O outro lado do Dot

A SIC diz que o Dot é infalível e deixa de funcionar se mudarmos de canal. Será verdade? Colocámos a pergunta a cientistas portugueses e descobrimos que a resposta está na máquina que valida os Dot, à qual não pudemos aceder. Pelo caminho, o PÚBLICO descobriu que a tecnologia do Dot esconde possibilidades muito interessantes.

O Dot foi apresentado no mercado português como um mecanismo de fidelização das audiências impossível de enganar. Se o espectador se atrevesse a fazer 'zapping', o Dot reconheceria de imediato essa "infidelidade", sendo invalidado. Mas será verdade o que a SIC alega? Alexandre Cabral, do Laboratório de Apoio às Actividades Aerospaciais do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, tem algumas dúvidas quanto à eficácia do Dot."Se o equipamento é tão sensível que permita determinar um 'zapping', essa sensibilidade pode levar à eliminação de Dot correctamente expostos em televisões que tinham o brilho mal regulado", explica o cientista. "O brilho varia consoante as marcas de televisão e a regulação de cada espectador." Ou seja, para o cientista, das duas uma: ou a sensibilidade é menor do que a SIC apregoa, ou há Dot devidamente activados que podem ser invalidados por uma má regulação do brilho.Andrej Henkler, o responsável da multinacional holandesa TV Miles (que detém a patente do Dot e comercializa o produto), garante que o intervalo do brilho das televisões está garantido e assegura que o Dot é mesmo capaz de detectar o"zapping". "Há um período de tolerância de dois ou três minutos no início e fim de todos os programas, para permitir ao espectador colocar e retirar o Dot". E se o Dot cai da televisão? "Bem, se não for colocado nos cinco ou dez minutos seguintes, é como se fosse mal exposto", diz Andrej Henkler. O Dot é um mecanismo de fidelização de audiências que é composto por um círculo de cartão esburacado e uma película de filme fotocrómico. Tem este nome porque muda de cor por acção da luz. No caso do Dot, muda de laranja para amarelo - daí ser essa a cor do "redondinho da sorte" na publicidade.O Dot é activado com sinais RGB (iniciais em inglês das cores vermelha, verde e azul) que funcionam com diferentes comprimentos de onda de luz e, segundo Andrej Henkler, é possível saber se houve ou não 'zapping' porque a máquina de validação conhece a sequência e duração do sinal emitido em todos os programas e intervalos. "O sinal da série 'Médico de Família' é diferente do de 'Jornalistas'", explica. E porque é que o símbolo desaparece nos intervalos? "Cada anúncio tem um código de cores específico e a máquina sabe que o da Coca Cola, por exemplo, tem determinadas cores e duração. E armazena a informação de todos os anúncios", esclarece Andrej Henkler.Os argumentos da TV Miles parecem fazer sentido, mas a única forma de os confirmar seria experimentar na máquina alguns Dot cujas condições de exposição conhecemos. A SIC começou por concordar com a ideia, para depois dizer que seria necessário pedir autorização à TV Miles. Depois de vários dias a tentar contactar Andrej Henkler, este finalmente disse-nos que só poderíamos fazer o teste no fim da próxima semana. "Esta máquina é um equipamento muito sofisticado e caro e eu quero ter a certeza que não lhe acontece nada. Quero estar presente no dia em que a forem ver", explicou ao telefone. Isto apesar de as validações dos Dot, realizadas por técnicos competentes, serem usualmente feitas à quinta-feira. Ou seja, pela lógica, ontem houve uma.Um aspecto mais interessante e menos conhecido do Dot é a possibilidade que o sistema apresenta de funcionar quase como uma televisão interactiva. Imagine que assiste a uma final do "Chuva de Estrelas" e quer votar num cantor. A SIC poderia disponibilizar vários círculos - tantos quantos os candidatos - e o espectador só teria de colocar o seu no concorrente eleito. E enviar para a SIC."O que está previsto na patente do Dot é muito mais do que a versão portuguesa", diz João Rocha, coordenador do Centro de Química Inorgânica e de Materiais da Universidade de Aveiro. "O Dot é mais interessante do que parece à primeira vista. É uma boa ideia para usar um material que já se conhece há muito tempo." A patente regista a ideia, independentemente do material usado. Se hoje o Dot é de cartão, amanhã pode ser uma lente de celofane que funcione como lupa e permita a uma criança transformar a imagem numa zona do ecrã, durante um programa de detectives, para ler a chave de um mistério. Ou integrar um "chip", permitindo o envio imediato da informação, por telefone. "Mas é uma possibilidade limitada no tempo", explica João Rocha. "Deixará de fazer sentido quando a televisão digital aparecer."

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