Chirac campeão da Europa

Recém-chegado ao clube dos europeus convictos, Jacques Chirac apresentou em Berlim ideias para que a Europa avance num trilho intermédio entre a teologia do federalismo, e a inércia do "statu quo". Mas a sua novel visão europeia não está isenta de considerações domésticas.

O discurso do Presidente Jacques Chirac em Berlim, fazendo sua a velha proposta de uma constituição europeia, e sugerindo (como outrora o europeísta Jacques Delors) um grupo de países pioneiros a avançarem mais depressa na integração, dá à França um novo papel de arquitecta da Europa. Simultaneamente, o discurso de Berlim lisonjeia os vizinhos alemães, selando de novo o pacto do casal franco-alemão em torno do qual se construiu a União Europeia (EU). Contudo, seria extemporâneo pensar, nesta fase, que a intervenção de Jacques Chirac no Reichstag (Parlamento) em Berlim convenceu os franceses de que ela é suficientemente sólida para servir de trave-mestra à construção europeia. O Presidente francês é um homem que habituou os seus conterrâneos a um elevado grau de flexibilidade nas suas convicções. Uma certa prudência aparece assim a temperar as análises em casa.A esquerda recorda que se trata de uma "ideia antiga", avançada no programa europeu do Partido Socialista Francês (PSF). O líder centrista François Bayrou, que apresentara na véspera as suas próprias ideias para uma "Constituição da União Europeia", aplaude Chirac com ambas as mãos - tal como os Verdes, mais irónicos, mas demarcando-se do PSF na coligação governamental de esquerda. A direita soberanista mostra-se reservada, enquanto a direita europeia, personificada pelo antigo primeiro-ministro Alain Juppé, é felicitada pela sua influência na reviravolta de Chirac. A imprensa francesa frisa que o discurso do Reichstag relança o casal franco-alemão, mas diversos analistas perguntam o que há de concreto, ou de inovador, por trás do espectacular, e simbólico, efeito de anúncio. Facto significativo, o discurso de Berlim não afecta o programa da presidência francesa da União Europeia, nem sequer no plano da Conferência Intergovernamental (CIG), apresentado em Maio pelo primeiro-ministro. O Matignon acolhe até com um tom espantado qualquer pergunta sobre eventuais modificações, em função do discurso de Jacques Chirac. E as análises que surgem aqui e ali na imprensa europeia, a darem todo o protagonismo a Chirac na próxima presidência francesa da EU, esquecem que, nas coabitações francesas, as rédeas do poder estão nas mãos do primeiro-ministro.O ministro da Economia, Laurent Fabius, que acompanhava o chefe de Estado a Berlim, tem-se mostrado céptico quanto à ideia de se constituir um "grupo pioneiro". No entanto, o ministro considera com entusiasmo que o discurso do Presidente francês representa "um momento forte da construção europeia". Segundo o jornal "Le Monde", Laurent Fabius acrescentou, em privado, que não compreende por que razão Lionel Jospin não quis responder pessoalmente à proposta de uma federação europeia feita há dois meses por Joschka Fischer, o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, deixando assim o terreno livre a Jacques Chirac. As declarações de Fabius só são compreensíveis no contexto da inimizade política que o opõe a Jospin desde há muitos anos. Tal como o inesperado fervor europeu de Chirac é indissociável da rivalidade institucional da coabitação, e sobretudo da luta eleitoral que já o opõe a Lionel Jospin na perspectiva das presidenciais de 2002. Assim, Jacques Chirac falava para as chancelarias quando disse em Berlim que o primeiro-ministro Lionel Jospin, a quem o texto fora submetido de antemão, "poderia tê-lo escrito". Na realidade, Jospin tem-se mostrado pouco favorável à aceleração da integração. Por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Hubert Védrine, nunca escondeu as suas reticências a uma constituição europeia, mesmo se esta ideia foi já defendida pelo PSF. Além-Reno, é precisamente o "pragmatismo" de Chirac que suscita o interesse dos comentadores alemães. Como estes nunca lobrigaram um visionário político no Presidente francês, acham que se Chirac é agora tão europeu, é porque o vento sopra de feição para novos avanços da Europa. O jornal "Tagesspiegel" vê no discurso de Berlim "uma versão camponesa e menos explosiva do de Joschka Fischer". O "Die Welt" regozija-se sobretudo com o relançamento da relação franco-alemã: "O que parecia difícil de acreditar ainda há um ano, confirma-se: o velho motor está ligado de novo. E é bom, porque nada se passa na Europa sem ele."

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