Na vossa cara

O disco mais rude, mais rock, mais "in your face" dos Blind Zero chega às lojas na próxima segunda-feira. O PÚBLICO conversou com os cinco portuenses sobre "One Silent Accident".

Os Blind Zero já têm a sua própria sala de ensaios. Tem paredes azuis, pintadas pelos próprios elementos da banda portuense, que também arranjaram as portas e trataram de todos os acabamentos indispensáveis para insonorizar o espaço onde foi concebido o sucessor de "Trigger" e "Redcoast". Depois de três anos sem edições discográficas, os Blind Zero empenharam-se na gravação de "One Silent Accident", que estará nas lojas na próxima segunda-feira. Ensaiaram todos os dias durante seis meses e estiveram fechados um mês em estúdio para a gravação das onze canções alinhadas no novo disco. Resultado: rock, atitude, poder e energia. Foi assim que o vocalista Miguel Guedes, os guitarristas Marco Nunes e Vasco Espinheira, o baixista Nuxo Espinheira e o baterista Pedro Guedes definiram "One Silent Accident" na conversa com o PÚBLICO. Miguel Guedes - "'One Silent Accident' é o nosso álbum mais rock, com mais atitude, mais rude, mais 'in your face', por isso de certeza vai criar muitos desgostos a muita gente. A verdade é que o rock não está na moda e nós gostamos muito desta nossa faceta conservadoramente elitista de tentar não estar na moda. É quase uma profissão de fé."Marco Nunes - "É um disco que se ouve muito bem do princípio ao fim. O alinhamento está muito bem pensado e trabalhámos bastante na forma como as músicas se iam seguir umas às outras em termos de tons e de notas. As canções têm bons refrões, mas as estruturas são complicadas e dificilmente se captam à primeira audição."Vasco Espinheira - "A matéria-prima principal das músicas - a força, o poder, a energia - foi recuperada do 'Trigger', que é um álbum mais de atitude do que de canções. Nunca recusámos parte nenhuma da nossa carreira. Parece-me que o 'One Silent Accident' é muito equilibrado, quase como uma junção dos dois discos anteriores, mas também com muitas pistas novas. "Miguel Guedes - "A nossa evolução em termos interiores nos últimos três anos aconteceu enquanto existência normal. Se tu cresces e passas por outras experiências, isso necessariamente reflecte-se na tua música. A interrupção dos concertos e da edição discográfica e sobretudo os seis meses de ensaios intensivos fizeram-nos concentrar mais na escrita das canções sem que isso implicasse uma perda de naturalidade, de espontaneidade, de urgência em dizer alguma coisa."Marco Nunes - "Acho que essencialmente houve muito mais trabalho. Pela primeira vez trabalhámos a nível profissional. Ensaiámos todos os dias. Fizemos uma pré-produção muito cuidada e estamos a tocar muito melhor, o que tornou as músicas mais maduras."O produtorMiguel Guedes - "O Don Fleming veio de uma escola diferente da dos nossos outros produtores. É da Costa Leste dos EUA e pertence a uma corrente mais artística, mais experimentalista, com menos preconceitos e menos preocupações comerciais. Ele gostou das nossas canções e disse-nos que queria fazer o disco numa resposta a um e-mail que lhe enviámos. Tínhamos lido na Internet que várias bandas se referiam ao método de trabalho diferente de Don Fleming. Na primeira conversa que tivemos com ele sobre como iriam funcionar as gravações ficámos surpresos e até amedrontados. Tudo se revelou completamente diferente daquilo a que estávamos habituados em termos de execução, em termos de 'timing' de trabalho e do que cada um de nós teria que dar para cada uma das canções. E havia o facto de não nos podermos ausentar do estúdio durante o mês em que estivemos a gravar." As gravaçõesVasco Espinheira - "Quase todas as bandas gravam primeiro a bateria, depois o baixo, a seguir as guitarras e finalmente a voz. O método que usámos foi totalmente diferente." Marco Nunes - "A produção esteve virada para a voz. Gravámos as bases das canções: uma ou duas guitarras, a bateria e o baixo e o Miguel gravou antes de se completar os arranjos, as segundas vozes, os teclados e todas as segundas guitarras. As canções tornam-se mais simples e só têm os arranjos estritamente necessários para que as possas melhorar. Nos outros discos eu teria dois ou três dias para gravar todas as minhas sequências de guitarra e agora fomos terminando as músicas uma a uma. Por isso estivemos um mês fechados no estúdio em vez de lá estarmos dois dias."Miguel Guedes - "Parece realmente uma banda de cinco gajos a fazer música ao mesmo tempo." Nuxo Espinheira - "Com este método sentimo-nos mais relaxados, porque não sofremos a pressão de ter que gravar tudo em dois dias só porque o disco está marcado."Marco Nunes - "Escreveram-se coisas muito pesadas e muito duras sobre nós quando começámos a nossa carreira. Não tínhamos experiência e levámos com toda a gente em cima."Miguel Guedes - "Acho que houve uma divisão muito grande quando nós surgimos, inclusive entre a comunicação social. As opiniões foram muito opostas, mas as coisas más acabaram por sobressair. As pessoas que escrevem gostam mais de dizer mal porque é assim que se salientam. A ânsia de protagonismo é maior por parte dos jornalistas do que dos músicos. Nós sofremos muito devido a esse tipo de comentários. O músico ouve, cala e lê. A música não se pode misturar com a opinião externa. Mas não importa que as pessoas digam mal de nós, o que é lamentável é a falta de condição humana e a forma como se dizem as coisas."Vasco Espinheira - "Não se pode misturar a música com as pessoas e isso é muitas vezes confundido. Nos jornais disseram-se barbaridades e o que deveria ser uma crítica musical passou a ser uma crítica pessoal e mesmo uma ofensa. O problema é que os desmentidos ocupam duas linhas. É assim que a comunicação social funciona, criando heróis de pés de barro."Miguel Guedes - "Mas o grande cancro da comunicação social, seja em Portugal ou no estrangeiro, é a televisão. E essa é absolutamente inenarrável."Marco Nunes - "Não há sítios para nos expormos na televisão em que sintamos mesmo gosto em lá estar."Vasco Espinheira - "Fomos nós que arranjámos as paredes e as portas da nossa sala de ensaios. E pintámos as paredes de azul, claro." Miguel Guedes - "E fizemos os revestimentos e a insonorização do espaço."Nuxo Espinheira - "A sala de ensaios foi muito importante para este disco. Estávamos mais à vontade porque podíamos lá ficar durante dez horas se nos apetecesse. E foi ali que fizemos uma das pré -produções de 'One Silent Accident' com um gravador de oito pistas."Pedro Guedes - "Acabámos por fazer tantos ensaios e tantas músicas que a determinada altura já não sabíamos o que é que ainda estava atrasado ou qual o material de que gostávamos mais." Marco Nunes - "Antes ensaiávamos numa sala em Lisboa onde era preciso pagar uma certa quantia para lá estar duas horas. Se estávamos no bom caminho para construir uma música podia chegar alguém e mandar-nos embora. Agora já não temos esse problema."

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