"O PRI é um estilo de vida"

Foi uma ditadura branda e inteligente a que subjugou o México durante 71 anos. Porque se renovou, internamente, a cada seis anos. A lógica do regime não foi intencional. Apareceu por sorte: quando um cristão perseguido decidiu assassinar o general Obregón, impedindo que um caudilho se perpetuasse no poder, como Salazar ou Franco. História do partido com o nome mais hipócrita do mundo - Partido Revolucionário Institucional - que nasceu para ser uma estrutura administrativa e cuja falta de ideologia permitiu que se mantivesse no poder durante sete décadas.

Há um cartaz com a cara do candidato à presidência Cuauhtémoc Cárdenas colado na porta do gabinete de um professor do Colégio do México. Destoa no cinzentismo dos corredores desta universidade na capital mexicana, e é o primeiro sinal de que lá dentro mora um académico diferente. Lorenzo Mayer, 58 anos, historiador e especialista em Ciência Política no Centro de Estudos Internacionais. As prateleiras do seu cubículo de trabalho estão repletas de livros e teses para avaliação, mas também de bonequinhos: muitos mochos e outros animais, e três figuras do ex-Presidente do México Carlos Salinas. "Digamos que são objectos de arte popular", diz o bem-disposto professor. "Vendiam-se na rua há quatro ou cinco anos. Este era uma Barbie a que puseram a cara de Salinas e um traje de presidiário." Os restantes Salinas - um dos chefes de Estado e de Governo mais corruptos da história do país, com claras ligações ao narcotráfico, que optou pelo exílio na Irlanda - têm também trajes de listas negras e brancas. "Este é o Salinas obsceno", diz o professor, puxando o braço da figura de cerâmica tipo fradinho das Caldas.Dentro do gabinete também existem cartazes de Cárdenas, o candidato do Partido da Revolução Democrática, de esquerda, às presidenciais que se realizam hoje e que poderão acabar com 71 anos de reinado do Partido Revolucionário Institucional (PRI). "Gosto de Cárdenas porque é consistente." Pode dizer-se que Salinas é o vilão de eleição de Lorenzo Mayer. Cárdenas o herói. Porque abandonou o PRI em 1988, quando tentou criar um movimento de renovação no partido. Acabou por fundar a sua própria formação. "Fenómenos de resistência como o de Cárdenas aconteceram em 1929, em 40, em 46 e em 52. Mas de todas essas vezes, o PRI conseguiu abafar os opositores, destruindo-os ou comprando-os. Cárdenas abriu a muralha do autoritarismo. Todos os dias, durante a presidência de Salinas, foi golpeado, nos jornais, na rádio, na televisão. Sabotaram-no, tentaram comprar [e mataram] os seus partidários. Resistiu sempre, foi um herói." E é por causa dele, garante o analista, que hoje existe oposição e que outro homem, de direita, Vicente Fox, pode tornar-se Presidente, quebrando o monolitismo de poder do PRI. O PRI nasceu depois dos dez anos que durou, no início do século, a confusa revolução mexicana, para erradicar a instabilidade de sucessivos governos e golpes. Nasceu para "disciplinar" os revolucionários, como diz Lorenzo Mayer, que não consegue deixar de se divertir enquanto explica o oficialismo. Sabe que o regime acabou.PÚBLICO - O México é o único país do mundo onde existe uma formação política chamada Partido Revolucionário Institucional. Como foi possível dar-lhe este nome absurdo?LORENZO MAYER - Pode parecer estranho a um estrangeiro. Quando foi criado, em 1929, chamou-se Partido Nacional Revolucionário, o que não estava mal. Surgiu para unir todas as facções de uma revolução heterogénea. Depois, na época de Lázaro Cárdenas [1934/1940, o pai de Cuauhtémoc], quando a reforma social e o nacionalismo ganharam espaço, chamou-se Partido da Revolução Mexicana, o que estava muito bem. Foi ele que fez as grandes mudanças sociais, entre 1935/1938, e governou no único momento em que um Governo do México esteve do lado do nacionalismo, dos camponeses pobres e do operariado. Também foi ele quem criou o corporativismo do partido, as grandes associações de camponeses, de operários e da classe média [que, geridas e controladas pelo partido, o ajudaram a manter-se único]. Quando se inicia a época pós-revolucionária, em 1946, transforma-se no Partido Revolucionário Institucional. Com este nome tão único, queriam dizer que a revolução terminara e se iriam construir as instituições da estabilidade.

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