Torne-se perito

Crianças gordas, adultos obesos

A televisão, o computador e a troca do pequeno-almoço pelos doces entre as refeições são algumas das causas para o aumento da obesidade nas crianças da Holanda. Depois de pesados 14.500 crianças e jovens, viu-se que estão a ficar gordos e talvez se tornem adultos obesos. Em Portugal, começam agora a fazerem-se os primeiros estudos, nos adultos e em adolescentes, que indicam uma tendência imitar o peso dos europeus.

Imagine-se sentado em frente à televisão depois do jantar. Se não resistir a uma guloseima, talvez o seu filho, de quatro anos, que conseguiu adiar a ida para a cama, lhe siga o exemplo. Não só a televisão puxa o mau hábito de consumir guloseimas e comida excessivamente rica em calorias, como as crianças com mais de quatro anos apresentam padrões alimentares semelhantes aos dos pais - estes dois factores estão entre os culpados pela epidemia de obesidade que está a surgir nos países desenvolvidos, alerta nesse sentido mais um grande estudo holandês, que acaba de ver a luz do dia na revista "Archives of Disease in Childhood". A equipa de Anka Miranda Fredriks, do Departamento de Pediatria do Centro Médico da Universidade de Leiden, estudou, em 1996 e 1997, 14.500 crianças e jovens de toda a Holanda (7482 rapazes e 7018 raparigas), cujas idades oscilavam entre um mês e os 21 anos. Miranda Fredriks quis ver se a epidemia de obesidade já teria chegado à Holanda e o que constatou não é tranquilizador: entre 1980 e 1997, o número de crianças obesas, dos três aos seis anos, quase duplicou: passou dos cerca de dez por cento para os 20 por cento. Os adolescentes ficaram gordos, mas não tanto: passaram dos dez para cerca de 13 por cento, aproximadamente. "Há mais obesidade nas crianças pequenas. Também há obesidade nos adolescentes, mas a diferença não é tão grande como nas crianças em relação a 1980", disse ao PÚBLICO Miranda Fredriks. "Na Holanda, a prevalência da obesidade tinha estabilizado em 1980, mas, afinal, verificou-se um aumento de 1980 a 1997", comenta Cristina Padez, antropóloga da Universidade de Coimbra que está envolvida em estudos sobre a estatura e a obesidade dos portugueses. Ao contrário de muitos países ocidentais, a Holanda parecia, até aqui, incólume à epidemia de obesidade. "Nos Estados Unidos, tem sido relatada uma prevalência alarmante da obesidade nas crianças e nos adolescentes desde o início dos anos 80. No Reino Unido, detectou-se um aumento impressionante no Índice de massa corporal, particularmente nas mulheres jovens, entre 1973 e 1988. Na Holanda, os valores do peso e da altura estabilizaram no período entre 1965 e 1980", relata a equipa. "Parece que o aumento da obesidade se deu depois dos anos 80", conclui. A equipa estudou ainda um fenómeno nas crianças holandesas chamado pico da adiposidade ("adiposity rebound"), que é um indicador usado para prever se uma criança será um adulto obeso. Depois de uma perda de peso, entre os dois e os quatro anos, este fenómeno traduz-se em seguida por um ganho de gordura e de peso. O que a equipa observou, e considera preocupante, é que o salto normal na gordura e peso nas crianças holandesas está a dar-se mais cedo: em 1980 acontecia aos seis anos, mas em 1996-97 tinha recuado para os cinco anos e meio. "Quanto mais cedo é o pico da adiposidade, maior é o risco de obesidade nos adultos", escrevem os autores. E Cristina Padez acrescenta: "A forma corporal que vamos ter mais tarde - não direi definitivamente, mas em parte- é estabelecida nesta idade". Portanto, se a fórmula crianças gordas, adultos obesos não tem uma correlação absolutamente directa, o facto é que é um forte indicador. A endocrinologista Isabel do Carmo, do Núcleo de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, comenta o resultado do estudo holandês nesta linha de raciocínio: "Houve um aumento da obesidade na idade do pico da adiposidade, que parece prever o aumento da obesidade dos adultos. O peso aumentou e aumentou mais cedo".Miranda Fredriks utilizou como medida da obesidade o índice de massa corporal (IMC), que se obtém dividindo o peso em quilos pelo quadrado da altura em metros. Segundo normas adoptadas pela Organização Mundial de Saúde, existem seis classes de IMC: inferior a 18,5 (peso a menos), entre 18,5 e 24,9 (peso ideal), entre 25 e 29,9 (pré-obeso), e depois os obesos de classe I (com um IMC entre 30 e 34,9), os obesos de classe II (entre 35 e 39,9) e os obesos da classe III (40 ou mais). Uma pessoa que tenha 1,7 metros de altura e 80 quilos de peso, por exemplo, tem um IMC de 27,68, correspondente ao peso em quilos (80) a dividir pelo quadrado da altura (1,7 x 1,7 = 2,89) - o que a coloca dentro da classe dos pré-obesos. No fim do artigo, os investigadores especulam sobre as possíveis causas para este aumento da obesidade nas crianças da Holanda. Os factores são os de sempre e o dedo é outra vez apontado à televisão - se alguns estudos nos Estados Unidos não estabeleceram uma correlação entre o aumento do índice de massa corporal e a televisão, outros associam-nos claramente. "Um estudo holandês constatou que 40 por cento das crianças holandesas com mais de 12 anos gastam mais de duas horas por dia a ver televisão. Talvez dois mecanismos desempenhem um papel em conjunto - um gasto reduzido de energia, bem como um aumento da ingestão de calorias quando se está a ver televisão ou em resposta aos anúncios de comida", especula a equipa.Na discussão sobre as possíveis causas há, também, o exemplo dos pais: "Uma constatação consistente é a de que as crianças mais novas cujos pais têm excesso de peso consumem dietas mais ricas em gorduras que as crianças com pais magros. Um estudo holandês concluiu que os padrões alimentares das crianças depois dos quatro anos são semelhantes aos dos pais". Depois, há a cedência aos produtos ricos em calorias que inundam os supermercados, os cafés, os restaurantes, as ruas. "Comparações entre adolescentes mostraram que a ingestão de sumos de fruta, refrigerantes e 'gorduras invisíveis' aumentou na última década. Para além disso, mais doces e refeições ligeiras são ingeridas entre as refeições regulares, provavelmente estimuladas pelo facto de cada vez mais crianças e adolescentes não tomarem o pequeno-almoço. Isto foi observado com mais frequência nas crianças cujos pais são pouco instruídos e nas crianças que vivem nas grandes cidades."Para Cristina Padez e Isabel do Carmo quase tudo se resume a um culpado: o estilo de vida sedentário. "Enquanto antigamente muitos miúdos viviam nas zonas mais rurais, em que brincavam e pulavam na rua, hoje vivem nas zonas urbanas. Normalmente, ficam em casa a ver televisão ou ao computador. Está provado em vários estudos, nas crianças e adultos, que ver televisão também puxa outro mau hábito: comer rebuçados e chocolates", diz Cristina Padez. Ao que Isabel do Carmo acrescenta: "A indústria agro-pecuária e a comercialização estão montadas no sentido de um consumo maior de comidas hipercalóricas. O interesse do consumidor não deve ser esse: deve rejeitar esses alimentos". Para evitar a obesidade, os médicos recomendam exercício físico (andar a pé, subir escadas...) e a redução do consumo de gorduras, lembrando que mesmo uma ligeira perda de peso tem efeitos positivos sensíveis na saúde.

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