Microcosmos do mundo teatral

Com o maior orçamento de sempre, o Festival de Teatro de Almada conta este ano com menos companhias, mas a qualidade dos espectáculos vindos de fora nunca foi tão grande, segundo a organização. Há 43 espectáculos para ver em duas semanas - entre 4 e 18 de Julho -, de onde se destaca a estreia do suíço Luc Bondy em Portugal com Beckett e o regresso dos catalães Els Joglars com "Daaalí". Novidade: um prémio para a melhor encenação em língua portuguesa.

E depois do sucesso da vinda a Portugal, no ano passado, do mítico Piccolo Teatro de Milano, o que é que o Festival Internacional de Teatro de Almada preparou para a sua 17ª edição? "Um nome mítico do teatro contemporâneo", o suíço Luc Bondy, encenador de teatro e ópera, que trará ao Centro Cultural de Belém (CCB) "a última grande encenação" de "À Espera de Godot", de Samuel Beckett. É a mais cara das 31 produções que compõem o festival - realizado entre 4 e 18 de Julho -, e "só é possível graças ao acordo de colaboração com o CCB", que assegura a maior parte da verba, anunciou o director do festival e da Companhia Teatral de Almada, Joaquim Benite, sem especificar, no entanto, a verba disponibilizada para este espectáculo. Este ano estarão presentes 27 companhias - menos nove do que no ano passado -, das quais 17 são estrangeiras, com uma "qualidade excepcional". "Temos um conjunto de espectáculos estrangeiros de qualidade maior do que no ano passado, o que implica um maior investimento financeiro", explicou Benite ao PÚBLICO. Por isso, o orçamento nunca foi tão grande: 100 mil contos para assegurar a realização de 43 espectáculos em duas semanas (mais 11 se incluirmos concertos e uma sessão de circo), distribuídos por 11 espaços diferentes. Outra das apostas do festival é a estreia em Lisboa da companhia Els Joglars, de Barcelona, com "Daaalí", um delírio visual inspirado na biografia do pintor surrealista Salvador Dalí. De Espanha chega também "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", de Edward Albee, com encenação e interpretação de Adolfo Marsillach, que dirigiu Raul Solnado, há duas décadas, em "Tartufo" de Moliére. E num festival que é tido como o melhor encontro internacional de teatro em Portugal - a par de Avignon e Edimburgo - e que pretende ser, como assinalou o director, "um microcosmos revelador das realidades mais significativas do teatro nas diversas partes do mundo", participam ainda produções de França, Reino Unido, Itália, Tunísia, Moçambique, Chile, Brasil e Índia. De França chega justamente uma das co-produções do festival, "O Cerco", uma encenação baseada no poema homónimo de Armand Gatti, que estará presente para uma conferência e sessões de leitura de textos. "Corrida" é uma viagem musical acompanhada de orquestra sobre uma mulher grega que parte em busca do pai, perdido em aventuras algures no México. Dirigida pelo polaco Wladyslaw Znorko, a peça do colectivo Cosmos Kolej, sediado em Lyon, conta com mais de 400 representações internacionais, aportando pela primeira vez em Portugal. "Magnificat" é uma adaptação de Fernando Pessoa encenada e interpretada por um actor português radicado em França, Victor de Oliveira. Estabelecendo uma ponte com o Oriente, os franceses do Ensemble Lidonnes oferecem "Monnaie de Singes" ("Dinheiro de Vento"), um encontro entre três personagens do teatro clássico - o arlequim da "commedia dell'arte" e os seus congéneres do "Kyogen" japonês e da Ópera de Pequim. O espectáculo é apresentado em Almada antes de seguir para o Festival de Avignon. Do Oriente, mais propriamente de Kerala, na Índia, vêm "Varredores", do Abhinaya Theatre, marcando a estreia portuguesa de uma prestigiada companhia indiana. "Eden Paradise...!", de Hassen Mouadhen, é uma proposta vinda da Tunísia, que se tem feito representar nas edições anteriores, mas que este ano traz a Portugal pela primeira vez a companhia do Teatro Nacional, com esta adaptação de "Une Saison en Enfer", de Rimbaud.O Reino Unido é representado por uma única peça baseada em "De Profundis", o texto que Oscar Wilde escreveu ao seu amante no cárcere, um solo encenado e interpretado por Corin Redgrave, irmão de Vanessa Redgrave, "membro daquela extraordinária família de actores ingleses", segundo Benite. "Larga a Minha Cabeça, Malandro", de Gilberto Mendes, é a proposta moçambicana de um grupo cujo trabalho é conhecido entre nós, o Teatro Gungu. "Museu do Pau Preto", uma encenação de Miguel Hurst estreada na Culturgest no início do ano, completa a representação africana. As produções portuguesas mereceram este ano "uma maior selectividade", contabilizando-se em 11 as companhias que integram o cartaz, menos sete que na edição anterior. Segundo Joaquim Benite, a preocupação maior foi procurar "não repetir os temas" e "trazer coisas novas", referindo-se aos projectos de Mónica Calle, Manuel Wiborg e Tiago Rodrigues, do colectivo Suburbe. O Teatro Nacional de S. João, do Porto, integra pela primeira vez o festival, com a ópera cómica "O Boticário" (música de Haydn, libreto de Goldoni), dirigida pela realizadora Ana Luísa Guimarães. Uma das novidades na edição deste ano é a criação do Prémio António José da Silva, no valor de mil contos, para a melhor encenação em língua portuguesa. "Todos os anos há alterações, esta é significativa", sublinhou Benite. O galardão será atribuído no último dia do festival.

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