Reservas abrem ao público

Dois anos de obras a partir de um projecto de alargamento que deu origem a novas áreas de reserva, a uma biblioteca associada a uma mediateca e à reforma dos arquivos. O Museu Nacional de Etnologia reabre em Novembro com uma exposição sobre os índios brasileiros, acompanhada por um colóquio e um ciclo de cinema. O PÚBLICO falou com o seu director e ficou a saber que na calha estão também dois projectos editoriais.

Se lhe fosse possível, Joaquim Pais de Brito, director do Museu Nacional de Etnologia (MNE), enviava hoje uma equipa para o norte do Canadá com o objectivo de estudar as sociedades inuit, ou melhor, o modo de vida dos que ficaram mais conhecidos por esquimós e povoam, em número muito reduzido, os cerca de seis mil quilómetros quadrados de uma terra - não um país - que se estende até à Gronelândia. Mas, num museu que se prepara para terminar as obras que o mantiveram fechado durante dois anos, continuam a não existir equipas técnicas que possam assegurar o trabalho de campo, apesar das conquistas recentes serem já muitas.Com a exposição "O Voo do Arado", o MNE fechou as portas, no final de 1998. Nessa altura, as infiltrações que tinham dado origem a obras pontuais cederam lugar a um projecto de fundo, da autoria de Trigo de Sousa, que faz com que o museu, que reabre em Novembro, esteja cada vez mais voltado para os diferentes públicos que o podem visitar. Para além da evidente transformação dos terrenos baldios que o envolviam num jardim público, há "intervenções incontornáveis que se prendem com novas perspectivas museológicas", explicou ao PÚBLICO Joaquim Pais de Brito. As áreas de reserva e de arquivo serão, sem dúvida, alvo das mudanças mais profundas. Concretizando um projecto com sete anos, o museu terá, finalmente, reservas abertas ao público: "A área das reservas era claramente diminuta. Nunca quisemos ter, apenas, os objectos arrumados e protegidos. Sempre tivemos presente a possibilidade de a abrir ao público. Agora, foram construídos dois novos espaços amplos de reserva e houve uma intervenção num que já existia e que vai ser o primeiro visitável - o que se prende com o universo da vida rural em Portugal, sobretudo o sector da economia relativo à agricultura, ao pastoreio, à indústria têxtil, à vida da casa."Tornar as reservas visitáveis é um aspecto intimamente ligado à filosofia do museu. "As reservas já estavam classificadas e organizadas em três patamares. Primeiro a classificação geográfica, depois a étnica e, dentro dessa, a sistemática. O que há de novo é uma preocupação em acrescentar alguma informação textual, sem negar a dimensão cenográfica que procura manter o sortilégio de uma reserva."O plano é, a cada ano, abrir ao público um dos outros três espaços de reserva. Um deles será certamente dedicado a África - uma das mais volumosas colecções do museu - os outros dois poderão ser ocupados pela América do Sul, mais precisamente pelos índios da Amazónia, pelo sudeste asiático, o que permitiria mostrar o espólio relativo a Timor e à Indonésia, ou pela "vertente lúdica, expressiva, plástica e religiosa da vida portuguesa."As obras, orçadas em cerca de 800 mil contos, previram, também, a construção de uma nova biblioteca e de uma mediateca. "A mediateca é muito importante porque permite ao público aceder ao que temos vindo a fazer com os arquivos sonoro, vídeo e fotográfico. Reequipámos as câmaras de frio para a protecção dos filmes, das bandas sonoras e das fotografias, o que se torna difícil já que cada uma destas espécies obedece a critérios distintos de temperatura e humidade".O filme e o vídeo têm sido objecto de uma atenção especial. Os protocolos celebrados com a Cinemateca e o Arquivo Nacional de Imagens em Movimento já "salvaram filmes da Margot Dias, em África, do Ruy Cinatti, em Timor, e de exemplares em 8 e 16 milímetros provenientes de colecções particulares".Na reabertura, o MNE terá patente uma exposição singular. Chama-se "Os índios, nós" e tem por universo o Brasil e as suas tribos, um tema semelhante ao da mostra sobre os índios da Amazónia que marcou outra reabertura do museu, a de 1985.A exposição partiu do convite que Joaquim Pais de Brito fez a cerca de 20 antropólogos que estão no terreno a trabalhar com os índios: "Pedi-lhes que escolhessem um ou dois objectos e que em torno deles contassem uma história pertinente do grupo de índios que estudaram." A exposição, que reúne um espólio vasto, 50 por cento do qual proveniente de outros museus ou de colecções particulares, mostra desde um simples diário de campo a um pequeno tambor feito a partir de uma panela de alumínio para o filho de uma antropóloga. A exposição, acompanhada por um colóquio que trará a Lisboa os antropólogos que participam no catálogo - nomes como Eduardo Vileiros de Castro (Rio de Janeiro) e John Monteiro (S. Paulo) -, será enriquecida pela edição de uma série de volumes que contém estudos, quase todos inéditos, sobre o índio brasileiro e por um ciclo de cinema a realizar em Janeiro ou Fevereiro. Na mesma altura, e em maré de lançamentos, o MNE reeditará, em colaboração com a Fundação Gulbenkian, o livro "Os Instrumentos Musicais Populares Portugueses" (a cores), produto de uma recolha feita por Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, no começo dos anos 60. O volume associa-se à abertura de uma outra exposição dedicada ao mesmo tema que inclui mais de 500 instrumentos.Com as valências que o museu adquiriu com as recentes obras, Joaquim Pais de Brito espera aumentar o número de visitantes por ano, que em 1998 se ficou pelos 10 mil e 600.

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