Construir para um dia destruir

Em Cascais as aberrações urbanísticas são da responsabilidade exclusiva do PSD, proclamou o presidente da autarquia. Tudo o resto, o que está a ser feito por ele, tem uma justificação. O que importa é garantir obra, mesmo que tal seja feito à base de concessões aos construtores. E depois, porque as coisas são como são, talvez no futuro se deite abaixo o que hoje está a ser feito. Judas dixit.

Parte do que está agora a ser erguido em Cascais poderá talvez ser deitado abaixo dentro de 15 anos, admitiu, sexta-feira, o presidente da autarquia, José Luís Judas, durante uma visita ao concelho promovida apenas para jornalistas. Foram mais de três horas para responder, segundo ele próprio assumiu, ao que o PÚBLICO escreveu sobre Cascais e ao que foi dito depois. Judas falou, pois, na sexta-feira, depois de durante meses se ter recusado a fazê-lo.Falou e disse, então, que há coisas como as que foram ou estão ainda a ser feitas na Guia ou no Rosário, mas não só, que talvez mereçam um dia vir abaixo. Coisas cuja responsabilidade ele atribui em exclusivo às gestões do PSD que o precederam na Câmara de Cascais. Mas outras também já pensadas por ele. "Talvez dentro de 15 anos haja condições", adiantou, pois, Judas. Condições, repita-se, para deitar abaixo, à semelhança do que se passa na vizinha Espanha, por exemplo em Torremolinos, como fez questão de recordar o autarca. Por lá arrepia-se caminho, por cá espera-se pelo futuro.Entretanto vai-se construindo. Que tenha sido Judas a renovar alvarás para a Guia ou o Rosário e que, por isso, várias das construções tenham ali arrancado já nos seus mandatos é algo que ele apresenta como inevitável. Assim o quis o mercado: porque "antes não havia e agora há" e por isso os promotores resolveram concretizar o que tinham garantido no papel. E assim o determinou também, afirmou, o facto de não haver nem dinheiro para quebrar os compromissos assumidos, nem justificação legal para o fazer.Mesmo que, segundo Judas, o que está ali, na Guia e no Rosário, seja fruto da "maior vigarice urbanística que se fez em Cascais". Apadrinhou-a o PSD que nos anos 80 mandava na câmara, sublinhou o autarca, acrescentando que o que hoje continua a ser vendido como habitação foi licenciado na forma de equipamentos hoteleiros, com financiamentos a fundo perdido e dispensa de obrigações no que toca a equipamentos. "Num país decente isto dava cadeia", concluiu.Seja como for, o certo é que se continua a construir com densidades máximas naquela porta de Cascais para o Guincho. Corredores de cimento que terão complemento, já na direcção da vila, nos cerca de 50 mil metros quadrados de área total de construção garantidos, estes sim por Judas, para a área da Praça de Touros e sua envolvente.Para já, nos seus seis anos à frente da autarquia, Judas, como ele próprio anunciou, aprovou cerca de oito mil novos fogos, dos quais dois mil no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER). Subtraindo os consagrados ao PER, isto dá qualquer coisa como 18 mil novos residentes potenciais. Destes não falou o autarca. Apenas disse que voltava a repetir tudo por inteiro. Porquê? Por exemplo, porque prefere ter "mais dois mil novos fogos do que mil barracas", as únicas alternativas que encontrou para a Quinta das Tainhas onde está agora a ser erguida a mega-urbanização que dá pelo nome de Jardins da Parede. Uma "causa social": nas Tainhas viviam 350 famílias em barracas, a câmara não tinha os terrenos necessários para assegurar a construção para realojamento e fez, por isso, um acordo com o grupo construtor que detinha aquela propriedade e várias outras. No âmbito deste acordo o construtor foi avançando com o PER em troca de concessões no domínio urbanístico. Assim nasceu a nova urbanização com os seus mais de dois mil fogos distribuídos por prédios que chegam aos oito pisos. O futuro dirá se no meio de todo aquele cimento haverá lugar para os mais de 100 mil metros quadrados de jardins para ali prometidos pelo autarca.Mas disse também Judas que a assumida densificação da construção se justifica ainda em Cascais pela necessidade de equipamentos para o concelho. Por causa disso, por exemplo, se vai construir quase nos índices máximos à entrada da vila de Cascais: porque "se não fossem essas concessões tínhamos que pagar um bambúrrio" pelo interface que vai servir a estação da CP e que assim passou a ser suportado pelo urbanizador. Exemplos não faltarão no concelho e em todos os outros, acrescentou Judas, para quem a obra das autarquias - o que chama de "milagres" - se pode apenas fazer com o "reforço da habitação" ou seja, ir ao máximo no que toca a massas construídas em troca de mais equipamentos.Uma nova Reboleira? Responde Judas que não, porque ali, no seu concelho, os andares são vendidos a 50 mil contos ou mais. Estabelecida a diferença, não há maneira de conter a construção. Ou se há isso é coisa que apenas compete ao mercado. Disse-o também Judas, apontando o caminho: "Aumente-se o valor dos terrenos e da habitação". E porque Cascais não tem feito outra coisa senão crescer vai ser necessário gastar, segundo anunciou, cerca de 20 milhões de contos em novas vias. Seis no total, para dar corpo a um novo sistema viário que, segundo Judas, foi pensado para desviar o trânsito do centro da vila de Cascais, criar novos acessos à auto-estrada e tornar mais fluída a circulação no interior das outras localidades do concelho, algumas das quais serão atravessadas a prazo por vias rápidas com quatro faixas de rodagem.

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