Decisão de destruir estátuas é irreversível, dizem os taliban

Indiferente às críticas e apelos lançados pela comunidade internacional, o regime islâmico dos taliban no Afeganistão reafirmou ontem a sua determinação em destruir várias estátuas budistas pré-islâmicas, algumas com 2000 mil anos, e um valor histórico e arqueológico único no mundo. A decisão é irreversível, explicou à AFP o ministro taliban dos Negócios Estrangeiros, Wakil Ahmed Mutawakel. "Alguma vez viu o Emirado Islâmico do Afeganistão [designação oficial do regime afegão] voltar atrás numa das suas decisões?", perguntou Mutawakel ao jornalista. O decreto do "mullah" Omar, líder dos taliban, publicado na segunda-feira explicava que a sua decisão era uma "ordem do islão", porque as estátuas - as duas mais famosas são os budas gigantes da falésia de Bamiyan, um com 55 outro com 38 metros - podem tornar-se objecto de culto, e a lei islâmica não permite a adoração de imagens. O líder taliban esclareceu depois que, se não forem objecto de culto, então as estátuas não passam de pedras e podem ser destruídas. "Nada me importa a não ser o islão", frisou o "mullah" Omar, citado pela Afghan Islamic Press.O director geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, pediu ontem "encarecidamente" aos taliban que não destruam os monumentos pré-islâmicos e que façam tudo para proteger este "património cultural único". "Os autores deste acto irremediável assumem uma terrível responsabilidade perante o povo afegão e perante a História", avisou Marsuura. No entanto, a UNESCO sente-se impotente perante a situação. "Não podemos fazer muito, porque não temos forças policiais internacionais para intervir", lamentou Christian Manhart, responsável pela secção da Ásia no departamento do património cultural da UNESCO. Manhart admite, apesar de tudo, começar um diálogo directo com os taliban, com a ajuda do Paquistão. "Estamos em contacto com os paquistaneses. Eles têm influência. E a sua posição oficial é a de que estão absolutamente escandalizados com esta ameaça de destruição das estátuas". Apesar de ser também um país muçulmano, o Paquistão possui importantes estátuas budistas da civilização Gandhara, que dominou a região seis séculos antes de Cristo. Ontem os apelos aos taliban multiplicaram-se. A França alertou que a destruição das estátuas "coloca em perigo a rica herança artística do Afeganistão pré-islâmico, de que algumas peças, nomeamente os budas gigantes de Bamiyan, estão inscritas no património mundial da humanidade". Os Estados Unidos, que se declararam "perturbados e desconcertados" pela decisão do "mullah" Omar, afirmaram mesmo que ela "contradiz directamente um dos princípios base do islão: a tolerância relativamente a outras religiões". E até a República Islâmica do Irão condenou a posição dos taliban, lembrando que as estátuas do Buda são "tesouros da humanidade, como o Taj Mahal [na Índia] ou a praça Emam [no Irão]". O Sri Lanka, um país onde 70 por cento da população é budista (o jornal estatal "Observer" anunciava em manchete: "Os taliban enlouqueceram"), anunciou que vai lançar uma ofensiva diplomática para salvar as estátuas afegãs. Embora não tenha relações com os taliban (o regime afegão é reconhecido apenas pelo Paquistão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos), o Sri Lanka vai tentar chegar a estes de forma indirecta. Mas, perante estas manifestações de indignação, o ministro taliban citado pela AFP limitou-se a dizer que se os países estrangeiros "estão preocupados" com a decisão, ele está disposto "a escutá-los e a explicar a posição do Emirado, para os tentar convencer". "Não destruímos estas estátuas para desafiar o mundo, mas temos os nossos próprios problemas internos, as nossas próprias leis, às quais reagimos", sublinhou. Desde que chegaram ao poder, em 1996, os taliban impuseram no Afeganistão o mais rígido regime islâmico do mundo, baniram todo o tipo de divertimentos, inclusivamente a música, e proibiram as mulheres de estudar ou de trabalhar fora de casa, só lhes permitindo sair à rua totalmente cobertas com uma longa túnica que lhes esconde completamente o rosto.

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