisão de transferência da comunidade cigana não iria ser recebida sem protestos por parte da população local. Ao pé da urbanização camarária, do lado dos moradores revoltados, destacava-se o candidato à presidência da Junta de Freguesia de Olival pelo PS, Manuel Azevedo - curiosamente a pessoa que vive mais perto, por ser o dono de uma moradia situada a escassos metros do empreendimento -, adiantando que a população se ia juntar para decidir o que fazer. E falava-se já na possibilidade de organizar uma manifestação à noite. *com Mariana Coimbra

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