Bach para todos

É uma festa-maratona: durante dois dias o Centro Cultural de Belém dedica-se a celebrar a grande música de Bach, num festival que pretende chegar a todos os públicos. Serão 70 concertos, de curta duração, com bilhetes entre 500$00 e 1000$00 e a presença dos mais ilustres intérpretes da obra do genial compositor. A inspiração vem da "Louca Jornada" de Nantes.

O Centro Cultural de Belém (CCB) promove nos próximos dias 29 e 30 de Abril uma grande Festa da Música dedicada a J. S. Bach. Entre as 14 h e as 24 h, seis salas baptizadas com o nome das principais cidades onde Bach passou a sua vida recebem alguns dos mais ilustres intérpretes da música do compositor alemão. Em apenas dois dias terão lugar 70 concertos, além de conferências e projecções de vídeo. O modelo inspira-se na "Folle Journée", de Nantes, um festival concebido por René Martin, que pretende levar a música clássica a todos os públicos através de uma fórmula completamente nova. Tudo começou quando Miguel Lobo Antunes, assessor para a programação cultural do CCB, visitou a "Folle Journée" de Nantes há dois anos a convite da Embaixada Francesa. "Era fabuloso, as pessoas acorriam aos milhares. Verifiquei que havia outra maneira de ir aos concertos de música clássica", contou na conferência de imprensa de apresentação do programa realizada ontem à tarde.A ideia de fazer algo de semelhante em Lisboa foi imediata. Miguel Lobo Antunes falou com René Martin, director artístico e autor do projecto de "La Folle Journée" de Nantes, que visitou Lisboa para avaliar as possibilidades do projecto. Fascinado com as múltiplas potencialidades do CCB e a com a sua experiência na produção de vários tipos de espectáculo rapidamente se estabeleceu uma colaboração entre as duas equipas. "O nosso objectivo é que o público que não frequenta habitualmente concertos de música erudita venha ouvir as Variações Goldberg ou a Paixão segundo São João com a mesma naturalidade com que ouve música popular", comentou. "Quando a música é bem interpretada chega facilmente a todos. Escolhemos os artistas que melhor poderão traduzir a emoção da música de Bach." Em próximas edições haverá mais intérpretes portugueses e do mundo inteiro. Este ano, por uma questão de facilidade há um grande predomínio dos franceses. Pedro Burmester, Rui Paiva, João Vaz e a Orquestra e Coro Gulbenkian são as presenças nacionais deste ano. No plano internacional destaca-se a presença de agrupamentos tão ilustres como La Petite Bande, de Sigiswald Kuijken, Le Concert des Nations de Jordi Savall, o Ensemble 415 de Chiara Banchini, o Ensemble Stradivaria de Michel Laplénie, o Ricercar Consort de Philippe Pierlot, do Collegium Instrumental Brugensis, o Quarteto Ysa?e ou dos irmãos Hantaï. Entre os solistas teremos Pierre Hantaï, Blandine Verlet, Davitt Moroney, Olivier Baumont, Peter Wispelwey, Régis Pasquier, Renaud Capuçon, Gérard Caussé, Alain Menuier, Jean-François Heisser, Anne Quéffelec e Zhu Xiao Mei, entre muitos outros. Serão contempladas as duas escolas de interpretação, em instrumentos da época e instrumentos modernos."Um dos princípios básicos deste modelo de festival reside nos concertos de curta duração, cerca de 50 minutos, por causa da capacidade de concentração. "Quem não está habituado a ir a concertos tem dificuldade em concentrar-se durante muito mais tempo. Por outro lado, os melómanos veteranos podem assistir facilmente a quatro, cinco, seis ou mais concertos, e construir o seu próprio programa", explicou Miguel Lobo Antunes. Os preços dos bilhetes são extremamente acessíveis (1000$00 para o Grande Auditório, 500$00 para as restantes salas) o que permite assistir a um bloco de concertos pelo preço de um, circulando de sala em sala. Não há passes.Como em Nantes, as várias salas serão baptizadas com nomes relacionados com a vida de Bach, neste caso as cidades mais importantes onde viveu. É que o festival está rodeado de pequenos pormenores que têm uma função didáctica. No foyer do Grande Auditório realizam-se pequenos concertos de entrada livre. Será uma espécie de "quiosque musical". As pessoas passam e têm a oportunidade de ouvir música, como se estivessem na rua.Haverá também venda de livros e discos, projecções de vídeo e conferências sobre a obra de Bach, a cargo de Rui Vieira Nery, Felipe Mesquita de Oliveira e Teresa Cascudo.Durante os dias em que decorre a Festa da Música será preciso adquirir pelo menos um bilhete para um concerto para se entrar no CCB, mas esse dará acesso a todo o centro - aos restaurantes, às exposições, às várias actividades paralelas. Os concertos são numerados, pelo que as pessoas podem solicitar os bilhetes por números. Estarão à venda a partir de amanhã no CCB e nas lojas FNAC do Porto e de Lisboa. Disponibilizou-se também uma linha telefónica especial, através da qual as pessoas podem solicitar o envio do programa (21 3612777).Uma iniciativa desta envergadura necessita de vários meios para captar as pessoas. E porque a Festa da Música pretende chegar especialmente a um público jovem, tem-se desenvolvido várias actividades com escolas. Músicos e actores têm visitado várias escolas para interpretar e falar de Bach. Depois as crianças são convidadas a ir ao CCB assistir a pelo menos um concerto. Neste momento estão 3000 crianças inscritas.Outra iniciativa paralela prende-se com o lançamento de uma biografia de Bach em português, da autoria do cravista Davitt Moroney, que será posta à venda com o PÚBLICO no próximo dia 14 de Abril. Terá uma tiragem de 18 000 exemplares, um número inédito para uma obra desta natureza. O espírito da Festa da Música deverá atravessar as paredes do CCB e estender-se a toda a cidade. Cerca de 300 lojas aderiram à ideia de decorar as suas montras com motivos alusivos a Bach e de ter o programa do festival acessível."Nantes era uma espécie de Bela Adormecida que acordou graças à 'La Folle Journée'. Em seis anos atingiu uma notoriedade nacional e internacional impressionante. No primeiro ano venderam-se 25.000 bilhetes, este ano 85.000", comentou Jacques Daniel, presidente da Citè des Congrès e da Mairie de Nantes). "É uma manifestação emblemática do intercâmbio cultural europeu." A ideia é partilhada por João José Fraústo da Silva (presidente do CCB) e Jean Paul Rebaud (director do Instituto Franco Português e conselheiro da secção cultural da Embaixada da França) que a refere como um "símbolo perfeito da Europa em construção, aquela Europa da Cultura que está mais nos discursos dos políticos do que na prática." Lisboa foi a primeira cidade escolhida por René Martin para exportar a sua ideia. Um futuro candidato será Bilbao, que vai enviar uma comitiva a Lisboa. Só depois de assistir à Festa da Música decidirá se embarca ou não nesta aventura.

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