A Escola da Noite encantada no labirinto

"A Hipótese", de Robert Pinget, estreia na 5ª feira no Espaço A Capital, em Lisboa. Estreia não, porque o actor e encenador Diogo Dória apresentou a peça pela primeira vez há mais de dez anos. E a 9 de Maio há mais Pinget, também com Dória.

Antes ainda deste livro ter sido editado pela Cotovia, Abel Neves entregou à Escola da Noite os trinta textos que integram "Além as Estrelas São a Nossa Casa" com a indicação de que sete já seriam suficientes para suportar a construção de um espectáculo teatral. A Escola da Noite gostou tanto deles que, em vez de sete, adoptou dez quadros: "Para um dia pintar o guarda-rios"; "Além as estrelas são a nossa casa"; "Cabeleira de Berenice"; "Eléctrico para o céu"; "Ring the bell please"; "Se estivesse na pele de um índio seria uma tatuagem"; "O dia, metereologicamente"; "Um pouco como as pirâmides do Egipto"; "Anda, vamos ver as montras"; e "Eu se não subo ao pessegueiro morro"."Era muito difícil escolher, são quadros muito diferentes, embora haja alguns nexos - uns mais subtis, outros mais evidentes - entre eles", afirma António Augusto Barros que dividiu a encenação com Sílvia Brito. A reflexão sobre o próprio teatro, os monólogos e as situações relativas à intimidade das relações, que constituem conjuntos identificáveis nos textos de "Além as Estrelas...", estão aqui representados nesta sua primeira passagem por um palco. Nesse sentido, António Augusto Barros compara mesmo o produto final a uma espécie de "passagem por um labirinto, uma teia..." E, entre romper com o "tempo normalizado" ou com as regras convencionais do teatro e rasgar aquela teia, a companhia optou por preservar esta última, assumindo o desafio e os riscos inerentes.Ficámos, assim, com um espectáculo de quase três horas, uma duração que a profundidade dos textos não deixa passar despercebida. Mas que também é atenuada por elementos que conferem dinamismo à função: do trabalho do elenco de actores - que conta com as aquisições recentes de Cristina do Aido e Paula Marques -, à cenografia muito ágil e funcional a que nos tem habituado João Mendes Ribeiro, passando pelos próprios figurinos e pelo recurso ao vídeo - uma novidade no trabalho d'"A Escola da Noite". O resultado é um espectáculo que, até em termos puramente visuais, agrada aos sentidos.Por outro lado, esta 21ª produção d'A Escola da Noite, transmite a ideia de que a companhia conhece cada vez melhor os cantos à casa - o teatro-estúdio do Pátio da Inquisição -, e consegue tirar mais partido das potencialidades, e até das limitações, que esta encerra.É a segunda incursão da companhia na dramaturgia portuguesa contemporânea, depois de "A Birra do Morto", de Vicente Sanches, em 1995. É uma opção sempre mais arriscada, sublinha o encenador: "Quando os actores usam as palavras do nosso quotidiano e falam de coisas do nosso tempo, o julgamento do público é sempre mais severo", porque se representam coisas que ele conhece e também protagoniza. E há quadros onde isso é perfeitamente perceptível, ainda que representem uma aposta ganha, como o diálogo no metro, entre o casal separado de "Um pouco como as pirâmides do Egipto".Por outro lado, acrescenta António Augusto Barros, também não é todos os dias que se encontram textos com a qualidade dos mais recentes de Abel Neves. "Quando li pela primeira vez "Para pintar o guarda-rios", pareceu-me um texto apenas poético. Reconheço que não vi nem metade. É que também é teatralmente muito bem construído", confessa o encenador sobre as micro-peças do dramaturgo, autor de outras obras de mérito consensual, como "Lobo-Wolfe".Estes são dias em que é perigoso andar com uma gaiola na mão, tal como recorrer a corantes naturais para pintar pássaros e gatos. Vivemos tempos em que o sono pode ser confundido com o pranto e em que fugimos a olhar para as estrelas, talvez por medo de sermos conduzidos até elas pela morte e não nos conformarmos com esse destino. O melhor será disfarçar, com uma naturalidade forçada, excessiva até, não vá dar-se o caso de estarmos a ser vigiados por câmaras ocultas que nos fazem pesar a consciência, mas sempre nos distraem de perigos mais próximos... De tudo isto nos fala Abel Neves nestes pequenos quadros que, para António Augusto Barros, testemunham a entrada do dramaturgo na sua fase madura.Como os pêssegos, imagina-se, que um pobre homem exibe ao público à entrada e durante o intervalo do espectáculo, com um desabafo insistente: "Eu se não subo ao pessegueiro morro." Chega mesmo a mostrar-nos a carta que recebeu do vereador, a comunicar-lhe que a árvore que permanece no terreno que lhe expropriaram terá mesmo que ser abatida, por estorvar um viaduto.É este homem que entra em cena no derradeiro quadro. Os pêssegos são adereços, são falsos, mas a comiseração que sentimos pela personagem, após o derrube da árvore, é verdadeira. Aquilo diz-nos respeito. Partilhamos com ele a consciência de que, às vezes, é difícil explicar o que é fácil de compreender.

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