O homem que criou mulheres

Ficará para a história não tanto pela sua obra como pelas mulheres que ao seu nome estiveram associadas. Lançou as carreiras de Brigitte Bardot e Jane Fonda, entre outras. E casou-se com elas, também. Roger Vadim, realizador de cinema francês, morreu ontem em Paris, aos 72 anos, depois de muitos filmes e muitas mulheres.

"Um 'playboy' é um profissional das mulheres. Que não as ama, mas que ama o sucesso que obtém através delas", dizia Roger Vadim. Acrescentando que não era um "playboy", o que leva a concluir que amou todas as suas mulheres. E elas foram muitas. Brigitte Bardot. Annette Stroyberg. Catherine Deneuve. Jane Fonda. Catherine Schneider. Marie-Christine Barrault.Algumas delas começaram a sua carreira no cinema com Vadim, e a obra de Roger Vadim Plemniakov, realizador francês que ontem morreu em Paris de cancro, aos 72 anos, fica marcada por elas. Sobretudo Bardot, cujo mito inventou com "E Deus Criou... a Mulher", e Fonda, que tornou famosa com "Barbarella".Realizou mais de vinte filmes, que raramente tiveram grande acolhimento da crítica. Como John Derek, Vadim será recordado não tanto pelas suas qualidades de cineasta mas pela habilidade de converter as suas mulheres em estrelas de cinema e "sex symbols".Vadim estudou arte dramática e foi assistente do realizador Marc Allegret, mas no início dos anos 50 trabalhava como jornalista para a revista "Paris Match". A sua vida mudou quando conheceu Brigitte Bardot. Viu-a pela primeira vez numa capa da revista "Elle", em 1950, tinha BB apenas 15 anos. Contra a vontade dos pais de Bardot, os dois casaram-se em 1952.Quatro anos depois, Vadim dirigia Bardot em "E Deus Criou... a Mulher". Nesse filme, BB era uma Lolita adulta, sensual mas ingénua. Como Marilyn, só que francesa - logo, mais livre das restrições puritanas dos códigos "hollywoodescos" que lhe permitiam, senão despir-se completamente, pelo menos torturar a audiência com a promessa de nudez."E Deus Criou... a Mulher" foi um escândalo e, claro, um sucesso em todo o mundo. O público e até o Vaticano reagiram chocados não só à exploração do corpo de Bardot mas ao hedonismo e à aura libertária do filme; BB tornou-se na "sex symbol" europeia dos anos 50 e 60.Vadim repetiria a fórmula em outros filmes, como em "Bijoutiers du Clair de La Lune" (1958) ou, mais tarde, "Don Juan 73" (1973), mas logo após "E Deus Criou... a Mulher" o casamento de ambos desfez-se. "Fazer amor com ela excitava-me cada vez menos", escreveria Vadim numa das suas cinco-autobiografias-cinco, todas elas dedicadas tanto a si próprio como às suas mulheres. "[Com Bardot] compreendi o que significa a expressão 'cumprir o dever conjugal'." Bardot arrastaria a carreira por uma série de filmes que se limitavam a explorar a sua imagem - a excepção terá sido "O Desprezo" (1963), de Jean-Luc Godard - até se afastar definitivamente do cinema em 1974.Já Vadim preferiu continuar o seu caminho, casando com a "starlet" dinamarquesa Annette Stroyberg em 1958, e dirigindo-a no ano seguinte no também escandaloso "Ligações Perigosas". Tem uma filha com Stroyberg, e divorcia-se dela ao fim de dois anos. Conhece então mais uma lenda do cinema francês, Catherine Deneuve, com quem não casou mas teve também um filho - quando a actriz de "Belle de Jour" ainda só tinha 18 anos. Realizou com ela "Le Vice de la Vertu" (1962), separaram-se, e as recordações que Vadim evocou dela também não são grande testemunho do seu cavalheirismo: "[Deneuve] tornou-se cada vez mais dura e agressiva, tornou-se logo numa estrela mimada."1965: mais uma mulher, mais uma actriz, mais uma sex symbol, mais uma loura, mais um casamento. A americana Jane Fonda será a vedeta de "Barbarella" (1968), um filme a meio caminho entre o "soft porno" e a "space opera". O casamento não durará muito, e mais uma vez o realizador recordará a sua ex-mulher com a elegância do costume: "[Fonda] é uma dona de casa de classe média. É ingénua e puritana", Vadim dixit.Os anos 70 de Vadim são mais discretos. A sua esposa seguinte, Catherine Schneider (casaram em 1975), não se tornou numa "sex symbol", e a sua carreira cinematográfica prosseguiu com títulos de menor sucesso. O último filme de Vadim completa o círculo da sua carreira - uma versão em Hollywood de "E Deus Criou... a Mulher" (1987), que quase nada tinha a ver com o original. E desta vez Vadim nem sequer se casou com a estrela, Rebecca de Mornay."A fidelidade irrita-me", dizia Roger Vadim, mas o seu último casamento - com a comediante francesa Marie-Christine Barrault, em 1990 - durou até ao fim dos seus dias. Até morrer, encenou algumas produções teatrais e rodou vários telefilmes, o último dos quais "Un Coup de Baguette Magique" (1997), contava com Barrault na protagonista. Já na década de 90, Vadim reflectia sobre a sua vida: "O mal que eu fiz foi ter tornado famosas mulheres que eram anónimas quando com elas me casei".

Sugerir correcção