Claes Oldenburg e Coosje Van Bruggen: Metáforas do quotidiano

São sete as suas obras patentes em "Pelo Passeio dos Liquidambares: Esculturas no Parque", na Fundação de Serralves. A exposição inclui ainda desenhos e maquetas para intervenções na paisagem. Realizadas por um casal que faz da grande escala o seu modo de intervenção.

Claes Oldenburg e Coosje Van Bruggen dividem o seu tempo entre o atelier nova-iorquino e uma propriedade situada em Beaumont-sur-Dême, França. Oldenburg, nascido na Suécia, em 1929, é um dos nomes centrais da arte pop, da "performance" e da escultura contemporânea. Van Bruggen, holandesa, nasceu em 1942 e divide a sua actividade entre o ensaísmo e a criação de objectos artísticos. Casados em 1977, a colaboração entre ambos iniciou-se com "Trowel I" (1971-76), uma obra instalada no Rijkmuseum Kröller-Müller, em Otterlo, Holanda. Desde então realizaram mais de trinta projectos de grandes dimensões, o último dos quais, "Dropped Cone", foi inaugurado em Colónia, em Março deste ano.Apesar de, no início da sua actividade, Oldenburg ter sido marcado pelas obras do pintor Jean Dubuffet e do escritor Céline, o encontro com Allan Kaprow e Bob Whitman, e ainda com a estética "beat", levaram o artista a experimentar os caminhos da "performance" e da reciclagem de objectos de consumo, que tiveram como consequência uma série de acções e de mostras de grande significado para a história da arte dos últimos quarenta anos. Entre as exposições de referência, podem assinalar-se "The Street" (Reuben Gallery, 1960) e "The Store" (107 East 2nd Street, 1961), iniciativas intimamente ligadas ao ambiente que se vivia no Lower East Side nova-iorquino no início da década de 60.O experimentalismo dessa época atingia as várias áreas da criação - música, dança, artes plásticas, teatro, cinema - e explodia literalmente em múltiplas direcções: tudo era possível. A Judson Gallery e a Green Gallery eram dois centros desta mutação e foi aí que Oldenburg foi sedimentando o seu percurso inicial, que pode ser visto como uma reacção relativamente ao expressionismo abstracto. A ala "Ray Gun" do Mouse Museum (1972), espécie de "boîte-en-valise" duchampiana, é outra das etapas essenciais do percurso de um artista que é também conhecido quer pelas suas "esculturas moles" ("soft sculptures") de objectos do quotidiano, quer pelos seus monumentos, como "Baton Sobre Lagartas de Tractor" (1969).Coosje Van Bruggen, especialista em História de Arte, de 1967 a 1971, foi membro da equipa curatorial do Stedelijk Museum, em Amesterdão e, em 1982, fez parte do comité de selecção da Documenta 7, em Kassel, Alemanha. Como crítica, a artista holandesa, naturalizada norte-americana em 1993, colaborou com a revista Artforum, de 1983 a 1988, e publicou importantes livros sobre Bruce Nauman, Claes Oldenburg, John Baldessari, Frank O. Gehry e Hanne Darboven. Iniciada em 1976, a colaboração com Oldenburg tem vindo a desenvolver-se um pouco por todo o mundo, destacando-se os projectos de arte pública "Batcolumn" (1977, Chicago), Pool Balls (1977, Münster), "Garden Hose" (Freiburg in Breisgau, 1983), "Screwarch" (Roterdão, 1983), "Stake Hitch" (Dallas, 1984), "Knife Ship I" ("performance com a colaboração de Frank O. Gehry, Veneza, 1985), "Binoculars" (com Frank O. Gehry, Venice, California,1991), "Spoonbridge and Cherry" (Minneapolis, 1988), "Buried Bicycle" (Paris, 1990), "Shuttlecocks" (1994, Kansas City) e "Saw, Sawing" (Tóquio, 1996).Como procuraram organizar a exposição de Serralves?COOSJE VAN BRUGGEN (CVB) - A mostra está dividida em duas partes. De um lado, temos desenhos, modelos e maquetas para peças de grandes dimensões, mas a principal razão da exposição de Serralves é formada por sete esculturas instaladas no parque. Claes e eu estamos habituados a trabalhar no exterior; a maior parte das vezes trabalhamos com a escala urbana dos edifícios e das auto-estradas. Em