Africanos ganham sede

De copo na mão e "Deus no coração", a comunidade Cabo-Verdiana, residente no Algarve, passou ontem o domingo em festa pluri-racial. A pretexto da inauguração da sede da Associação dos Países Africanos de Língua Portuguesa, em Quarteira, o Município de Loulé prestou homenagem aos "operários em construção" que erguem aldeamentos turísticos, contribuiram para pôr de pé a EXPO/98, mas geralmente só são notícia quando algum dos seus conterrâneos é preso por suspeita da tráfico de droga.

Desde há sete anos que os africanos residentes no Algarve aproveitam o feriado do 1º de Maio para uma confraternização muito especial. A história começou durante um baptizado na igreja da Mãe Soberana, em Loulé. É o padre cabo-verdiano César Chantre que recorda esse episódio "nascido no altar e à volta de uma cachupa". Porém, o crescente número de africanos que passou a juntar-se para festejar o "dia do trabalhador" à maneira africana, obrigou as autoridades a pensar que nada já pode ficar ao acaso. Assim, este ano, o primeiro-ministro de Cabo Verde, Carlos Veiga, veio ter com os seus conterrâneos, para ouvir as mornas, cantadas "fora de casa", a pensar na cooperação entre os dois países. O convide partiu do presidente da Câmara de Loulé, Vítor Aleixo, o autarcada do concelho onde reside a maior comunidade de africanos na região. O padre Chantre, atentento não apenas aos fenómenos religiosos, aproveitou a presença de responsáveis para mandar alguns recados para dentro e fora da Igreja. Durante a homilia, celebrada na Igreja Matriz de Loulé, o sacerdote, lembrou que, desde 1995, foi instituído pelo Papa Pio XII, "São José, patrono dos trabalhadores, mas nem sempre a Igreja tem sabido fazer passar a sua mensagem". O santo, carpinteiro, embora não tenha na comunidade africana muitos seguidores de profissão - a maioria são pedreiros e serventes - já conta com muitos seguidores religiosos. Na Igreja Matriz de Loulé, onde se celebrou a missa da festa africana, a numerosa assistência - crentes e não crentes - cantou e admirou a música e os ritmos africanos. A todos o padre lembrou "aos que acreditam em Deus, e aos que não acreditam", que se "o homem não cultiva a auto-humildade, destroi-se". A mensagem não podia ser mais clara para os politicos que o escutavam. Antes, Titina, apresentada pelo pároco como "uma diva" da canção, interpretou uma morna e "a assembleia, formada por um mosaico de culturas", rendeu-se aos seus dotes vocais, conhecidos antes de Cesário Évora, embora sem projecção dessa figura internacional. Chegados ao almoço, cumpriu-se a tradição. Cada um levou aquilo que podia, juntaram-se os comes e as bebes, os grupos musicais subiram ao palco, e o povo dançou e divirtiu-se à grande e à africana. A princípio, na presença do chefe de Governo de Cabo Verde e outros individualidades, tudo parecia estar a cumprir o protocolo. Depois, à medida que o ritmo foi subido, as etiquetas foram-se perdendo. José Pedro, há 18 anos em Portugal, era um dos cerca de dois mil africanos que se juntaram no salão de festas para festejar. É pedreiro, trabalha em Vilamoura, mora em Almancil. A presença do primeiro-ministro do seu país na sala não o aquecia, nem arrefecia: "Vim à festa, vou ver se come e bebo qualquer coisa". Dirigiu-se para o bar com um amigo, de copo na mão, bem disposto, sem ter a curiosidade de olhar para a mesa de honra. Mas o salão de festas estava apinhado de gente que vestiu fato domingueiro para "honrar" o primeiro-minstro cabo-verdiano. O cônsul de Cabo Verde, no Algarve, José Afonso Duarte, estima em cerca de oito mil o número dos seus conterrâneos radicados na região, a segundo maior comunidade, depois da grande Lisboa. Os que trabalham, diz, estão perfeitamente integrados na sociedade, mas há também os outros, os que deslizam para os negócios de estupefacientes, sendo o "bairro do Palácio", em Portimão, e o antigo bairro dos pescadores, em Quarteira, dois dos lugares paradigmáticos desse tipo de criminalidade. No entanto, a política de integração social, desenvolvida pelas autarquias, sobretudo através da erradicação das barracas, em parte, contribui para esbater esses estigmas. José Afonso Duarte afirma que a "falta de habitação continua a ser o grande problema, empurrando muita gente para a marginalidade". Sobre os crimes de droga diz: "é pena que a polícia não apanhe os traficantes de colarinho branco. Geralmente, só são detidos os cabo-verdianos que são atraídos pelo dinheiro fácil". O bairro do "Palácio" é um dos lugares referenciados pelas autoridades policiais como sendo o "super-mercado da droga", mas é certo e sabido que o "negócio" não se restringe àquele espaço, onde moram cerca de quatro centenas de pessoas em barracas. Em Quarteira, o bairro da lata foi demolido para dar lugar ao porto de pesca, as pessoas realojadas, e assim a comunidade africanca passou a ser vista com outros olhos pela população. De resto, foi nesta vila que foi inaugurada a sede da Associação dos Países Africanos de Língua Portuguesa, com o objectivo de dar apoio aos cidadãos e estabelecer pontes de cooperação. Nesse sentido, Regina Casimiro, da Câmara de Loulé, especialista na área do saneamento básico, vai integrar o quadro dos seis técnicos que, ao serviço do consórcio formado pelo IPE-àguas de Portugal e EDP vai participar nas obras de dessalinização da água do mar e reutilização das águas residuais em quatro ilhas: Santiago, São Vicente, Sal e Boa Vista. O objectivo é criar as bases para o desenvolvimento local, acautelando questões ambientais, dado o manifestado interesse dos operadores turísticos.

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