Torne-se perito

A tecnologia XCEPTIONal

Uma empresa portuguesa vendeu à NASA uma ferramenta informática destinada a testar até que ponto é que a tecnologia de supercomputação que a agência espacial norte-americana quer aplicar aos seus projectos espaciais é fiável. A empresa chama-se Critical Software e o produto comercializado é o Xception. Vai avaliar, nomeadamente, a resistência dos computadores de bordo das sondas e naves à radiação cósmica.

A agência espacial norte-americana NASA vai recorrer a tecnologia portuguesa para avaliar a fiabilidade de um novo modelo de computadores de bordo, que tem múltiplas aplicações. A construção de telescópios espaciais de raios gama para estudar buracos negros e supernovas, de satélites destinados à detecção de recursos minerais terrestres e ao estudo das tempestades solares e magnéticas e até de pequenos robôs semelhantes ao Mars Rover (o popular carrinho que a sonda Mars Pathfinder libertou no solo de Marte, em Julho de 1997) podem vir a depender de sistemas computacionais cuja robustez - nomeadamente, a resistência aos raios cósmicos - é aferida pela ferramenta Xception. É este produto informático que a NASA acaba de comprar à Critical Software, uma empresa de Coimbra especializada no desenvolvimento de programas informáticos de detecção de falhas e recuperação de dados.Pode descrever-se o Xception como um programa que simula a troca de "bits" pelos computadores, que é como quem diz induz falhas na recolha e processamento da informação. O Xception confronta os computadores com perturbações semelhantes àquelas a que os dispositivos electrónicos estarão previsivelmente sujeitos no espaço, testa os mecanismos de tolerância às falhas e fornece soluções para superá-las. Em suma, contribui para tornar os sistemas computacionais mais robustos e fiáveis.O Xception é fruto de dez anos de investigação do Departamento de Engenharia Informática (DEI) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, donde saiu o núcleo fundador da Critical, e de dois anos de desenvolvimento nesta empresa. Compreende-se o interesse da NASA por este programa. Não se pode erguer uma escada para consertar um satélite e os técnicos de informática que prestam assistência ao domicílio ainda não se deslocam ao espaço. E, no entanto, da mesma forma que os nossos computadores pessoais estão sujeitos a "bugs" e a "crashar", os dispositivos electrónicos que o homem manda para o espaço também não estão livres de se defrontarem com dificuldades que não conseguem, por si só, resolver. Com a agravante de, para estes últimos, os problemas não se ultrapassarem com um simples "restart". Só muito excepcionalmente é economicamente vantajosa a reparação de um dispositivo espacial: o telescópio Hubble só foi reparado porque valia, de facto, muitos milhões de dólares.O programa Xception vai passar, nos próximos três a quatro meses, por um período de adaptação aos sistemas informáticos utilizados na NASA, no âmbito do projecto REE (Remote Exploration and Experimentation Project) da agência espacial norte-americana. Trata-se de um projecto que tem por objectivo levar a capacidade de supercomputação ao espaço.A autonomia funcional e o número de operações por segundo processadas pelos dispositivos espaciais ainda são muito baixas. O Mars Rover anda escassos centímetros por hora. E os satélites, por exemplo, estão condicionados pelo peso e pelo consumo energético, que têm de ser o menor possível. Por outro lado, a NASA procura evitar o recurso às pilhas e reactores atómicos que, além de pesados, inspiram muitas desconfianças: um acidente no lançamento do satélite poderia provocar uma chuva atómica.Finalmente, os dispositivos espaciais têm de ser tolerantes a falhas, porque os raios cósmicos têm grande potencial energético e são particularmente agressivos. Normalmente, quando atingem aqueles dispositivos, provocam falhas "soft", ou seja, falhas que se limitam à deterioração ou alteração da informação recolhida. Mas já aconteceu a troca de "bits" provocada pelos raios cósmicos resultar na avaria dos computadores. É neste domínio que o Xception se revela particularmente importante, enquanto contributo para tornar os sistemas computacionais mais robustos.Por outro lado, ao introduzir uma série de interferências nas imagens recolhidas no espaço, a radiação cósmica obriga a que essas imagens tenham que ser "filtradas" na Terra. Se parte deste processamento pudesse ser feito ainda no espaço por computadores mais potentes, que enviariam resultados mais ou menos finais em vez de dados em bruto, obter-se-iam ganhos substanciais (cinco a dez vezes mais, calcula a NASA) na quantidade de informação útil transmitida.A Critical Software integrou, há anos, um consórcio que se candidatou a trabalhar com a NASA no âmbito do REE e que acabou por ser preterido. Mas a agência espacial norte-americana fez saber à empresa de Coimbra que estava interessada no programa Xception. "Modéstia à parte", afirma João Gabriel Silva, do DEI - parceiro da Critical Software neste negócio - "a NASA olhou para as outras ferramentas e viu que, neste caso, estávamos à frente". Se essa vantagem não fosse "muito clara", acrescenta o professor da Universidade de Coimbra, a falta de tradição da tecnologia portuguesa e a "atitude extremamente proteccionista dos Estados Unidos em relação à sua indústria de ponta" teriam inviabilizado a prossecução dos contactos. Ainda assim, João Carreira, presidente da Critical, conta que a empresa esteve um ano a ser "avaliada" pela NASA, com quem pode vir a colaborar noutros projectos. Nos planos da empresa está também o trabalho com a Agência Espacial Europeia (ESA). Por isso integra o consórcio Lusospace, juntamente com a Edissoft e a Skysoft, para se tornar um concorrente mais forte nos concursos de fornecimento de serviços e materiais à ESA.

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