Pregar a palavra do drum 'n' bass

Nos últimos três anos, LTJ Bukem e toda a trupe Good Looking tentaram cumprir uma missão: levar o drum 'n' bass às massas. Num momento em que o género passa por dificuldades de afirmação, LTJ Bukem, Blame, Rantoul, MC Conrad e DRS vêm a Portugal, pela primeira vez, pregar a palavra do drum 'n' bass e evangelizar os cépticos.

Desde há cinco anos que algumas das figuras mais representativas das novas tendências da música urbana, nascidas nas margens das pistas de dança, passam por Portugal. LTJ Bukem era um dos últimos moicanos que nunca havia actuado em solo luso, apesar de várias vezes essa possibilidade ter sido aventada. Agora, quando as hostes mais ortodoxas do género que ajudou a popularizar parecem passar por uma crise de confiança momentânea, LTJ Bukem vem a Portugal, em conjunto com MC Conrad, Blame, DRS e Rantoul, para demonstrar que o jungle / drum 'n' bass ainda tem uma palavra a dizer no contexto da música contemporânea. É que apesar da tão propalada crise - real ou fictícia? - de um dos géneros musicais mais inovadores da década, LTJ Bukem continua a ter razões para sorrir. A edição de discos das suas várias editoras - Good Looking, Looking Good, Cookin' Records, Earth, Ascendant Grooves e Nexus - faz-se em bom ritmo, a série de compilações "Logical Progression" e "Earth" continuam a vender em todo o mundo (só no Japão, cada volume de "Logical Progression" vende em média 80.000 exemplares) e não param as solicitações para actuar em todo o mundo. Crise? Não mencionem essa palavra ao pé de LTJ Bukem.Num documentário feito pela BBC (que passou na RTP2, há meses, quase despercebido) que pretendia retratar o quotidiano frenético de LTJ Bukem em digressão, era sugerido que nunca antes um disc-jockey havia feito tanto por um género de música. Talvez seja um exagero, mas a tarefa de dar a conhecer a nova tipologia musical foi encarada como uma obsessão. "Queria ver até que ponto a minha vida podia girar em torno de algo que gostava. Viajar pelo mundo, divulgar esta música, foi como provar que aquilo em que acreditava fazia sentido" esclareceu recentemente em entrevista à revista francesa Trax.Neste momento LTJ Bukem encontra-se a gravar o tão esperado álbum de estreia, a lançar em Março próximo, aproveitando o facto da "missão evangelizadora à volta do mundo", como o próprio dizia no referido documentário, estar terminada. Mas como é que um jovem de origem ugandesa se tornou na figura mais emblemática - em termos de popularidade apenas Goldie o suplantará ... das revolucionárias sonoridades polirrítmicas nascidas em Inglaterra com apenas meia dúzia de máxi-singles lançados e quase sempre de costas voltadas para os mais conservadores dentro do género que ajudou a popularizar?O nome verdadeiro de LTJ Bukem é Danny Williamson. De origem ugandesa, foi adoptado por uma família de brancos e cresceu a ouvir gospel e obras de Bach e Tchaikovsky. Ainda muito novo, um músico profissional de sessão - Nigel Crouch - iniciou-o no jazz e na música de Miles Davis, Bill Evans e Chick Corea que ainda hoje reinvindica como das suas influências mais marcantes. Mais tarde, passou por um grupo de jazz-rock chamado Soul Strut e pelo sound-system Sunshine, onde iniciou a sua trajectória como disc-jockey. Mas é na alvorada dos anos 90 que publica os seus dois primeiros máxi-singles, "Logical Progression" e "Demon's Theme", que revelavam a presença de breakbeats, embora ainda sublinhados por ambientes escuros e ritmos duros como era norma então. No final de 1994 dá-se a grande viragem. LTJ Bukem e Fabio, outra figura emblemática do género, iniciam sessões de DJ no clube Speed em Londres, e o jungle nunca mais foi o mesmo, iniciando um caminho de disseminação pelas mais variadas tipologias, do rock à pop. É nesse período de mudança que a designação drum 'n' bass começa a ser utilizada, substituindo a palavra jungle, e que LTJ Bukem revela o seu talento de experimentador, procurando novos ângulos de abordagem para o drum 'n' bass. Influenciado pelo jazz atmosférico de músicos veteranos como Roy Ayers e Lonnie Liston Smith, LTJ Bukem propõe em máxi-singles como "Atlantis", "Music", "Horizons" ou "Moodswings" uma música disponível para acolher sons exóticos e orquestrações celestiais, onde se misturam ecos de jazz e ambientalismo. A posterior edição da série de compilações "Logical Progression" e "Earth" (estas mais inspiradas nos princípios rítmicos do hip-hop), permitiu a LTJ Bukem rodear-se de novos talentos como Intense, Blame, Tayla, Big Bud ou Odyssey, abrindo caminho para a implantação definitiva das abordagens mais harmoniosas, etéreas e subtis do drum 'n' bass. Como dizia LTJ Bukem à revista inglesa Jockey Slut de Novembro de 1997, "criámos um estilo imaginativo, feito de notas soltas, que permite às pessoas pensar em vastos espaços abertos e viajar de olhos fechados sem saírem do mesmo lugar. No fundo, gostava que minha música fizesse sonhar". É verdade que a repetição de ideias sentida nos últimos tempos já garantiu suportes mais sólidos aos propósitos de LTJ Bukem, mas quem ainda acredita que é possível sonhar na pista de dança, não deve perder a oportunidade de tomar contacto, amanhã, no Hard-Club do Porto, no contexto do Festival Blue Spot, com a fé inabalável de LTJ Bukem, Blame, Rantoul, MC Conrad e DRS.

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