A desestabilização da Macedónia

A Macedónia é dos países mais vulneráveis da Europa. O ataque lançado pelo UÇK visa a provocar uma repressão violenta, isolar os nacionalistas albaneses moderados e iniciar o confronto entre as duas comunidades: a "guerra étnica".A Macedónia ocupa o vale do rio Vardar, um eixo estratégico que liga o golfo de Salónica, no Mediterrâneo, ao vale do Danúbio. Os pequenos povos situados nas fronteiras de impérios e em posições estratégicas não têm uma história feliz. A Macedónia será o único país do mundo que tem um nome oficial provisório e, para mais, em língua estrangeira: Former Yugoslav Republic of Macedonia (FYROM). Tal decorre da oposição da Grécia ao registo da designação de República da Macedónia, quando da independência, em 1991. Atenas considera que o termo Macedónia - de Alexandre, o Grande - pertence ao seu património histórico. E que, por outro lado, o seu uso encobriria desígnios expansionistas. Macedónia é também uma província do Norte da Grécia. Skopje renunciou, na sua Constituição, a quaisquer reinvindicações territoriais. Atenas não se comoveu e impôs um bloqueio económico até à mudança do nome. Da Macedónia, é corrente dizer que se trata dum dos Estados mais vulneráveis da actual Europa, pelas ambições dos vizinhos e pela sua divisão étnica. A questão macedónia nasce com a crise do império otomano. Quem eram estes eslavos ortodoxos? Para Belgrado, sérvios "macedonizados". Para Sófia, simplesmente búlgaros. Só em 1945, com a criação da República da Macedónia no quadro da Federação Jugoslava, os macedónios são reconhecidos como povo específico. Adoptaram como língua o macedónio falado em Prilip, 70 quilómetros a sul de Skopje, um dialecto próximo do búlgaro. A Macedónia ocupa o vale do rio Vardar e as montanhas que o cercam a leste e oeste: este vale é um eixo estratégico que liga o golfo de Salónica, no Mediterrâneo, ao vale do Danúbio, a norte. Os pequenos povos situados nas fronteiras de impérios e em posições estratégicas não têm uma história feliz. A região entra em ebulição com a insurreição anti-otomana de 1903, levada a cabo por nacionalistas macedónios apoiados pelos búlgaros. Os turcos respondem com uma política de terra queimada. Após a guerra balcânica de 1912-13, a Macedónia interior fica nas mãos da Sérvia, enquanto a do Sul é integrada na Grécia. Com a I Guerra Mundial, a Bulgária, aliada da Alemanha, ocupa o país em 1915. Com a derrota alemã, a Macedónia volta para a Sérvia. Em 1941, na II Guerra Mundial, a Bulgária volta a anexar o país, que, no fim do conflito, é integrado na Federação Jugoslava, de Tito. Nos Balcãs, as fronteiras raramente seguem as linhas demográficas. Além da Macedónia ocupar territórios maioritariamente povoados por albaneses (muçulmanos), estes foram alargando a sua presença na faixa ocidental do país ao longo do século. Em 1990, representariam 20 por cento do total da população. Hoje - não há dados exactos - poderão ser perto de um terço. Eslavos e albaneses vivem lado a lado sem se misturar. A taxa de casamentos mistos é residual (menos de um por cento).Com a desagregação da Jugoslávia, a Macedónia consegue sair pacificamente da federação. Milosevic terá chegado a oferecer à Grécia e à Bulgária uma partilha da Macedónia, mas resignou-se perante as recusas de Sófia e Atenas. E as suas prioridades estavam na Croácia e na Bósnia. No referendo macedónio de Setembro de 1991, a independência recolhe 95 por cento dos votos. Mas, mau prenúncio, a minoria albanesa boicotava a consulta e declarava unilateralmente a autonomia. Com a independência, a Macedónia afronta três crises: a separação económica da Jugoslávia (a Croácia e a Eslovénia eram o principal mercado dos seus produtos agrícolas); o contencioso com a Grécia, que só será sanado em 1996; a emergência do conflito com o meio milhão de albaneses que ocupam a margem ocidental do país. Este último será o mais pesado factor de vulnerabilidade.As eleições de Dezembro de 1998 pareciam