Ká Wamos Indo

Do KWY, grupo emblemático na arte portuguesa do século XX, apresenta-se mostra antológica no Centro Cultural de Belém. Narrando a história de sete artistas que sonharam juntos, para depois conhecerem fortuna diversa, consoante o seu trabalho e a sua evolução própria.

Em 1958, um casal de jovens artistas portugueses que vivia em Paris, Lourdes Castro e René Bertholo, fundava uma revista de arte que dava, ao mesmo tempo, origem a um grupo. A revista, "KWY", recebia o nome das três letras inexistentes no alfabeto português, e a tradução aproximada de "Ká Wamos Indo". O grupo KWY, reunindo sete artistas, nascia, e com ele um mito na arte portuguesa do século XX.É sobre a história deste grupo e desta revista que o Centro Cultural de Belém apresenta agora uma grande exposição antológica, que tem o mérito de dar a conhecer, para além de uma série de obras e documentos que, na grande maioria dos casos, estão nas mãos de particulares, as disparidades entre os percursos individuais e a qualidade de uma publicação que ultrapassou, em muito, o destino de revista de um grupo de portugueses a residir no estrangeiro. Paris era então a cidade de eleição desta geração de artistas no exílio, talvez os últimos a escolher a capital francesa. Dentro em breve, esta seria substituída por Londres, onde a Pop dava, por esta mesma altura, os seus primeiros passos.A exposição é comissariada por Margarida Acciaiuoli, que assina um prefácio complexo e de natureza evidentemente universitária para o catálogo da exposição. A montagem segue um critério racional, com alguns momentos patéticos, como o que é dedicado à obra actual dos artistas portugueses vivos que integraram o KWY. Mas as primeiras salas valem por toda a visita. Nelas se podem ver os doze números editados até à extinção da revista, em 1964, as edições com a sua chancela e uma selecção da obra de cada artista, com incidência nos anos em que participaram no KWY, mas sem que este critério seja seguido à risca. Há outras falhas desnecessárias, como as tabelas (etiquetas) feitas a partir de fotocópias das legendas do catálogo, com indicação do autor da fotografia, quando estamos, obviamente, em presença de documentos originais. Mas adiante. As ocasiões para ver os exemplares da revista são suficientemente raras - apenas recordaremos, nos tempos mais recentes, a inclusão de alguns exemplares na retrospectiva que, em 2000, a Fundação de Serralves dedicou a René Bertholo -, e as oportunidades de admirar e estudar o que era a obra do mesmo Bertholo, dos primeiros anos de Lourdes Castro, de Voss e até mesmo de Escada (que continua a esperar a merecida retrospectiva) são aliciantes demais para que nos deixemos prender com minúcias deste tipo.Em 1958, Lourdes Castro encontrava-se em Paris com o marido, René Bertholo, quando recebeu uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para aí estudar. Em Maio desse ano, criam juntos o primeiro número do KWY, em que rapidamente colaboraram outros artistas seus amigos. Gonçalo Duarte, Jan Voss, José Escada, Costa Pinheiro, João Vieira e Christo mantiveram-se presentes até ao final. Mas a revista, impressa em serigrafia, recebeu colaboração de muitos outros artistas, poetas e escritores que, nessa altura, viviam ou se deslocavam frequentemente a Paris. É o caso, por exemplo, do espanhol Saura, de José Gil e João Vidal, entre outros. O grupo KWY expôs junto por diversas vezes, entre as quais numa polémica exposição de dezenas de obras na SNBA, em Lisboa, no ano de 1960.Desses primeiros anos em Paris, está documentada toda a génese da revista. A serigrafia, técnica tão do agrado de René Bertholo - que inclusive se dedicou, algum tempo depois e até à actualidade, a explorar a qualidade proliferante dos objectos, um pouco como a serigrafia faz às imagens - é explorada nas suas diversas vertentes. Estão inclusivamente expostos desenhos e composições originais que serviram de base para diversas páginas, assim como fotografias das máquinas e dos ambientes em que elas foram utilizadas. Mas o que já é evidente nos primeiros números, e que será sempre mantido até à dissolução do grupo e da editora, é o respeito pelo individualismo e pelas características estilísticas de cada um. Uma obra de Lourdes Castro será sempre uma obra de Lourdes Castro, e uma outra de Costa Pinheiro, por exemplo, nada terá a ver com ela. É esta característica que permitirá ao grupo dissolver-se porque os seus membros emigram para outras paragens, por exemplo, e não pela existência de dissenções entre eles, que nunca as houve. E, assim, dentro do carácter clássico de toda a montagem, têm toda a pertinência as apresentações individuais dos percursos de cada um durante estes anos de todas as experiências, como o foram os 60. Descobrimos a pintura gestual de Lourdes Castro, que só pontualmente foi apresentada em Lisboa aquando da retrospectiva da sua obra na Gulbenkian, em 1993. E percebemos como escolheu Arpad Szènes para orientador da sua bolsa de estudo em Paris. Descobrimos também as primeiras acumulações de objectos que realizou, e que pintou depois com um spray de uma só cor, negando-lhes o carácter de objecto. E, finalmente, as primeiras sombras em plexiglas, transparentes e, mais tarde, coloridas.De René Bertholo e Jan Voss, há a destacar a qualidade inegável do desenho destes primeiros tempos, bem como da proximidade das pesquisas plásticas dos dois. Diga-se, aliás, que a obra destes dois artistas foi uma das surpresas mais gratas da visita à exposição. Depois, de Christo, apresentema-se os primeiros dos empacotamentos que o haveriam de celebrizar. De Escada, prematuramente desaparecido durante os anos 80, os trabalhos, raramente vistos, de recorte de superfícies bidimensionais, que o aproximam de um trabalho puro sobre a luz e a sombra. De Gonçalo Duarte, também já desaparecido, a solidão e o ensimesmamento de um percurso trágico, mais próximo do surrealismo do que da eufórica figuração dos anos 60. De João Vieira e de Costa Pinheiro, os primeiros passos de percursos fortemente característicos, a que o tempo veio dar a sua exacta dimensão.A exposição termina com obras recentes dos quatro portugueses vivos: Lourdes Castro, de quem se apresenta uma belíssima fotografia de uma instalação recente (mas não teria sido mais explícito apresentar "A Peça", levada à recente Bienal de Veneza, embora esta tenha sido feita com a colaboração de um artista mais novo?); René Bertholo, com uma pintura que não espelha a qualidade da sua obra dos últimos anos; Costa Pinheiro e João Vieira, este último com uma enorme escultura em materiais diversos, representando uma letra. Deste lote, a exclusão, não justificada, de Christo e de Jan Voss é incompreensível. De qualquer modo, a exposição deveria ter-se restringido ao período durante o qual a KWY viveu. Porque era inevitável, tal como aconteceu, que existissem influências entre os diversos membros do grupo. E estas, agora, desapareceram.

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