Serralves, a escala é mais íntima, algo que não é totalmente novo para nós, porque vivemos em França, na região do Loire, numa propriedade que tem um parque com seis hectares, redesenhado por mim após a grande tempestade de Novembro de 1999. Em Serralves, esta espécie de contradição entre uma escala mais íntima e outra mais urbana foi para nós um desafio.Muitas das esculturas de grandes dimensões estão situadas em espaços públicos, como é o caso de "Pool Balls" (1977), um conjunto instalado no Aaseeterrasen, em Münster, Alemanha. Que tipo de diálogo procuram estabelecer com todos aqueles que percorrem esses lugares?CVB - A escultura pode encontrar-se, a breve prazo, em perigo de extinção, porque a nossa vida é, hoje, acerca da realidade virtual. Outra parte das nossas existências relaciona-se com a ligação rápida; tudo necessita de ser realizado o mais rapidamente possível. A nossa escultura é um signo de uma intensa luta. Agarra a cidade numa forma plástica situada num sítio preciso, com belos contornos e cores fortes e que necessita de ser contemplada. Ela trata de atracção, restrição, contemplação, andar à volta, acessibilidade e ainda da educação para a fruir com os olhos. Essa experiência é cada vez mais rara nos nossos dias, quando estamos quer habituados a saltar de canal em canal televisivo, quer distantes das experiências estéticas.Muitas das esculturas que vão apresentar em Serralves estão habitualmente instaladas no vosso parque, em França. Qual as diferenças entre as duas situações?CLAES OLDENBURG (CO) - O jardim de Serralves é mais arquitectural, há muito "design" envolvido na sua construção. O nosso parque, no qual a Coosje se encontra a trabalhar, não é tão definido; é, em certo sentido, mais natural. Em Serralves, existe mais uma mistura entre o artificial e o natural. As esculturas que apresentamos agora, algumas são colocadas na área artificial e outras na zona mais agreste - a "Bluebeery Pie" situa-se junto do pequeno lago, que, embora tenha sido construído, tem um aspecto muito natural. Aqui, jogamos com situações orgânicas e geométricas. Há uma grande diferença entre a arquitectura e a escultura - a primeira é para habitar, enquanto a segunda é para contemplar...CVB - São completamente diferentes e não há compromisso; na escultura, não se tem de cuidar das janelas, da electricidade, ou das casas-de-banho, isso é claro. Também por causa disso temos de nos relacionar de forma diferente com o espaço. Não temos o mesmo orçamento, estamos numa situação em que a realidade nos diz que somos David e o Golias está noutro lugar.Uma palavra que pode aplicar-se relativamente às duas disciplinas é "monumento". Fazem monumentos?CVB - Tomamos objectos da vida quotidiana - de certa forma um estereótipo - e damos-lhe a nossa interpretação individual. Ao fazê-lo, tocamos no inconsciente colectivo de muitas pessoas. Ao criar um signo do nosso tempo, se tivermos a oportunidade, se estivermos certos, talvez ele se torne numa referência. A "Spoonbridge and Cherry", que está situada num jardim público de Minneapolis (Minesota, EUA), tornou-se no símbolo da cidade - perguntam-nos vezes sem conta se podem usar a imagem da escultura. A monumentalidade no nosso trabalho encontra-se na escala. Não aumentamos os objectos: tomamos-lhes a essência e criamos uma escultura que oscila entre um objecto e uma abstracção. Neste sentido, ao criar-se uma imagem mnemómica maior do que a vida e ao incorporá-la fisicamente, tem-se a oportunidade de criar algo que vá para além do lugar onde a escultura foi instalada. Um arquitecto, como o Gehry do Museu Guggenheim, em Bilbau, consegue o mesmo efeito que se obtém quando se deita uma pedra na água e os círculos se vão tornando cada vez mais largos; torna-se numa referência.O exemplo de Bilbau é excelente, até porque Frank Ghery é um dos vossos amigos mais íntimos, tendo mesmo realizado alguns