ter marcado uma viragem no panorama político da Macedónia. As eleições foram ganhas pelo partido herdeiro do nacionalismo eslavo do fim do século passado, o VRMO/DAPMNE (Organização Revolucionária Interior da Macedónia/Partido Democrático para a Unidade Nacional Macedónia), que substituiu no poder os ex-comunistas da União Social Democrata da Macedónia (SDSM), do antigo Presidente Kiro Gligorov.O novo governo, dirigido por Ljubko Georgievski, formou uma coligação com o Partido Democrático dos Albaneses (PDSH), de Arben Xhaferi. E, em fins de 1999, Boris Trajkovski foi eleito Presidente da República graças ao apoio do voto albanês.Do ponto de vista económico, a Macedónia permanece um país pobre. 2000 anunciou-se como um ano de recuperação, com um crescimento do PIB na ordem dos dez por cento. Foram feitas privatizações, aproveitadas sobretudo por investidores gregos. Mas a gravidade da situação social é dada por uma taxa de desemprego na ordem dos 50 por cento da população activa, embora parte dos desempregados vivam duma tentacular economia paralela. Há dois nacionalismos em choque. Os albaneses queixam-se de serem cidadãos de segunda. Denunciam os vexames a que são submetidos pelos eslavos e a descriminação no emprego e na administração pública. Queixam-se ainda de inferioridade de condições no ensino: o albanês só é ensinado nos níveis primário e secundário. A única universidade albanesa é "paralela" e funciona em Tetovo, mas os seus diplomas não são reconhecidos. Por sua vez, os eslavos suspeitam que os albaneses têm em mira a secessão e a integração numa Grande Albânia. A participação dos albaneses no poder, com cinco ministros no Governo e o controlo de algumas dezenas de municípios, é sinal de progresso. E a integração dos albaneses na administração tem sido uma das prioridades da agenda governamental.Há duas vias de resolver o conflito. Os dirigentes albaneses moderados, como Arben Xhaferi, condenam radicalmente a violência: "O Estado macedónio dá aos macedónios eslavos um papel predominante [...] Mas a violência é inaceitável. É preciso proteger a existência da Macedónia e garantir a paz". Apostam na pressão internacional, e na vontade macedónia de aderir à NATO e à UE, como alavanca da mudança.Mas, perante a radicalização das bases, Xhaferi defendeu recentemente a proposta de criação de um Estado binacional, ideia que Skopje rejeita, por nela ver o começo da partilha territorial do país. Os nacionalistas radicais, sobretudo os jovens, olham para o Kosovo. Se "foi possível no Kosovo", por que não na Macedónia? A ideia de uma "Grande Albânia", ou até de um "Grande Kosovo", tornou-se popular entre nacionalistas albaneses da Macedónia.A ideia de "Grande Albânia" não parte de Tirana - que quer investimentos e não guerra - mas dos radicais do Kosovo. Já em 1998, o UÇK (Exército de Libertação do Kosovo) terá encarado estender a guerrilha à Macedónia, recuando perante a necessidade de protecção da NATO. O UÇK que actua na Macedónia é uma mera máscara do UÇK kosovar. Que pretendem eles? A estratégia de provocação na Macedónia visa provocar uma resposta violenta das forças de segurança macedónias, ultrapassar e isolar os nacionalistas moderados e iniciar o confronto directo entre as duas comunidades.A favor da estratégia do UÇK, está a volatilidade da situação interna macedónia: uma pequena força pode servir de ignição para uma guerra "étnica". A desfavor, está a perda dos seus antigos protectores. A Macedónia não é o Kosovo, Milosevic saiu de cena e a NATO quer evitar, a todo o custo, a desestabilização regional. Uma guerra na Macedónia envolveria os países vizinhos. Bulgária, Grécia e Sérvia serão tentadas a intervir ao lado de Skopje, mas em posições de rivalidade. A Albânia e o Kosovo seriam empurrados para apoiar os "irmãos étnicos". Por outro lado, uma guerra na Macedónia deitaria por terra todos os esforços da NATO, da UE e da ONU para estabilizar o Kosovo.

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