Torne-se perito

A nova informação da TVI

Os noticiários do horário nobre da RTP1, SIC e TVI têm muitas diferenças entre si. Embora haja temas que merecem destaque em todos, os alinhamentos diferem de estação para estação. O PÚBLICO visionou os três espaços informativos durante uma semana e verificou que as opções das televisões reflectem prioridades distintas.

A mudança de horário do noticiário das oito da TVI constitui mais um desafio à SIC e à RTP1, outra indicação de que a TVI quer competir pelo primeiro lugar. A mudança de nome para Jornal Nacional também revela esse desejo: o Jornal é Nacional, quer dizer, convida a vê-lo a todos os da nação. Desaparece o abstruso Directo XXI (como podia ser directo o que era do futuro?), em que a simbologia do futuro (o próximo século) se fazia recorrendo à numeração dum remoto passado, o dos romanos.O grafismo dos noticiários alterou-se substancialmente. Na senda de outros canais, a TVI procura agora encher o ecrã com informações adicionais, forma de simular muita informação, muitos dados, quando eles são exactamente os mesmos que anteriormente. O mesmo sucede na SIC ou na CNBC. Na realidade, o que conta em primeiro lugar é o que o "pivot" diz e, em segundo lugar, a imagem principal mostrada. O resto é acessório mas ilude o espectador quanto ao dinamismo da informação. No caso do Jornal Nacional, além de uma barra inferior com o resumo da notícia que está sendo lida, que só é útil para quem não queira ouvir o "pivot", acrescentou-se uma barra vertical no lado direito do ecrã com a indicação da notícia que está sendo apresentada, um símbolo da notícia que se seguirá e um outro duma notícia a apresentar lá mais para a frente.Esta barra é desde logo absurda pelo facto de nos mostrar um símbolo da notícia que estamos vendo no momento e cujo resumo já se apresenta em baixo. Quer dizer: a mesma coisa três vezes, de três maneiras diferentes e em simultâneo. Raras notícias merecem tantos miminhos. Mas o absurdo prossegue porque muitas notícias não têm imagens fixas correspondentes que possam ser apreendidas no seu significado pelos espectadores. Assim o caso de um crime em Leiria: que imagem colocar para o espectador perceber? Leiria? Não, não explica. O lugar do crime? Ninguém o conhece. Eis a solução da TVI: um desenho tipo "cartoons" duma faca a pingar sangue! Ou muito me engano ou aquela barra desaparecerá em breve.A faca a pingar sangue simboliza, entretanto, o regresso em força aos principais noticiários do jornalismo televisivo na sua vertente mais tablóide. Qualquer dos três noticiários das oito passou desde Setembro a destacar os crimes de sangue e as notícias de mais impacto emocional. Mesmo notícias muito importantes e até com excelentes imagens foram relegadas para segundo ou terceiro plano. Voltámos ao início da guerra RTP-SIC de há sete anos. Um novo treinador do Benfica teve directos e abriu os três noticiários durante minutos a fio.Reforçado, o sector informativo da TVI apresenta mais trabalho e, de facto, algumas notícias que a concorrência não dá. O acompanhamento da vida nacional tornou-se mais actuante quer no dia-a-dia quer em momentos especiais, como o dia sem carros. Mas a falta de rigor da informação tem sido o lado negativo desta ânsia de novidades. Quer a RTP quer a TVI ainda não conseguiram afinar por um padrão de rigor nos textos e imagens como é o da SIC, cujas notícias são as mais bem feitas visualmente e têm os textos mais cuidados, bem escritos e sem erros. O esforço da TVI deveria dirigir-se para o rigor, sem o qual não poderá conquistar um público habituado ao Jornal da Noite da concorrência. Um exemplo pungente foi, logo nos primeiros dias, uma reportagem - com directos - sobre uma vítima dum atentado bombista numa escola do Fundão há alguns anos. A vítima do terrorismo dizia-se agora vítima do Estado, por falta de indemnizações. Moura Guedes entrou a matar no directo com o responsável regional do Ministério da Educação, que conseguiu, mesmo assim, esclarecer que a senhora não só tinha sido integrada na função pública como tinha recebido mais milhares de contos do que os que dizia. A falta de investigação da redacção era tão gritante que Moura Guedes teve de acabar com o assunto de imediato.A prestação do "pivot" é muito importante para a estação. O "pivot" é a janela do canal, é um outro símbolo da estação. Ao renovar o sector informativo, a TVI procurou novas caras para assumirem este papel de símbolo.No papel principal, Manuela Moura Guedes tem qualidades que importa referir: tem personalidade, é assertiva, tem presença e boa dicção. Mas também tem defeitos que podem ser negativos: tem personalidade a mais, é assertiva de mais... Moura Guedes, não dá notícias, dispara notícias. Não entrevista o convidado, parece que o vai matar, não o deixa falar, corta-lhe a palavra e enxota-o para fora da notícia. A sua agressividade choca o espectador que apenas quer ouvir as notícias. Talvez por isso o estilo assassino que adoptou nas primeiras semanas fosse depois mitigado e a sua prestação seja, nesta altura, quase equilibrada. Há ainda um aspecto visual que prejudica a adesão do espectador ao Jornal Nacional: Moura Guedes tem um penteado que lhe tapa muitas vezes o olho direito. Isso é um erro de palmatória num "pivot". Ela não é a Veronica Lake num filme da série B, é o "pivot" dum noticiário, tem de nos olhar nos olhos e tem de ser directa no olhar. Escondendo o olhar, ela contraria a transparência que o estúdio de paredes de vidro e a estação pretenderam criar. O reforço da informação do canal passou também pelos comentadores: Marcelo Rebelo de Sousa regressou há alguns meses, ao domingo, e Miguel Sousa Tavares confirma a sua mudança da SIC para TVI surgindo como comentador às terças-feiras. Estes dois pesos-pesados do comentarismo em Portugal são de facto um importante contributo para a TVI e comprovam que na "sociedade da informação", na sociedade de todas as notícias e de todas as vozes, na sociedade da democracia total em que toda a gente pode falar em antena (e fala!), o que afinal sobra, o que realmente conta é a voz do indivíduo destacado, daquele que pensa, analisa a realidade, organiza o pensamento e sabe expô-lo. Neste domínio, não mudámos quase nada desde a Grécia antiga.

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