projectos juntos. Qual é a relação entre a arquitectura de Gehry e a vossas esculturas?CO - Fizemos uma escultura-edifício, uma espécie de combinação, com Frank Gehry, na California. É um edifício em Venice, Califórnia, que tem como peça central um par de binóculos. Foi feita para aquilo que era originalmente uma agência de publicidade. Trata-se de um objecto que tem um carácter arquitectónico - de facto, ele tem um interior e janelas e funciona simultaneamente como edifício e como escultura. Isto é talvez pouco num arquitecto: o incorporar de uma escultura num edifício. Habitualmente, os arquitectos irão permitir uma escultura fora do edifício, se ela não ficar demasiado próxima dele.Os binóculos têm um uso interior?CO - Os binóculos, no interior, contêm duas salas, que são um pouco estranhas, porque a luz entra pelo topo. É verdade que nunca souberam o que fazer com essas salas, que dão para um espaço de conferências. O uso ideal seria: quando alguém precisasse de uma ideia, devia deixar a sala de conferências, entrar na sala do binóculo, fechar a porta e ter uma inspiração, porque o espaço é muito interessante. Para simbolizar esse facto, criámos um par de lâmpadas eléctricas que se baseiam na banda desenhada - quando uma lâmpada eléctrica surge por cima da cabeça de um personagem pretende-se sugerir que esta teve uma ideia.CVB - A escala da escultura é a mesma do edifício; assim ela torna-se um elemento arquitectónico - um segmento ou parte da fachada, que se divide em três partes. Contudo, neste caso, a monumentalidade é dada pela escala do edifício em relação à rua. Não se lhe pode chamar monumental, porque se se toma como ponto de referência a escultura é grande, se se toma como ponto de referência o objecto, os binóculos são grandes, mas se se pensa em termos do edifício, não possuem grandes dimensões.CO - É interessante notar que transformar uma escultura em edifício é o oposto daquilo que faz a arquitectura. A função segue a forma e tem-se um interior que não se sabe muito bem o que fazer com ele, porque é a escultura que o define. Se a concepção fosse de um arquitecto, ele teria alguns problemas em fazê-lo desta maneira, pois, para ele, a função tem de vir primeiro e não depois.Porque escolheram os binóculos?CO - É uma longa história e, no entanto, simples de contar. Em 1985, fizemos uma "performance" em Veneza, com o Frank - o projecto incluía não só a "performance", mas também o desenho de alguns edifícios para a cidade. Um dos edifícios que desenhámos para Veneza foi uma livraria com a forma de binóculos, que faria parte do projecto que Gehry estava a desenvolver. Fizemos muitos desenhos de binóculos que nunca chegaram a ser construídos, embora a "performance" tivesse sido realizada. Algum tempo depois, o modelo para esse edifício-binóculos acabou por ir parar ao estirador de Gehry, na Califórnia. Nessa altura, ele tinha também sobre a mesa uma maqueta do seu novo edifício, o Chiat/Day, e sentia que nele estava a faltar alguma coisa Assim, por acaso, pegou na maquete dos binóculos, colocou-a no meio da sua maqueta e assim resolveu o problema. Pegou no telefone e disse-nos: "Acabei de integrar a escultura dos binóculos no edifício em que tenho vindo a trabalhar; têm de ver para acreditarem."CVB - De facto, porquê uns binóculos numa rua de Santa Mónica? Mas tem de entender-se que nas proximidades está o oceano. Assim, para uma agência de publicidade junto ao mar, a ideia de uns binóculos não é assim tão estranha.CO - Todos os nossos objectos nessa escala são "site specific" em dois níveis: um formal, outro contextual. Neste caso, a especificidade relaciona-se com o edifício de Frank, mas, como disse Coosje, pode pensar-se numa agência de publicidade que tenha como símbolo uns binóculos e que use como slogan "podemos ver muito longe" [risos]. É claro que nunca tivemos essa intenção. Os binóculos não são uma cópia exacta