Torne-se perito

"Kursk" morre lentamente

Não se sabe se ainda está alguém vivo a bordo do submarino russo afundado no mar de Barents desde sábado. As críticas a Putin e à marinha russa não param de aumentar, enquanto os familiares dos tripulantes do "Kursk", já quase sem esperança, aguardam a chegada de um submarino de salvamento britânico, prevista para amanhã. Se ainda houver marinheiros vivos, estão neste momento a morrer lentamente, asfixiados.

Será já demasiado tarde? Era esta a pergunta que ontem, depois da sexta noite de agonia, martelava nas cabeças de todos os que, na Rússia e no resto do mundo, esperavam que o mini-submarino de salvamento enviado pelos britânicos chegasse ao mar de Barents, no Árctico, onde o submarino nuclear russo "Kursk" se afundou no sábado com 118 homens a bordo. O LR5 britânico, que partiu ontem da Noruega a bordo do navio "Norman Pioneer", e os mergulhadores noruegueses que vão também ajudar nas operações de salvamento, só são esperados na Rússia amanhã de manhã. Haverá então ainda sobreviventes a bordo do "Kursk"? O primeiro-ministro russo, Mikhail Kassianov, classificou a situação como "próxima da catástrofe" e a televisão estatal russa admitiu ontem, pela primeira vez, que pelo menos alguns dos marinheiros terão morrido na sequência do acidente de sábado. Esta conclusão baseia-se em imagens captadas por uma das cápsulas de salvamento, que mostram que a parte da frente do submarino sofreu enormes danos quando a água entrou de repente, inundando parte do navio. O Ministério da Defesa britânico 'afirmou que os estragos se estendem da proa à popa, o que torna pelo menos uma das saídas de emergência inutilizável. Mas esta é apenas uma das razões pelas quais a operação de salvamento, mesmo que venha a ser bem sucedida, será lenta e difícil. O comandante britânico David Stanesby, que coordena as operações de socorro anglo-norueguesas, disse à AFP que "se todos estiverem vivos, a evacuação demorará dois a três dias", porque o LR5 só leva 16 homens de cada vez (cada ida ao fundo demora entre três e quatro horas) e as suas baterias eléctricas só duram dez horas, o que o obriga a ir recarregar.Em Severomorsk, onde estão centradas as operações de salvamento, a população acompanha o evoluir da situação hora a hora, rezando e tentando controlar o desespero. Muitos familiares dos marinheiros do "Kursk" chegaram já ao local, e alguns refugiaram-se dentro do navio-hospital "Svir", pronto para partir a qualquer momento, e equipado com todo o material médico necessário para socorrer eventuais sobreviventes. Os familiares dos tripulantes fecham-se nas cabinas, isolando-se do mundo, e contando os minutos. Tudo parece insuportavelmente lento. As tentativas de acoplar os mini-submarinos russos à saída de emergência do "Kursk" prosseguiram durante a noite de quarta para quinta-feira, mas sem resultados. "Não houve alterações, nem para pior nem para melhor", admitiu Kassianov. As autoridades russas afirmam que até quarta-feira de manhã a tripulação do "Kursk" comunicara com o exterior batendo nas paredes do submarino. Mas, segundo a BBC, análises dos serviços secretos norte-americanos indicam que não existiu qualquer tipo de comunicação a partir do "Kursk" desde o dia do acidente. Os EUA revelaram também que os barcos de guerra americanos que se encontram no mar de Barents ouviram no sábado duas grandes explosões - uma informação que a marinha russa desmentiu.Ontem, uma delegação russa de alto nível deslocou-se a Bruxelas para discutir a situação com os responsáveis da NATO. Vários países da Aliança Atlântica ofereceram ajuda, mas Moscovo considerou que neste momento qualquer ajuda adicional seria inútil. Desde sábado que a tripulação do "Kursk" está fechada no submarino, no fundo do mar, sem energia e sem comunicações. A marinha russa calculou inicialmente que o oxigénio no interior só duraria até hoje, mas os cálculos foram revistos e concluiu-se que haveria oxigénio até dia 25 - uma tese que levanta muitas dúvidas aos peritos ocidentais. A diferença nos cálculos dos responsáveis russos tem, aparentemente, a ver com o número de homens que poderão estar vivos. Se só parte da tripulação tiver sobrevivido ao acidente inicial, a quantidade de oxigénio disponível dará para mais algum tempo, embora seja difícil calcular quanto. Se o oxigénio já se tiver esgotado, ou estiver a esgotar-se, os marinheiros podem estar a morrer lentamente por asfixia. Peritos do instituto de problemas médico-biológicos de Moscovo, citados pela agência Interfax, descreveram o sofrimento deste tipo de morte: um adulto deve consumir pelo menos 420 litros de oxigénio em 24 horas e expirar 420 litros de dióxido de carbono; se isso não acontecer, o indivíduo começa a ficar ofegante, as batidas cardíacas aceleram-se e o número de glóbulos vermelhos no sangue aumenta. Quando estas reacções de compensação deixam de dar resultados, o pulso começa a enfraquecer, o coração bate mais devagar, o rosto empalidece e há suores frios, dores de cabeça e náuseas. O indivíduo cai num estado de apatia, com sono e perturbações de comportamento, acabando por perder a sensibilidade e a memória, assim como o controlo dos movimentos. O ambiente dentro do "Kursk" está certamente gelado - um "inferno frio e claustrofóbico", nas palavras de um oficial russo. A reacção do organismo a baixas temperaturas é, em primeiro lugar, tremer para queimar energia, mas o corpo só aguenta tremer durante algumas horas, antes de perder energia e os músculos ficarem exaustos. Os marinheiros podem ainda sofrer perturbações psíquicas causadas pela falta de oxigénio, a ausência de luz e de comunicação. O navio-hospital que aguarda no porto de Severomorsk está preparado para tratar casos de hipotermia, envenenamento e traumas psicológicos. Stuart Turner, um perito britânico em "stress" traumático citado pelo "Independent", explicou que a deterioração das condições físicas torna os homens cada vez menos conscientes do que se passa à sua volta. "Se alguns deles morrerem de hipotermia ou sufocados, os outros não estarão em estado físico e mental para perceber o impacto do que está a acontecer, nem como estão perto da morte."

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