"Não teria aceite outro teatro"

Tem 40 anos, é actor há 20, encenador há 10. Aceitou suceder a Ricardo Pais na direcção do São João do Porto porque é "um legado de rigor e qualidade". Sasportes garantiu-lhe que não vai ter menos dinheiro em 2001. José Wallenstein quer um teatro aberto a co-produções e a criadores individuais e assume os compromissos da programação para os próximos dois anos.

José Wallenstein estava na pele de um personagem chamado Wulf quando ontem o Ministério da Cultura anunciou o seu nome como director do Teatro Nacional São João no Porto. Apanhado pela divulgação da notícia em plena filmagem, no Fundão, de "A Febre do Ouro Negro", uma série para a RTP 1, este actor e encenador de 40 anos que passou metade da vida entre o palco e o ecrã, explicou ao PÚBLICO que aceitou fazer "uma mudança radical", passando de "criador" a um cargo "técnico-artístico" pelo "desafio de trabalhar num teatro que é uma referência incontornável, um legado de rigor e qualidade." Colocada a questão de saber se lhe tinha sido oferecida em primeiro lugar a direcção do Teatro Nacional D. Maria II - que o ministro José Sasportes considerou o problema mais "urgente", e que continua por resolver - Wallenstein foi peremptório: "Nunca fui abordado para o D. Maria e não teria aceite este lugar se fosse para outro teatro."O convite foi feito no princípio da semana passada. Wallenstein pediu uns dias para pensar e respondeu afirmativamente segunda-feira, tendo recebido "garantias de que o orçamento de 2001 não será menor do que o do 2000" - os cortes no São João tinham sido um dos exemplos evocados por Manuel Maria Carrilho para justificar o seu abandono do governo.Quando tomar posse, em Setembro, Wallenstein pretende nomear "dois colaboradores, um para a direcção de produção e outro para a direcção administrativa" e, de resto, afirma não ter intenções de mexer numa estrutura que considera "exemplar".O elogio ao seu antecessor Ricardo Pais - que se demitiu imediatamente após a saída de Carrilho e recusou o apelo de Sasportes para reconsiderar - é inequívoco: "Construiu um teatro, formou públicos. O São João é um trabalho do Ricardo Pais." E a herança não o assusta: "Será uma passagem feita com a maior naturalidade. Irei assegurar o cumprimento dos compromissos assumidos pela anterior direcção quanto à programação deste ano e do próximo, nomeadamente quanto ao Porto 2001." Já sobre eventuais mudanças na equipa do festival Po.NTI, deixa tudo em aberto, respondendo com um lacónico "não sei."Quanto à sua visão do que é um teatro nacional, Wallenstein defende convictamente "um serviço público junto de criadores e público, um trabalho de intervenção, conjunto, que passe por convites a artistas, co-produções com estruturas e criadores individuais, possibilitando-lhes meios técnicos que não teriam". Ricardo Pais - que lhe retribuiu ontem os cumprimentos (ver texto em baixo) - é um dos encenadores com quem José Wallenstein trabalhou ao longo de uma carreira de actor iniciada em 1980, depois de concluído o Conservatório. A lista inclui nomes como Luís Miguel Cintra, Carlos Avilez, Jorge Listopad, Georges Lavelli, Filipe La Féria, Gastão Cruz ou Fernanda Lapa. Membro de uma família de artistas - filho de Carlos, actor e poeta, e irmão de Pedro, violoncelista e Madalena, música e encenadora - José Wallenstein estreou-se como encenador em 1990, com "Inimigos", de Nigel Williams, e desde então, dirigiu mais nove peças de teatro em vários pontos do país, e duas óperas, o que dá uma média de mais de uma produção em palco por ano, sem contar com a participação como actor em filmes e séries de televisão.Como encenador de teatro (e em vários casos tradutor) destaquem-se: "Estrelas da Manhã", de Alexander Galine, para o Teatro da Graça (Melhor Produção do Ano, distinguida pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro), "Dá-me Abrigo", para a Companhia de Teatro de Braga, "Minimal Show", de Sergi Belbel, para Lisboa Capital da Cultura, no Teatro do Bairro Alto, "Pêssegos", de Nick Grosso, no Teatro Aberto, "E no Intervalo Faz-se Qualquer Coisa", para o Festival dos Cem Dias, da Expo 98, "Só Para Iniciados", baseado em "Pinóquio", de Collodi, no Teatro Viriato e no Centro Cultural de Belém, "A Metamorfose", de Kafka, para o Visões Úteis, no Carlos Alberto e "Diálogo em Ré Maior", de Javier Tomeo, para o grupo As Boas Raparigas Vão Para o Céu, as Más Para Toda a Parte, no BalletTeatro.Em ópera, encenou "Street Scene" de Kurt Weil no São Carlos, em Lisboa, e "Édipo-Tragédia do Saber", de António Pinho Vargas e Pedro Paixão, no São João.Afastada a hipótese da vinda do encenador italiano Giorgio Barberio Corsetti - anunciado para o São João, antes da mudança de ministro - José Wallenstein é a primeira nomeação do novo responsável da Cultura para um dos três teatros nacionais cuja direcção ficou em aberto, depois de Paulo Ferreira de Castro ter saído do São Carlos e de Sasportes ter dispensado João Grosso, indigitado ainda por Carrilho para suceder a Carlos Avilez no D. Maria.

Sugerir correcção