de uns binóculos reais; não se trata aqui de fazer uma cópia exacta de um objecto; modificámo-lo muito e por variadíssimas razões. No caso desta exposição, as esculturas que mostramos não têm dimensões tão grandes como aquelas os projectos de grande dimensão de que temos vindo a falar. Há também razões para estas esculturas terem sido colocadas em determinados sítios de Serralves: "The Flying Blueberry Pie" é uma boa escolha para um lago que está cheio de patos e cisnes. Observamos atentamente os cisnes através do lago e o seu comportamento é muito semelhante ao da nossa "Flying Blueberry Pie".O público costuma relacionar-se facilmente com as vossas esculturas porque estas contêm um humor muito particular. Essa dimensão humorística é pensada à partida como um elemento que provoque a empatia do espectador?CVB - É como a tragicomédia da vida. Os signos e assuntos que usamos fazem referência à imperfeição da condição humana.CO - O humor é algo muito importante para a vida em geral. Incluímos muitas coisas nas nossas esculturas e o humor está entre elas. Na verdade, não posso imaginar criar alguma coisa sem, pelo menos, pensar que ela pode ter humor. Algumas vezes, o humor é mais ironia, sarcasmo ou sátira; noutras, surge por acaso. Este é um ingrediente da arte de viver.A primeira escultura instalada no Parque de Serralves, "Valentine Perfume", foi apresentada na Bienal de Veneza, em 1997, mas num espaço interior. Hoje, no parque, ao ar livre, o trabalho parece ter ganho uma nova dimensão. Como referiu Coosje, ele agora é como um pássaro que foi libertado da sua gaiola...CVB - Em Veneza, a escultura não foi instalada por mim. Desde o início, ela foi pensada para ser uma peça de exterior, mas, em Veneza, é complexo colocar esculturas no exterior. Muitas vezes, quando temos de gerir peças que podem ser instaladas em vários espaços, algo corre mal. Mas há também exemplos, como "Shuttlecock", em que a peça tem mais possibilidade de se expandir em diferentes direcções.CO - Estas esculturas podem ser apresentadas em diferentes situações, embora, de cada vez que são instaladas, tenham de ser pensadas de acordo com a especificidade da situação. Não se trata de uma escultura para ser vista apenas por si mesma, isolada; há uma lógica na relação com o espaço no qual ela é colocada.CVB - Nesse sentido, as nossas esculturas são abertas, e algumas vezes incompletas. A escultura clássica centra-se num eixo que chama toda a atenção. No nosso caso, existe uma configuração mais aberta a outros contextos.Há alguma relação entre o trabalho que fez antes de trabalhar com Coojse e o actual?CO - A única relação é que alguns dos temas se repetem, mas agora de uma forma completamente diferente. A "Blueberry Pie" ("Tarte de Mirtilos"), por exemplo, é distinta de qualquer tarte que apareceu na "Store" [projecto realizado, em 1961, na 107 East 2nd Street, em Nova Iorque]. Agora, os trabalhos são mais metafóricos.Qual é a sua relação com a Pop?CO - Não tive grande coisa a ver com a invenção da Pop. Nessa época, uma série de artistas começaram a usar objectos comerciais e também representações de objectos comerciais. Em vez de irem para a natureza, dirigiram-se para um segundo nível derivado da natureza e usaram-no enquanto original: se isso é Pop, eu fui um dos membos do grupo que, nesse tempo, a fez. Mas, depois, a Pop ficou totalmente fora de controlo e, hoje, pode significar qualquer coisa; não tem qualquer significado. A única forma de o dizer é: havia uma série de artistas que, no início da década de 60, reagiram contra o expressionismo abstracto, indo contra as fontes figurativas artificiais; isso aconteceu pela primeira vez na arte e criou uma espécie de "new look". A sua obra deriva desse momento inicial?CO - Só no sentido em que os temas permaneceram: o uso de estereótipos e de objectos comerciais.

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