Ben Harper, pura combustão

O Festival Super Bock Super Rock' 2000 terminou da forma mais electrizante: Ben Harper e os Innocent Criminals arrebataram anteontem o Coliseu do Porto durante duas horas de pura combustão. A edição deste ano atingiu um recorde: quase 50 mil espectadores. Nem só do Verão vivem os festivais!

Duas semanas electrizantes. A máxima promocional da 6ª edição do Festival Super Bock Super Rock não podia ter sido mais apropriada para classificar esta maratona de concertos que principiou com os Bush e ontem terminou com Ben Harper. O músico norte-americano, anteontem no Coliseu portuense - e certamente também ontem, no concerto que estava marcado para a sala homónima de Lisboa -, deixou um público em pura combustão. Pela primeira vez no Porto, Ben Harper electrizou uma plateia reverente ao longo de duas horas praticamente ininterruptas.Harper e os Innocent Criminals - o seu trio inseparável de acólitos - iniciaram a actuação com um conjunto de temas em versão mais eléctrica, muitos deles extraídos de "Burn to Shine". "Alone", "Forgiven", "Woman in you", "Please bleed" e "Steal my kisses" - a finalizar a primeira parte do concerto - foram as canções escolhidas, a par da revisitação de temas mais antigos como foi o caso dos incontornáveis "Don't take that attitude to your grave" e "Faded" (uma das reminiscências de Jimi Hendrix). Mas a passagem do compositor norte-americano pelo Coliseu portuense não se ficaria por aqui.O espectáculo de anteontem acabaria por ter três partes distintas. A fase inicial da actuação de Harper, sempre sentado, em permanente mudança de guitarra, mas com clara preferência pela "slide guitar", foi a mais contida de todas elas. A revelação estava reserva para os dois "encores" que se seguiram e que se prolongaram até à exaustão. No primeiro deles, Harper regressou sozinho ao palco para quatro canções acústicas, entoadas estridentemente por uma plateia incapaz de se manter silenciosa. Mas a melhor parte do concerto foi, certamente, o final empolgante. No segundo dos "encores", os músicos debitaram uma amálgama de sons cuja corrente eléctrica ameaçou explodir a sala. As percursões de David Leach, a bateria de Dean Butterworth e, sobretudo, o baixo incrível de Juan Nelson emanciparam-se. E o resultado não podia ser outro senão uma despedida apoteótica e arrebatadora.Esta foi a quinta actuação de Ben Harper em Portugal, que, embora não se trate do paradigma do artista do "star system" musical, goza de um estatuto muito próprio no que se convencionou apelidar de mercado alternativo. Tem razão o músico norte-americano quando diz que se recusa a ser conhecido por pertencer a um estilo musical em particular, preferindo ser reconhecido pelo talento e qualidade das suas composições. Ben Harper está para além de qualquer classificação redutora. De álbum para álbum, o músico evoluiu gradualmente até à combustão de "Burn to Shine", o quarto e último registo até à data, lançado em Setembro do ano passado (aquele em que o compositor mais tempo investiu). "Burn to Shine" é a condensação em disco da herança musical norte-americana, do rock de "Less" a baladas ruidosas como "The Woman in You", do gospel de "Show me a little shame" aos solos de guitarra de "Forgiven". Numa combustão em que as sonoridades acústicas se combinam com a música mais eléctrica, criando um palimpsesto onde se ressuscita Jimi Hendrix ou Marvin Gaye.Na primeira parte do concerto de Harper - que edita no próximo mês, nos Estados Unidos, uma caixa que contém os seus três primeiros discos e deverá lançar ainda este ano um álbum gravado ao vivo -, actuou Joseph Arthur. Sobre este trovador pouco há a dizer, para além das suas canções mais intimistas não terem encontrado o local certo no Coliseu do Porto e do facto de ser um dos apadrinhados de Peter Grabriel na sua editora Real Wordl.Com o Coliseu do Porto quase cheio e o Coliseu de Lisboa com lotação antecipadamente esgotada para ouvir Ben Harper, esta 6ª edição do Festival Super Bock Super Rock atingiu a cifra recorde de cerca de 49 mil espectadores, segundo números avançados ao PÚBLICO pela organização. Ao todo, nestas duas semanas, antecipadas agora para o mês de Março, o programa do certame (29 concertos de 25 bandas) passou por cinco salas de espectáculos das duas cidades, enchendo algumas delas, nomeadamente com os concertos de Beck, Bush, Ben Harper, Guano Hapes e Da Weasel, o que prova que nem só de Verão vivem os festivais. A edição do ano 2000 despediu-se ontem das duas cidades com os islandeses dos Gus Gus, Steph e Herb Legowitz, na sua faceta de "dj's", no Hard Club, em Vila Nova de Gaia, e com o retorno de Harper ao Coliseu de Lisboa.

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