Torne-se perito

A Croácia orfã de Tudjman

Após alguns anos de grande discrição, a Croácia regressa à ribalta da actualidade política e mediática. A morte do Presidente Franjo Tudjman, anunciada na madrugada de ontem, vai originar a recomposição do cenário político interno. E a evolução do regime pode ser determinante para toda a região dos Balcãs. Num cenário de grande incerteza política, a apenas três semanas das legislativas, aguarda-se uma "transição pacífica". Mas no interior do HDZ, o partido no poder desde 1990 e em acentuado declínio, há muito que as diversas facções começaram a contar as espingardas.

Uma longa doença acabou por vitimar ontem o primeiro grande protagonista das convulsões que abalaram a antiga Jugoslávia desde o início dos anos 90. Eram duas horas da manhã de sábado, hora local, quando a televisão oficial interrompeu a programação para anunciar num breve comunicado a morte do Presidente Franjo Tudjman, que oficialmente ocorreu às 23h15 de sexta-feira. O fundador do Estado croata independente, um sonho que o líder de Zagreb concretizou mil anos após a dissolução na coroa húngara do reino medieval croata - para além do breve período independentista durante o regime pró-nazi de Ante Pavelic -, estava internado deste o início de Novembro no hospital Dubrava, em Zagreb, devido a problemas no estômago e nos intestinos. Apesar do secretismo que sempre rodeou a doença de Tudjman, um cancro detectado em 1996 acabou por vencer "o filho mais querido da nação croata". Em finais do mês passado, o Parlamento tinha já declarado Tudjman temporariamente incapacitado e designou como seu substituto o presidente da Assembleia, Vlatko Pavletic. O chefe de Estado em exercício também compareceu perante os ecrãs durante a madrugada para prestar um tributo ao defunto líder. "Devido à Constituição e ao destino, é meu dever informar a todos os cidadãos que o grande coração de Franjo Tudjman, homem de Estado e primeiro Presidente da independente e soberana Croácia, deixou de bater", disse Pavletic na televisão. "Não deixemos de manifestar a nossa mágoa nem contenhamos as nossas lágrimas pelo grande homem". A emissão passou a emitir o "Requiem" de Mozart e documentários sobre as actividades políticas do Presidente nos últimos dez anos. Uma das últimas decisões de Tudjman consistiu na marcação das eleições legislativas para as vésperas do Natal, uma data fortemente criticada pela dividida oposição e pela própria hierarquia da Igreja católica croata, e destinada a beneficiar uma Comunidade Democrática Croata (HDZ, que fundou em 1989 e se mantém no poder há nove anos) em nítido recuo nas sondagens. Devido à sua doença, as legislativas acabaram por ser adiadas para 3 de Janeiro de 2000, e de acordo com a Constituição em vigor Pavletic tem agora 60 dias para organizar as eleições presidenciais. No início da tarde de ontem, milhares de cidadãos começaram a desfilar perante o caixão onde repousa Tudjman, transferido para o palácio presidencial de Pantovcak, numa das colinas da capital. Foi decretado luto nacional de três dias e as cerimónias fúnebres estão marcadas para amanhã. As reacções internacionais à morte do "pai da independência" e um dos principais protagonistas da violenta desagregação da federação titista começaram a surgir de imediato. Em Helsínquia, e confrontados com o desaparecimento do autocrático dirigente de Zagreb, os líderes da União Europeia optaram por alguma contenção nas suas declarações. "Esperemos que as próximas eleições e a nova situação política ajudem a Croácia a caminhar em direcção a um país democrático", referiu Javier Solana, ex-secretário-geral da NATO e actual chefe da política externa da UE. Em Washington, a Casa Branca exprimiu as suas condolências à família do Presidente e ao povo croata, e desejou que as próximas eleições "demonstrem um envolvimento crescente da Croácia em favor da democracia". Mike Hammer, porta-voz do Conselho Nacional de Segurança sublinhou os esforços do país "para ocupar o seu lugar numa Europa unificada e democrática" e disse que o seu Governo aguarda "uma transição tranquila e democrática e a realização de eleições presidenciais em conformidade com a Constituição". A Hungria, a República Checa, a Itália ou o Canadá contam-se entre os primeiros Estados que comentaram a morte do Presidente, mas a reacção mais azeda foi emitida a partir de Belgrado. Durante uma conferência de imprensa, o ministro sérvio da Informação, Aleksandar Vucic, membro do ultranacionalista Partido Radical (SRS), assegurou que o povo sérvio "jamais esquecerá e perdoará o 'pogrom' [na Croácia] do povo sérvio e a ocupação dos territórios sérvios", num alusão às operações militares de 1995 que expulsaram a quase totalidade da população ortodoxa sérvia instalada desde há séculos na Croácia. Em paralelo, um conselheiro do Vuk Draskovic, líder do mais moderado Movimento de Renovação Sérvio (SPO, principal força da oposição), considerou que a morte de Tudjman apenas terá "uma influência modesta sobre a situação na região". Apesar de, como sublinhou, "poder influenciar o início do processo de democratização no país".

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