Elas comem as nossas casas

Nos casos mais graves, as térmitas até devoram os livros nas estantes. Mas, muitas vezes, passam-nos despercebidas. Três cientistas portugueses compilaram dados relativos à sua distribuição geográfica.

Elas infiltram-se nas nossas casas discretamente, a coberto da luz, e deslocam-se em fila dentro das madeiras ou do solo. São brancas, ou de um branco-marfim, e vão fazendo canais na terra, e mesmo na alvenaria, até encontrarem uma madeira apetitosa, que é como quem diz húmida e tenrinha. Depois, devoram-nos a casa, até à última lasca, quase sem darmos por isso. Elas são as térmitas - e o primeiro estudo sobre a sua distribuição em Portugal continental foi apresentado esta semana, num encontro sobre conservação e reabilitação de estruturas, em Lisboa. "É a primeira vez que alguém em Portugal escreve que há térmitas aqui, ali e acolá", contou ao PÚBLICO a bióloga Lina Nunes, do Núcleo de Madeiras do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa. "Não havia nenhuma sistematização sobre térmitas." O diagnóstico não é lá muito bom para as casas portuguesas. A espécie que apresenta uma distribuição mais alargada é a térmita subterrânea já descrita, a "Reticulitermes lucifugus", também conhecida por formiga branca. É a que causa os problemas mais graves à madeira e, conclui-se agora, anda a roer-nos os edifícios de norte a sul. Registou-se a sua presença em 100 concelhos do país. O mapa publicado ilustra a distribuição da "Reticulitermes lucifugus", que corresponde a 35 por cento do país. Estas conclusões baseiam-se na pesquisa dos investigadores do LNEC que assinam o trabalho - Tânia Nobre e José Saporiti Machado, além de Lina Nunes. Fizeram uma revisão bibliográfica dos relatórios elaborados pelo Núcleo de Madeiras e da bibliografia geral e, ainda, uma recolha dos dados obtidos em observações por especialistas e por empresas de desinfestação. Os dados referem-se aos últimos 50 anos, em que se contabilizou um total de 517 ocorrências (observação num edifício ou na floresta). O maior número é dos anos 90 (388). "Admitimos que, nos últimos anos, a infestação esteja a agravar-se. Talvez os insectos passem mais da floresta, onde existiam calmamente, para os edifícios."Mais duas outras espécies estão ainda entre nós: a "Cryptotermes brevis", uma térmita de madeira seca encontrada apenas no Funchal (10 ocorrências); e a "Kalotermes flavicollis" (60 ocorrências), outra espécie que gosta de madeira seca. Portanto, a rainha das térmitas em Portugal é mesmo a "Reticulitermes lucifugus". E o concelho de Lisboa não está nada bem: das 53 freguesias da capital, 39 estão infestadas por ela. Pensa-se que as freguesias dos Anjos e São Jorge de Arroios estão muito atingidas, tal como as da Lapa e de Santa Maria de Belém - mas, como estas são mais ricas, é normal que se peçam mais vistorias e tratamentos. "É mais fácil as pessoas fazerem alguma coisa para deixarem de ter os bichos", diz Lina Nunes. Já para as freguesias em que não há registo de ocorrências, como o Alto do Pina, Ameixoeira, Charneca ou Carnide, a leitura é a inversa. "Não temos registos porque são zonas pobres. Uma pessoa que tem uma barraca não se preocupa com uns bichos na madeira. Mas não tenho dúvidas que estão lá."As térmitas também andam por todo o lado em Cascais e Oeiras. Aqui a interpretação não é apenas por ser uma zona rica: tal como Lisboa, são concelhos muito habitados. "As pessoas têm mesmo problemas de infestação. Como há uma grande concentração de casas, há mais madeira disponível."Nem os edifícios classificados escaparam ao apetite das térmitas. É o caso do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, o Palácio Nacional de Sintra, do Mosteiro de Tibães, em Braga, da Quinta das Lágrimas, em Coimbra, ou do Convento de Cristo, em Tomar, em que foram detectadas térmitas antes das obras de recuperação. Se agora estão de perfeita saúde, Lina Nunes não sabe. Não foi lá ver a eficácia dos tratamentos. Mas como são estas térmitas subterrâneas? Discretas, antes de mais. "Não é fácil dar por elas." Primeiro, encontram-se as asas que caem aos alados: mal deixam a colónia e vão para o exterior, perdem-nas e depois regressam à colónia e acasalam. Outro sinal são os canais na terra ou, por fim, quando o levantamento de uma madeira releva um mundo roído à procura da celulose. É importante conhecer a distribuição geográfica da térmita mais comum em Portugal para definir formas controlo das infestações, quer preventivas quer curativas. Evitar a humidade é fundamental: por exemplo, não pondo madeiras, como postes ou alpendres, em contacto com o solo. "Precisam de humidade para fazer os canais na terra e atacar a madeira, que não pode estar seca."A escolha das madeiras também é importante (elas adoram pinho) e pode até fazer-se-lhes um tratamento prévio à aplicação. Se a colónia já estiver estabelecida, então há que matá-la com produtos químicos.Não se pense que Lina Nunes quer a exterminação total das térmitas. "Elas cumprem a sua função no ecossistema. Mas quando lhes oferecem um habitat extra, elas agradecem." E remata: "Fiz a minha tese de doutoramento sobre térmitas subterrâneas. São uns bichos óptimos".

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