Comboios eléctricos de Sintra arrancaram há 45 anos

Às zero horas e 40 minutos do dia 29 de Abril de 1956 partia de Sintra para Lisboa, carregado de passageiros, o primeiro comboio eléctrico em serviço regular. Uma hora depois chegava à estação de Sintra um comboio de passageiros rebocado pela máquina 081, a última locomotiva a vapor que visitava Sintra no horário que então terminava. Para os utentes desta linha acabavam-se as viagens ronceiras, o incómodo do fumo e das faúlhas de carvão. Graças ao seu proverbial atraso, o caminho-de-ferro português queimara a etapa da tracção a diesel e passara directamente do vapor para a era da electricidade.O dia anterior fora de festa em Sintra, e também no Carregado onde já chegara a catenária (cabo eléctrico sobre a via férrea) que permitiu a realização de um comboio especial com o Presidente da República, general Craveiro Lopes, ministros, o cardeal patriarca e dezenas de notáveis do Estado Novo. Ali assistiram a um desfile de material ferroviário que comemorava (com seis meses de atraso) o primeiro centenário do caminho-de-ferro em Portugal, seguindo depois a composição para Sintra onde houve almoço no Palácio Nacional.O "Jornal de Sintra" relatava que a vila se "vestiu de gala para receber um extraordinário melhoramento, e para receber - ainda e como ela sabe - a visita das individualidades mais destacadas da Nação, que - numa cerimónia impressionante - a enriqueceram com o cumprimento de uma sua e velha aspiração: o comboio eléctrico." Não era caso para menos. Desde 1926, com a electrificação da linha de Cascais (a primeira no país a usar este tipo de tracção), que se falava em idêntico investimento para o percurso de Sintra. Mas o primeiro passo só seria dado já no fim dos anos quarenta com a duplicação da linha entre Cacém e Sintra e a construção do segundo túnel à entrada desta estação. Uma "Comissão de Electrificação", criada pela CP, estudava entretanto se deveria adoptar-se a corrente contínua de 3.000 volts ou a corrente monofásica de 25.000 volts que na altura começava a generalizar-se na Europa. A escolha recaíu sobre a segunda e revelou-se acertada, embora deixasse a linha de Cascais isolada do resto da rede ferroviária electrificada do país.Concluídos os estudos, o Governo lança em Dezembro de 1954 o concurso público para a primeira fase da electrificação, montagem de postes e catenárias e fabrico do material circulante. Apesar do proteccionismo e do condicionamento industrial, o país foi generoso com os fornecedores estrangeiros - empresas francesas, alemãs, suíças e suecas disputaram o bolo de 500 mil contos destinado à electrificação das linhas de Lisboa a Sintra e ao Carregado. Portugal, porém, também participava com a Sorefame no fabrico de 25 unidades triplas motoras para o novo serviço.Eduardo Frutuoso Gaio, no seu livro "Apontamentos da História dos Caminhos de Ferro em Portugal", conta que 1500 operários se lançaram activamente ao trabalho na Sorefame na construção das carruagens, "enquanto na linha muitas centenas de outros operários, dirigidos por engenheiros e técnicos franceses, alemães, suíços e portugueses, empregavam-se na montagem da rede aérea". O autor diz que "causou verdadeiro pasmo a espantosa actividade, rapidez e agilidade como estes executavam a montagem dos postes de aço galvanizado a quente".O túnel de Rossio teve que fechar durante três meses para poder ser rebaixado e nele se instalar novas travessas e carris, enquanto a catenária era pendurada no tecto. Apesar da tão elogiada eficiência, os trabalhos acabaram por se prolongar no tempo, provando que não são de hoje as habituais derrapagens nas grandes obras. A Sorefame atrasara-se no fornecimento das novas unidades e, no terreno, conta Frutuoso Gaio, "os imprevistos irremediáveis puderam mais que a vontade do homem".A data prevista para a inauguração, 28 de Outubro de 1956 (dia do primeiro centenário do caminho-de-ferro em Portugal), estava comprometida, mas o então presidente da CP, Mário de Figueiredo, prometia o novo serviço até ao final do ano. Mas mais meses os utentes tiveram de esperar. E já que a coisa se atrasara a este ponto, marcou-se então o grande dia para 28 de Abril de 1957, segundo Frutuoso Gaio, "data do aniversário natalício do notável homem de Estado que é Salazar". Mas o ditador, pouco dado a eventos sociais, não participou na festa. Às 13 horas e sete minutos (ver foto) entrava na estação de Sintra o comboio presidencial - "a banda do Ateneu Ferroviário rompeu com um trecho festivo, enquanto de todos os lados subiam ao ar morteiros e foguetes detonantes". Seguiu-se o almoço e os longos discursos no Palácio Nacional de Sintra, com vivas ao Estado Novo e a Salazar, até que os convidados regressaram a Lisboa. Nessa noite, ouvia-se pela última vez na linha de Sintra o silvo de uma locomotiva e iniciava-se a circulação regular dos tão almejados comboios eléctricos.

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