As explicações de Lieberman

A religião de Joe Lieberman - o primeiro judeu candidato a um cargo presidencial nos EUA - não será um factor importante nas eleições de Novembro. Já algumas das ideias do candidato democrata à vice-presidência podem atrapalhar. Por isso, ao aceitar a nomeação, Lieberman disse mais que a habitual frase "as diferenças são saudáveis". Começou a abafar algumas das posições polémicas e frisou que só tem um objectivo: ser fiel ao programa de Al Gore.

Ontem à noite, aconteceu um "milagre" na vida de Joe Lieberman. O senador do Connecticut tornou-se oficialmente o candidato do Partido Democrata à vice-presidência dos Estados Unidos. Joe Lieberman é judeu. Pela primeira vez na história dos Estados Unidos, um judeu pode chegar a um cargo presidencial. O que explica a máscara de emoção que se colou ao rosto do senador. "Aconteceu um milagre", tem repetido Lieberman, que discursou ontem à noite perante a Convenção Democrata, em Los Angeles. Lieberman recebeu ontem o candidato democrata à Presidência dos EUA, Al Gore, no aeroporto da cidade. Num minicomício, Gore revelou o conteúdo do discurso com que encerrará, hoje, a Convenção. "Vamos ser específicos", disse Al Gore, acrescentando que os eleitores merecem saber exactamente que decisões pretende tomar sobre cada tema, se for eleito. Lieberman apresentou a metade mais importante da equipa e, perante os aplausos, concluiu: "Estou a começar a habituar-me a isto."Uma frase que, no contexto da Convenção, tem uma segunda leitura. Lieberman, o senador que ganhou a alcunha de "consciência do Senado" pela rectidão moral e pela independência - votou algumas vezes contra o partido -, terá a partir de agora que refrear as opiniões. Terá que se habituar a secundar Gore. Já começou a fazê-lo. Na terça-feira, participou numa reunião em Los Angeles com os líderes das organizações de defesa dos direitos cívicos dos negros. Foi explicar-lhes que não defende o fim do programa "affirmative action", que dá preferência a minorias em certos programas de emprego e educação. Em 1996, o senador Lieberman votou a favor do fim do programa na Califórnia. Quando surgiu o convite de Gore - que é a favor do "affirmative action" -, o senador tentou transformar as diferenças de opinião numa mais-valia para a equipa. "Ao escolher uma pessoa que não concorda com ele em tudo, Al Gore provou que tem coragem, o que é uma das qualidades de um líder", disse Lieberman.Em Los Angeles, no entanto, foi obrigado a dizer à comunidade negra que apoia o "affirmative action", e que as notícias que veicularam o contrário não passaram de "mal-entendidos". Disse que votou a favor do fim do programa na Califórnia porque a formulação estava errada, falava de quotas. O candidato à vice-presidência aproveitou para esclarecer ainda que não pretende eliminar o ensino público. É certo que em tempos chegou a considerar as escolas públicas "falidas", mas agora defende, tal como Gore, um grande investimento na sua recuperação. O senador do Connecticut foi um dos poucos democratas no Senado a pronunciar-se a favor dos "vouchers" educativos, que permitiriam que pais pouco abastados recebessem subsídios do Governo para enviar os filhos para escolas privadas.Ontem, Lieberman sublinhou que, se for eleito, será um apoio "seguro" para Gore. Ou seja não contestará as opções do seu número um. "É um facto que penso diferente do meu parceiro em algumas coisas. Já apoiei os 'vouchers' educativos, em regime experimental. Mas deixem-me esclarecer que sempre defendi as escolas públicas, pois é nelas que estudam a maioria dos nossos alunos", disse Lieberman na terça-feira.Joseph Lieberman, de 58 anos, necessitou de fazer o exercício da retractação para sustentar outra das ideias centrais do seu discurso: "De todas as Convenções que já tivemos, esta é a mais excitante e unida." Lieberman é o símbolo da unidade e da inclusão do partido. Necessitou, pois, de apagar o mal-estar que as suas palavras provocaram em alguns sectores (negros e sindicatos de professores). O senador apresentou-se ao país como um democrata moderado, defensor dos valores da família. Esperava-se que contasse a história da sua família - o pai foi obrigado a concretizar o sonho americano (tornar-se ambicioso) por amor; os futuros cunhados exigiram que, antes de casar, ganhasse 25 dólares por semana. O percurso de Hadassah Lieberman, a mulher do candidato, terá sido igualmente lembrada: é filha de sobreviventes do Holocausto; a mãe esteve em Dachau e Auschwitz.Finalmente, Lieberman contou pormenores da vida de Gore, de quem é amigo. Foi na casa de Washington do actual vice-presidente que pernoitou quando votações decisivas no Senado o obrigaram a quebrar o Sabbat, o dia em que o trabalho e o uso de máquinas (como carros ou aviões) estão proibidos aos judeus ortodoxos. Lieberman não fará campanha entre o pôr do Sol de sexta-feira e o pôr do Sol de sábado. Mas já anunciou que, se for eleito, violará o dia sagrado sempre que necessário. "A minha primeira lealdade é para com os Estados Unidos", disse.Previa-se ainda que Joe Lieberman falasse em John F. Kennedy, que foi o primeiro Presidente católico dos Estados Unidos, e recebeu a nomeação em Los Angeles há 40 anos. "Que orgulhoso de Al Gore estaria o meu irmão, por ter escolhido Joe Lieberman e derrubado mais uma barreira de preconceito", disse em Los Angeles o irmão de JFK, Ted Kennedy, deixando claro que, apesar do entusiasmo que a presença de Lieberman possa provocar, esta é a Convenção (e a eleição) de Al Gore.Ontem, o vice-presidente revelou estar ainda a trabalhar no discurso de aceitação da nomeação. "Estou quase lá", disse Gore, que falará depois das sete da tarde (três da manhã em Lisboa). Antes, estarão no palco algumas estrelas que vão ajudar o candidato democrata a definir uma identidade perante os eleitores. A filha mais velha de Gore, Kareena, contará a história da família; Tommy Lee Jones, o actor que partilhou um quarto com Gore nos tempos da faculdade, contará aventuras.

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