Sr. Damon e Sr. Ripley

Um imita Chet Baker, o outro canta no duche. Entre o talentoso Sr. Ripley do mais recente filme de Minghella e o talentoso actor que lhe veste a pele não há muito em comum, até porque Matt Damon não quer ser outra pessoa. Mas admite que não se importava de ter o talento de Marlon Brando. Em entrevista, no Festival de Berlim, onde o filme está em competição, Damon diz que a interpretação de um personagem homossexual não é, afinal, "um risco assim tão grande".

No seu novo filme, "O Talentoso Sr.Ripley", Matt Damon desempenha um homem encantador, bem parecido e com demasiados talentos: consegue aldrabar, fazer-se passar por outras pessoas, até mesmo cantar. No entanto, no final do filme vemos que cometeu demasiados crimes e que está metido num inferno. Tortura-se também pelo facto de não conseguir assumir que é homossexual. Na novela de Patricia Highsmith, passada nos anos 50, a homossexualidade de Ripley era uma mera sugestão, mas o realizador Anthony Minghella (o mesmo do oscarizado "O Paciente Inglês") tornou a questão numa força motriz. "Não acho que seja assim um risco tão grande," responde um Damon de cara fresca sobre o facto de representar um personagem "gay". "Acho que na América muita gente achou que sim. Mas isso fazia parte de Ripley. Eu vejo a sua homossexualidade como situacional. Tem a ver com quem ele está na altura, num certo sentido é uma sexualidade oportunista, embora pense que ele é realmente gay. Mas não considerei isso um risco, achei mais arriscado que ele fosse capaz de matar. O que foi estranho é que na América as pessoas omitiam o facto de três pessoas terem sido mortas por este tipo e só davam importância à sua sexualidade." Ripley é uma personagem mais complicada e mais adulta que o actor de 29 anos que tão convincentemente representou o rapaz/homem de "O Bom Rebelde" e "O Resgate do Soldado Ryan". Damon queria o papel a todo o custo: "Achei que o tom era original para um filme americano, especialmente um proveniente dos estúdios. Gostei da ideia de que existem muitas coisas que ele fez que são moralmente questionáveis, sem dúvida erradas, no que diz respeito ao assassínio de pessoas." Falando no Festival de Cinema de Berlim, onde o filme foi exibido em competição, Damon explicou que o papel era muito exigente e que teve que fazer uma dieta especial para ter o mesmo peso do mais naturalmente magro Jude Law (nomeado para o Óscar de Melhor Actor Secundário), o menino rico que Tom Ripley gostaria de ser. Law faz de Dickie Greenleaf, um pintor frustrado que passeia o seu ócio por Itália, e Gwyneth Paltrow é Marge, a sua namorada. Damon teve que ficar a olhar enquanto Law vivia "la dolce vita", a ganhar todo o peso que conseguisse enquanto Damon tinha que continuar concentrado e magro. Quanto à personagem que interpreta no filme de Minghella, é interessante pensar que as acções de Damon podem ser questionadas moralmente. Mas Damon tem uma segurança que Ripley seguramente não tem. Damon não quer ser outra pessoa, mas admite que não desdenhava algum do talento de Marlon Brando. "Até certo ponto, o filme é um aviso sobre o que acontece quando nos descartamos da nossa identidade na procura de alguma coisa: ele mostra-nos que a felicidade chega quando resolvemos os nossos conflitos internos e quando encontramos algum espaço interior e satisfação naquilo que somos." De momento Damon parece satisfeito, particularmente com a sua carreira. Seja por motivos de publicidade ou não, diz que os filmes que lhe deram mais prazer são justamente "O Talentoso Sr. Ripley" e "All the Pretty Horses", do actor/realizador Billy Bob Thornton. Neste último, Damon é um jovem texano que cavalga rumo ao México em 1949 e se apaixona pela filha (Penelope Cruz, a freira de "Tudo Sobre a Minha Mãe") de um dono endinheirado de um rancho que consegue meter o jovem cowboy numa prisão mexicana. Muito recentemente, Damon contracenou com Will Smith no filme de Robert Redford "The Legend of Bagger Vance", outro drama de época sobre um herói de guerra e jogador de golfe da Georgia que consegue competir contra os profissionais "top" da nação enquanto recebe conselhos e orientação de um "caddie" negro. Seja como for, Damon não está prestes a repetir a carreira dupla de cantor e actor, mesmo que tenha tido a oportunidade de cantar em "O Talentoso Sr. Ripley": "Levei a tarde inteira para acertar com a canção ["My Funny Valentine"] e havia engenheiros de som a tentar que soasse o melhor possível. Eu canto no duche mas não tenho quaisquer aspirações em tornar-me num Will Smith ou numa Jennifer Lopez", graceja Matt Damon. "Era apenas o Tom Ripley a imitar o Chet Baker."

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