General francês defende a tortura na guerra da Argélia

Num livro publicado ontem em França, um general partidário da luta contra o movimento independentista da Argélia em finais dos anos 50 reivindica sem remorsos as acções de tortura, as execuções sumárias e os massacres perpetrados pelos seus homens, e sob o seu comando pessoal, durante a guerra na antiga colónia francesa. Em "Services spéciaux, Algérie 1955-1957" (Serviços Especiais, Argélia 1955-1957), da editora Perrin, o general Paul Aussaresses conta as suas memórias de serviço na guerra da Argélia (na altura ele tinha a patente de major) e em especial durante a batalha de Argel. Quase de forma jubilatória, o militar relata as torturas, os massacres de civis ou ainda as execuções de argelinos independentistas disfarçadas de suicídios, uma prática de que Aussaresses foi o instigador secreto.Paul Aussaresses, hoje com 83 anos, já tinha reivindicado o uso da tortura numa entrevista ao jornal "Le Monde", em Novembro de 2000: "É uma coisa eficaz, a tortura. A maior parte das pessoas não aguentam, e revelam tudo o que sabem. A seguir, matávamo-los. (...) Se isso me deu problemas de consciência? Devo dizer que não." Agora, no seu livro de memórias, o antigo comandante explica que a tortura foi uma prática sistemática durante a batalha de Argel. O general implica as autoridades políticas da época, nomeadamente o ministro do Interior, François Mitterrand, que seria duas décadas mais tarde o primeiro socialista a aceder à Presidência da República francesa, afirmando que o Executivo cobria estes crimes. Os historiadores já estabeleceram a responsabilidade do Governo da época na repressão da guerra de libertação argelina. Para muitos observadores, este livro de memórias levanta sobretudo a eventualidade de uma acusação de "crime contra a humanidade" contra Paul Aussaresses. "É preciso tomar este livro apenas por aquilo que ele é, as memórias de um assassino", estima por seu lado o historiador Pierre Vidal-Naquet, numa entrevista ao "Le Monde".Um veterano da Argélia, o coronel Pierre Dabezies, confirma que o poder político francês sabia que um "certo número de excessos" foram cometidos durante a guerra da Argélia, mas acusa o general Paul Aussaresses de "cobrir de opróbrio todo o exército" com as revelações do seu livro.Antigo pára-quedista, Pierre Dabezies considera que o general procede a uma "deformação simplista" dos acontecimentos: "Nem todo o exército recorreu à tortura, e nem toda a guerra da Argélia se resume à tortura." O coronel Dabezies aponta o dedo ao responsável, a seus olhos, das derrapagens na guerra da antiga colónia francesa: "A atitude do poder político foi mais do estilo 'quem cala consente'. O que equivale a dizer que o poder civil sacudiu a água do capote para cima dos militares ao entregar-lhes uma missão política. (...) Ora, quando se entrega uma missão política a um exército, só há que esperar, infelizmente, o que aconteceu. A tropa é feita para a guerra, e quem diz guerra, diz lógica da força, nunca lógica de negociação nem de diplomacia", afirma Pierre Dabezies.O primeiro-ministro Lionel Jospin confessou estar "profundamente chocado" pelas declarações feitas "com um cinismo revoltante" pelo general Paul Aussaresses sobre as torturas e as execuções sumárias cometidas pela sua unidade durante a guerra da Argélia. "Os factos que acabam de ser reconhecidos e quase reivindicados são exacções terríveis que me inspiram uma total condenação moral", disse Jospin durante uma conferência de imprensa com Abderrahmane Youssoufi, primeiro-ministro de Marrocos, em visita a França.Um deputado dos Verdes, Noel Mamère, reclama a constituição de duas comissões de inquérito - uma, parlamentar, sobre o recurso à tortura durante a guerra da Argélia, e a outra, europeia, sobre a situação actual naquele país.

Sugerir correcção