Com a Maçonaria não se brinca!

O Largo do Leal Senado estava diferente. Com música, danças, declamações, bolos e sandes, os alunos da Escola Portuguesa de Macau fizeram uma festa para mostrar solidariedade com o povo timorense. Houve até quem pintasse um quadro, com cores frias, que são "as que representam a dor".

Era mais uma festa de família - todos se tratavam de "irmãos" - do que um convencional lançamento literário. Houve discursos, os autores agradeceram, o livro vendeu-se, seguiram-se os autógrafos, o beberete e demais coisas que ilustram este tipo de função. Mas havia a diferença de "aquele" livro estar a ser apresentado no Grémio Lusitano, em Lisboa, e por aquelas pessoas. Para que não restassem dúvidas sobre a seriedade do acto, mesmo se o título é brincalhão, ele foi presidido pelo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, coronel Eugénio Oliveira, ladeado pelo venerável irmão, mestre (escultor) Lagoa Henriques. A eles coube fazer as "honras da casa". Estiveram no seu melhor - embaraçados, cheios da melhor boa vontade que (mal) disfarça a má vontade em submeter a pessoal vontade numa função contrariante. Coube-lhes a palma do humor na sessão de lançamento de um livro que se intitula "Com a Maçonaria não se brinca!", com textos do jurista Manuel Pinto dos Santos e "cartoons" do artista gráfico Joaquim Zeferino. "Com a Maçonaria não se brinca!". Depois das bem intencionadas intervenções do grão-mestre e do mestre escultor, não restam dúvidas: Pois não.Ao editor José Manuel Ferreira deve ser endossada a responsabilidade da situação e, de resto, ele aceitou-a. É certo que "com coisas sérias não se brinca" e se há coisa que ele leve muito a sério, sublinhou, é a Maçonaria. Mas não é menos verdade que para um editor um "dito de espírito é sagrado", sobretudo se puder publicá-lo. E era precisamente esse o caso. Foram palavras que queriam emparceirar com a ironia do livro, mas depois da apresentação do grão-mestre tudo o mais que se dissesse era sensaboria.Das palavras do coronel Eugénio Oliveira não se ficou a saber grande coisa do livro propriamente dito. Foi antes um discurso sobre a censura, atitude impensável naquela casa, ao contrário do que fazem certas áreas comerciais, que impedem a venda da mais recente obra de João Ubaldo Ribeiro, "Na Casa dos Budas Ditosos", esse sim, um livro que lera e que o auditório ficou a saber que valeria a pena comprar, mesmo que não fosse nos hiper ou super-mercados Continente e Pingo Doce. Ainda há livrarias.Ficámos também a saber que Bertrand Russel escreveu um dia que não há mal nenhum em ter relações pré-nupciais. Por isso foi censurado, suspenso da sua faculdade, mas depois recebeu o prémio Nobel [1950]. Que mal pode haver, pois, em contar com uma ironia não maldosa alguns episódios da vida maçónica?Nenhum. mestre Lagoa Henriques, com a sua autoridade de ancião, deu a definitiva caução ao livro a duas mãos de Zeferino e Pinto dos Santos. Explicou que era uma obra decente. Bem diferente de algumas que para aí circulam, cujos autores até merecem retrato no "Juízo Final" da RTP-2, mas que numa sociedade sã nem teriam direito de circulação, é o caso dessa coisa que já acabou e dava pelo nome de "Gaiola Aberta". Ao "irmão" Zeferino coube falar da criação da obra. Homem prevenido, o "cartoonista" decidiu pôr em escrito a prosa que devia ler, não fosse a luz da sabedoria apagar-se-lhe no preciso momento em que lhe era mais necessária. Mas era impossível que o espírito dos anteriores oradores não contagiasse tudo à sua volta e Joaquim Zeferino não desmereceu quando chegou a sua altura. Pareceu mesmo que se esquecera do discurso em casa, mas ele sabia que isso não era possível. Devia tê-lo no bolso. E tinha. Não propriamente no que tinha mais à mão, mas num daqueles interiores, do lado do coração, onde se guarda a carteira e demais coisas preciosas. Foi laudatório para a casa templária onde há anos se iniciara e agora ali se encontrava. Estendia o prazer que sentia naquele momento e não saberia exprimir o reconhecimento e amizade que tinha pelo seu companheiro de obra literária, sem cuja inteligência, cultura, afabilidade, disponibilidade, generosidade, criatividade... , nunca aqueles desenhos teriam vindo à luz.Enfim, "Com a Maçonaria Não se Brinca!" é, de facto, uma obra simples, sem maldade, destinada a um público específico, mas que também faz rir os profanos.António Melo

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