Catarina foi ao Alentejo

De um remoto pub irlandês para um isolado café alentejano: com "Lucefécit", o Teatro Aberto regressa a Conor McPherson, jovem dramaturgo irlandês que roubou as atenções do teatro londrino no ano passado. Catarina Furtado, também de volta aos palcos, promete fazer o mesmo por cá.

Entra-se na sala do Teatro Aberto e o cheiro a eucalipto insinua-se, permanece até ao final de "Lucefécit", peça que estreou ontem à noite, em Lisboa. Entra-se, portanto, num território que procura envolver o espectador, fazê-lo esquecer-se de que está diante de um palco e sentá-lo à mesa do café onde se desenrola a acção (melhor dizendo, as conversas) de "Lucefécit". "Descobri que os espectáculos funcionam melhor quando são mantidos num tom de conversa, simples. É isso que os torna verosímeis. A tentação talvez seja pôr o actor a dar espectáculo, fazendo-o explicitar as coisas através da representação. Mas um espectáculo assim nunca será tão interessante como aqueles em que o actor confia que a história faz o que há para fazer", explica o autor da peça, o irlandês Conor McPherson, num texto publicado a propósito de "Água Salgada", que o Teatro Aberto apresentou em 1997. Nova coqueluche do teatro londrino, McPherson, de 28 anos, venceu o Prémio Olivier para melhor nova peça no ano passado graças a "The Weir", que também passou pela Broadway, e emergiu como uma das vozes mais singulares da dramaturgia britânica contemporânea. Mas é talvez excessivo chamá-lo contemporâneo, porque o que McPherson faz é recuperar a velha tradição de contar histórias, encarando o palco como um lugar de encontro, semelhante a um bar ou café, onde a narração, mais do que a representação, serve o seu propósito de envolvência do espectador. "A peça é capaz de ter tido sucesso por ser simples. E talvez nessa simplicidade contenha muita coisa... Se calhar, o público está farto de peças complexas. Esta é uma peça que volta à velha magia do teatro de contar histórias, talvez seja por isso, não sei... ", diz o encenador João Lourenço, que, à semelhança do que fizera com o trabalho anterior de McPherson, adaptou-o a um contexto português, em parceria com a sua habitual colaboradora na dramaturgia, Vera San Payo de Lemos, depois de um trabalho de pesquisa numa povoação alentejana no concelho do Alandroal. "The Weir" passou então a "Lucefécit", nome de uma barragem daquela região e que serve de pano de fundo ao cenário da peça, que recria um café alentejano, balcão ao centro, rodeado de mesas e com uma salamandra ao canto. É ali que se irão cruzar as cinco personagens da peça, quatro homens solitários e uma jovem mulher vinda da cidade ("uma rapariga muito fina, solteira, lá de Lisboa e tudo isso!", como diz Jaime, personagem interpretada pelo actor Luís Alberto, até agora ligado à companhia da Malaposta). A chegada da mulher, Vânia - que assinala o regresso de Catarina Furtado ao Teatro Aberto, depois do seu desempenho como "stripper" em "Quase", no ano passado -, acompanhada por Fernando/António Cordeiro, o típico filho da terra que partiu para a cidade em busca de prosperidade, desencadeia uma sucessão de histórias fantásticas, devidamente habitadas por espíritos e misteriosas pancadas na porta, ligadas à barragem e à casa que ela alugou, presumivelmente assombrada. Pontuadas por alguns momentos de humor (graças, sobretudo, à ingenuidade da personagem de Francisco Pestana e à deferência dos homens para com a mulher), as confissões preparam o caminho para que Vânia - calada e de ar grave durante quase toda a peça - exorcize os seus próprios fantasmas e conte a sua história dramática."Lucefécit" mantém-se até Maio no Teatro Aberto, de quarta a sábado, às 21h30, e aos domingos, às 16h.

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