Partituras saem das gavetas

Criada em 1990 por Francisco Motta Veiga, a Musicoteca é a única editora musical a funcionar em Portugal de forma sistemática. Acaba de ser publicar mais três volumes com obras de Lopes-Graça, mas durante o ano 2000 haverá muito mais partituras prontas a ser tocadas. Dos clássicos e dos contemporâneos da música erudita portuguesa aos Xutos e Pontapés, numa estratégia que começou com 100 anos de atraso e que quer acabar com a produção dos compositores nacionais para a gaveta.

A Musicoteca acaba de lançar mais três publicações dedicados a Fernando Lopes-Graça: "Música de Piano para Crianças", "Canciones de Tierras Altas" e um volume dedicado à guitarra que inclui a "Sonatina" e "Quatro Peças para Guitarra". É mais um contributo para a colecção Clássicos da Música Portuguesa, que conta já com um apreciável conjunto de títulos, onde figuram peças de Vianna da Motta, Cláudio Carneiro, Luiz Costa, Jorge Croner de Vasconcelos, Francisco de Lacerda, Armando José Fernandes ou Joly Braga Santos, entre muitos outros. Uma realidade que seria impensável há dez anos, quando Portugal era quase um deserto em matéria de edição musical. A Musicoteca, com sede em Lisboa, centra a sua actividade editorial nos autores portugueses e, além de partituras avulsas dedicadas a obras mais antigas, possui ainda a colecção XX-XXI, consagrada aos compositores contemporâneos. Nela se podem encontrar obras de Jorge Peixinho ou Constança Capdeville, mas também de Sérgio Azevedo, António Pinho Vargas, Luís Tinoco, Alexandre Delgado, Isabel Soveral ou Amilcar Vasques Dias. "Desejamos apenas que os portugueses façam parte do circuito normal. Tem sido bastante difícil porque estamos com mais de 100 anos de atraso nesta matéria", explica Francisco Motta Veiga, fundador e editor da Musicoteca. "Jorge Peixinho não teve uma única obra publicada vida! A nova geração começa a ter outras oportunidades. Penso que o sentimento de compor para a gaveta vai desaparecer. Hoje os compositores sabem que vão ser apreciados por outros que não os seus amigos, o que também é uma responsabilidade acrescida. Quando há um editor no meio é como se o compositor fosse levado mais a sério."Pela sua importância na história da música portuguesa, Lopes-Graça é um dos autores centrais nas edições da Musicoteca. Já saíram 12 títulos e Motta Veiga pretende continuar até esgotar as obras principais do imenso catálogo do compositor. "O acordo foi feito com Lopes-Graça ainda em vida. Pedi-lhe para conhecer melhor a obra dele e fui lá a casa. Tinha as partituras todas atafulhadas num baú que lhe ofereceu o Vianna da Motta, em péssimas condições. Teve de se montar uma operação gigantesca de duplicação dos originais. Mais tarde estabeleceu-se um acordo com a Câmara de Cascais que tem apoiado todas as edições. Ele tinha muito empenho em publicar os 'Prelúdios' e a 'Música de Piano para as Crianças'. Infelizmente só ficaram concluídas depois da sua morte."Além das edições comerciais a Musicoteca possui também um catálogo de aluguer, com partituras para os grandes agrupamentos, que não justifica para já uma edição de venda ao público. "Se as peças de grandes dimensões forem tocadas, o compositor passará a vender mais facilmente as suas obras a solo ou de câmara." São estas últimas, de utilidade mais imediata para os músicos e estudantes de música, que constituem o grosso das publicações. "A preferência é sempre por tudo aquilo que possa fazer a música viver. A perspectiva musicológica está presente, mas tem de estar em equilíbrio com a perspectiva comercial. Digamos que produzimos para o músico prático com rigor musicológico."As edições são "o coração da Musicoteca", mas esta editora é também o ponto de contacto com os principais colegas internacionais para o aluguer de partituras estrangeiras. Começou por nascer associada a uma livraria de música, que fechou nos finais de 1999. "Foi uma opção estratégica. Ou se alargava a sério ou então era melhor fechá-la. Por razões pessoais era complicado continuar a mantê-la e resolvi dar primazia à reestruturação da parte editorial."O trabalho de edição musical é extremamente moroso, não obstante a utilização das novas tecnologias. A edição é feita em computador, usando o piano digital como "máquina de escrever" para inserir as notas. Mas a partitura implica ainda a colocação de toda uma multiplicidade de símbolos musicais como as dinâmicas ou as articulações. Depois vem a paginação, onde se combinam aspectos musicais, gráficos e estéticos. "Há preciosismos que vão ao ponto de verificar qual é o momento em que o instrumentista tem a mão livre para virar a página". O passo seguinte são as revisões, acertos e correcções feitas pelo músico ou musicólogo revisor ou pelo próprio compositor. Apesar da produção se fazer com alguma lentidão, durante o ano 2000 a Musicoteca prevê lançar, entre outras, obras de Lopes-Graça (o 5º volume das Canções Regionais, "Quatro Invenções" e "Três Inflorecências", para violoncelo solo, as Canções sobre poemas de Eugénio de Andrade e as primeiras Peças para Piano), Luís de Freitas Branco ("Canções Francesas" e "Quarteto de Cordas"), Vianna da Motta, Luís Costa e Joly Braga Santos. Para os Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea, a realizar em Junho, a Musicoteca está também a preparar a partitura da última obra de Peixinho "Viagem da Natural Invenção", revista por Aldo Brizzi. "As obras de Peixinho são bastante problemáticas. Como ele trabalhava directamente com os músicos, havia muita coisa que indicava nos ensaios e não anotava na partitura. Só quem trabalhou de muito de perto com ele pode fazer um bom trabalho de revisão," conta Motta Veiga.Outra aposta para o futuro é a inclusão de música ligeira no catálogo. Estão quase prontos um volume com música para guitarra de José Peixoto (guitarrista dos Madredeus) e outro com os trechos do álbum "20 Anos 20 Músicas" dos Xutos e Pontapés.

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