Laicos e religiosos em pé de guerra em Israel

Ehud Barak lançou oficialmente uma reforma constitucional esperando transformar Israel na "pequena América do Médio Oriente". A sua "revolução dos cidadãos" surge um dia depois de o Supremo Tribunal ter condenado o antigo líder político do movimento ultra-ortodoxo Shas a três anos de prisão. O Estado judaico vive agora uma guerra cultural entre laicos e religiosos que ameaça a paz com os árabes.

O primeiro-ministro israelita terá dado o pontapé de saída para eleções antecipadas, ao apresentar-se como defensor de uma "carta dos cidadãos" face à "revolução sefardita" posta em marcha pelo movimento ultra-ortodoxo Shas. "Estamos todos no mesmo barco e não temos outro destino", disse ontem Ehud Barak à rádio pública de Telavive, sublinhando que, sem um acordo com os palestinianos, irá formar um "governo alargado para realizar um programa social".Se Barak instituir as reformas que planeia, Israel tornar-se-á na "pequena América judaica no Médio Oriente", nas palavras de um comentador israelita.Dentro de um ano, - disse Barak, no domingo, ao Conselho de Ministros - Israel terá uma Constituição que separará finalmente a sinagoga do Estado. Com este objectivo, o Governo aboliria o ministério dos Assuntos Religiosos, permitiria casamentos civis (as leis do casamento em Israel ainda estão sob controlo exclusivo dos rabis), introduziria o "serviço nacional civil" e tornaria obrigatório o estudo do inglês, da matemática e da educação cívica.O Conselho de Ministros foi, de certo modo, apanhado de surpresa e por bons motivos. Esta vaga legislativa equivale a uma declaração de "guerra cultural" aos partidos religiosos, cujas bases ortodoxa e ultra-ortodoxa Barak tem tentado cativar para a paz com os palestinianos e a Síria.Mais grave, a "revolução laica" de Barak foi oficializada um dia depois de o fundador e antigo líder político do Shas, Aryeh Deri, ter sido condenado a três anos de prisão pelo Supremo Tribunal israelita. A pena, por corrupção, começa a cumpri-la no próximo dia 3 de Setembro, e os ultra-ortodoxos e "mizrahim" (judeus de origem oriental) estão já a mobilizar-se em todo o país para uma grande manifestação contra Barak.Para o ex-primeiro-ministro Shimon Peres, e para outros correlegionários de Barak, a reviravolta deste significa que ele desistiu de lutar pela paz e está a preparar-se para eleições antecipadas, tentando atrair a "maioria secular" de Israel contra a ressentida "minoria religiosa". Outros vêem a viragem para o secularismo como um "bluff", uma calma ameaça aos partidos religiosos para se alinharem com o processo de paz se não desejarem perder os privilégios que lhes são concedidos pelo Estado. E há ainda os que não conseguem entender o que se está a passar. "Isto é muito problemático", reconheceu o ministro da Justiça, Yossi Beilin, que é a favor de uma Constituição, mas suficientemente esclarecido para saber que ela só poderá ser aprovada na base da mais vasta maioria possível. Também sabe que nunca haverá uma maioria para a paz sem pelo menos um partido religioso que a apoiá-la. E Barak não tem essa maioria.De facto, ele nem sequer tem um governo. Nos 15 meses desde que foi eleito, tem visto o seu Executivo reduzido de 24 ministros para nove e a sua base parlamentar diminuir de 69 para 40 deputados - minoria absoluta num Knesset (parlamento) de 120 lugares. As mais recentes sondagens também o mostram atrás do seu antecessor, Benjamin Netanyahu, o que é notável, pois este não só está politicamente inactivo como é alvo de uma investigação a uma série de acusações, incluindo fraude.Para tornar as coisas piores, o eleitorado conseguiu recentemente verificar como é que as coisas funcionam no topo da "única democracia no Médio Oriente". A semana passada, o adjunto do chefe de gabinete do primeiro-ministro, Shimon Batat, apresentou a demissão. Numa entrevista ao diário "Ma'ariv", explicou por quê: "Tornámo-nos uma república das bananas. [...] Barak trabalha sozinho e dirige tudo sozinho. [...] Todos à sua volta estão desesperados".Três dias depois, foi a vez do próprio chefe de gabinete, Haim Mendel-Shaked, também se demitir. E foi apenas ligeiramente menos cáustico do que Batat. De acordo com o "Yediot Aharont", outro jornal hebraico, Mendel-Shaked crê que, "tendo Barak perdido a maioria no Knesset, deixou de funcionar como primeiro-ministro. [...] Ele não pode executar nada e o problema é que não deu por isso".Com o processo de paz num impasse e a coligação em farrapos, Barak só parece satisfazer-se com a perspectiva de novas eleições. "Concentrar-nos-emos no tema da paz e também na formulação da sociedade israelita no dia a seguir à paz", disse no Conselho de Ministros. "Será uma campanha de sonhos".

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