Mais um órgão restaurado em Mafra

Depois do Órgão do Evangelho, na Basílica de Mafra, ter sido restaurado no ano passado, o organeiro Dinarte Machado acaba de recuperar o Órgão da Epístola, que será inaugurado com um concerto esta noite.

O programa de recuperação dos órgãos da Basílica de Mafra, um dos mais ambiciosos de sempre no campo da organaria em Portugal, acaba de cumprir mais uma etapa. O Órgão da Epístola, o segundo a ser restaurado entre os seis instrumentos existentes neste importante monumento do barroco português, será inaugurado hoje, às 21h, com um Concerto de Natal, a cargo dos organistas João Vaz e Rui Paiva e do Coral Lisboa Cantat, dirigido por Jorge Alves. Este evento coincide também com a abertura do Festival de Órgão, que terá recitais mensais ao longo de 2001, e com a assinatura de um protocolo entre o IPPAR e o Barclays Bank, principal mecenas da iniciativa, para o restauro do terceiro e do quarto órgão.Tendo em vista o rico património organístico português e o grande número de instrumentos que carecem de intervenções, esta concentração de investimentos em Mafra justifica-se pelo facto desta Basílica ser a única no mundo a dispor de seis órgãos históricos, concebidos para poderem tocar em conjunto. Foi para este conjunto, da autoria dos dois maiores organeiros portugueses - António Machado e Cerveira e António Peres Fontanes -, que compositores como Marcos Portugal, João José Baldi, António Leal Moreira ou Fortunato Maziotti escreveram várias obras - conhecem-se cerca de 34 -, que só poderão ser interpretadas quando todos os instrumentos estiverem a funcionar. À semelhança do Órgão do Evangelho, restaurado no ano passado, o Órgão da Epístola, da autoria de Fontanes, foi recuperado pelo organeiro açoriano Dinarte Machado, actualmente o técnico mais qualificado no domínio da organaria portuguesa, tendo como consultor permanente o organista João Vaz e o acompanhamento de uma Comissão de Apoio Científico."Tendo em vista a existência de um amplo repertório para dois órgãos, fazia sentido fazer a recuperação aos pares. Resolveu-se começar pela capela-mor porque eram os instrumentos que tinham sofrido mais intervenções recentemente", contou João Vaz ao PÚBLICO. "Nos anos 40, tinha-se substituído o sistema de fornecimento de ar nos outros quatro e pouco mais. As intervenções de fundo tinham sido feitas na capela-mor, mas até aqui nunca tinha existido uma filosofia coerente. Nenhuma intervenção do passado teve em vista o funcionamento dos seis órgãos. A falta de critérios foi de tal ordem que os dois órgãos da capela-mor se encontravam em diapasões diferentes!"O Órgão da Epístola tinha sofrido uma intervenção em 1989, patrocinada pela Fundação Gulbenkian e efectuada por António Simões, mas esta não foi muito bem sucedida. Entretanto, o instrumento apanhou chuva devido aos problemas da cobertura da Basílica e deixou de funcionar completamente. "Os principais problemas tinham a ver com o fornecimento do ar, a harmonização e a registação - os registos eram pouco acessíveis a partir da consola. Havia deficiências de restauro nos tubos antigos e problemas com o someiro."Nas reuniões promovidas pelo IPPAR para definir as linhas de orientação do restauro, foi opinião unânime que a revisão dos seis órgãos efectuada por Machado e Cerveira, em 1820, correspondia à "versão adulta" dos instrumentos. "Optámos por uma intervenção o mais prudente possível, que mantivesse as características originais. Como era possível perceber o timbre de cada tubo tentou-se restituir a harmonização sem danificar o material histórico".Enquanto se aguarda o restauro dos restantes instrumentos, previsto para os próximos anos, os dois órgãos que se encontram já a funcionar irão ser rentabilizados com dez concertos ao longo do ano 2001. O programa do concerto de hoje inclui obras de José Blanco, Britten, Estevão de Brito, Bortnyansky, J. S. Bach, Randall Thompson, William Kirkpatrick, Vaughn Williams e Francisco Olivares. Nos próximos meses, será possível ouvir os organistas Gerhard Doderer, João Paulo Janeiro, Andrea Marcon, José Luiz Uriol, Antoine Sibertin-Blanc, Javier Artigas, António Esteireiro, Pascal Caldara, António Duarte e, novamente, por João Vaz e Rui Paiva.

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