Os emigrantes na eleição do Presidente

A questão do voto dos portugueses residentes no estrangeiro nas eleições presidenciais é tão velha como a nossa democracia e, desde os debates da Constituinte, que esta questão tem evidenciado clivagens entre aqueles que apoiam este voto sem quaisquer restrições e aqueles que dele discordam. Os primeiros invocam a cidadania dos eleitores, ainda que residentes no estrangeiro, os segundos fundamentam a sua posição na generosidade da nossa lei da nacionalidade, a qual permite que o número de nacionais a residir no estrangeiro represente mais de metade da população que habita no país, alguns dos quais sem qualquer ligação à comunidade nacional, nunca tendo tocado o território nacional e/ou não dominando a nossa língua.A culminar este debate sem que o tivesse concluído, a revisão da Constituição de 1997 consagrou, por um lado, uma solução compromissória entre estas duas teses, remetendo a definição em concreto para lei ordinária, a aprovar pela Assembleia da República, por uma maioria qualificada de 2/3, lei esta que devia ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional. Por outro lado, a Constituição determinou que eram eleitores do Presidente da República os cidadãos residentes no estrangeiro que se encontrassem inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da República em 31 de Dezembro de 1996. Em execução daquele preceito constitucional, o Governo aprovou em Conselho de Ministros a proposta de lei elaborada pelo Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, cujo equilíbrio na definição de situações de existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional foi demonstrado pelas críticas que lhe foram dirigidas por não restringir suficientemente ou não alargar suficientemente o elenco de eleitores nesta situação.Nos termos desta proposta eram eleitores do Presidente da República os cidadãos residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia da República à data da publicação da lei, alargando-se assim temporalmente o critério fixado na Constituição. Eram também eleitores do Presidente da República os cidadãos residentes no estrangeiro que tivessem deixado de ter residência habitual no país há menos de 15 anos ou se tivessem deslocado a Portugal nos últimos 3 anos, bem como os cidadãos portugueses residentes em Timor ou Macau ou os residentes no estrangeiro em serviço ou em actividade de interesse público.Eram muitos, eram poucos, os cidadãos abrangidos por esta lei? Em mais de 4 milhões de cidadãos nesta situação estes critérios eram suficientemente latos para permitir a todos aqueles que tivessem de facto uma ligação efectiva à comunidade nacional se poderem recensear e consequentemente votar nas eleições presidenciais. Naturalmente que outros critérios eram admissíveis e aliás muitos outros foram ponderados e abandonados ao longo dos trabalhos preparatórios, conduzidos pelo MREAP. Esperar-se-ia sobretudo que outros critérios fossem apresentados noutras iniciativas apresentadas na Assembleia da República, o que não aconteceu, limitando-se os partidos políticos a apresentar como critério definidor o recenseamento eleitoral, que não é mais que uma condição de exercício do direito de sufrágio.Surpreendentemente o conjunto de artigos que definiam o universo de cidadãos que seriam eleitores do Presidente da República constantes da proposta de lei do Governo, para além daquele que se limitava a alargar o critério fixado constitucionalmente, não reuniu os votos necessários à sua aprovação, tendo sido votado favoravelmente apenas pelos Deputados do PS. O texto final saldou-se em consequência, quanto ao universo de eleitores, numa visão mais restritiva do que a que constava em qualquer um dos diplomas em debate.Assim, nas próximas eleições presidenciais são eleitores os cidadãos residentes no estrangeiro inscritos no recenseamento eleitoral até à data de publicação da lei. Curiosamente, se em 31 de Dezembro de 1996 se encontravam inscritos no recenseamento eleitoral da Europa e fora da Europa 183 944, em finais de Junho deste ano, de acordo com os dados do STAPE, apenas se encontram inscritos 176 933.Estabelecia ainda a proposta de lei que o voto seria exercido presencialmente, tanto no território nacional como no estrangeiro, assegurando-se desta forma os requisitos constitucionais de pessoalidade e sigilo do voto e permitindo que os eleitores residentes no estrangeiro exerçam este direito de forma idêntica à dos seus concidadãos residentes no território nacional. A fixação da presencialidade no exercício deste direito visava ainda combater a abstenção, que tem marcado, de forma acentuada, este grupo de eleitores, uma vez que o voto via postal é considerado, de forma generalizada, como marginalizador desses eleitores e desmotivador do seu voto.A exigência do exercício do voto presencial pelos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, que foi considerado determinante na proposta apresentada pelo MREAP, foi aprovada, devendo, em consequência, e pelas mesmas razões, ser alargado às eleições para a Assembleia da República e Parlamento Europeu, bem como aos referendos nacionais em que participem.Esta lei mediadora do exercício do direito de voto pelos novos eleitores, embora se situe no quadro simétrico do universo fixado no texto constitucional, permite desde já a participação destes eleitores nas próximas eleições do Presidente da República.Mantém-se porém em aberto, para lei constitucional ou de maioria reforçada de 2/3, a definição dos laços de efectiva ligação à comunidade nacional. *jurista, adjunta do Gabinete do Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública

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