Lynch? "Uma espécie de James Stewart com ácido"

Esteve no sítio certo na altura certa: anos 70, década de "Noivos Sangrentos" ou de "Carrie". Depois dos Óscares, retirou-se. É Rose, a filha de Alvin Straight, em "Uma História Simples", realizado pelo seu amigo David Lynch.

Em 1976 Sissy Spacek era uma das actrizes mais prometedoras da América. Foi o ano de "Carrie", de Brian de Palma, e a partir daí foi sempre a subir. Quando chegou a "Crimes of the Heart", de Bruce Beresford, em 1986, já tinha cinco nomeações para o Óscar e um prémio da Academia (pelo seu retrato de Loretta Lynn em "A Filha do Mineiro"). E foi então que decidiu que a família era mais importante do que a carreira."Tenho duas filhas e é aí que está o centro da minha vida", diz a actriz de 49 anos. "Não sabia o que é que significava ser mãe, e foi então que isso engoliu tudo o resto."É impossível resistir ao riso e ao "charme" caseiro da actriz. É inteligente e engraçada, como Lynch - ela texana, ele do estado de Montana. O sotaque, embora não tão arrevesado como o de Lynch, é cerrado. Lynch é o melhor amigo do marido de Spacek, o director artístico Jack Fisk. "São os melhores amigos desde a escola e partilharam o mesmo interesse pelos estudos artísticos", explica. Spacek conheceu Fisk no filme que a lançou, "Noivos Sangrentos", de Terrence Malick.Sissy esteve em Cannes duas vezes, com "Três Mulheres", de Robert Altman, e com "Missing", de Costa Gavras. Regressou este ano com "Uma História Simples". "Foi há 17 anos, dá para perceber que foi há muito tempo", ri-se. "Natural", é como a descreveríamos. E saudável. O cabelo é castanho avermelhado, e ainda tem as sardas que a faziam parecer uma rapariguinha nos filmes iniciais. Foi por que conheceu o estrelato muito cedo que desenvolveu uma atitude muito pacificada em relação à carreira."A maior parte dos filmes em Hollywood são escritos para miúdas, e felizmente que houve uma altura em que eu estava disponível para o cinema. Agora estou menos, mas também não há tantos projectos para mim, ou para uma mulher de 40 anos." No entanto, ultimamente apareceu em filmes como "O Namorado Atómico", em que era a doméstica casada com o excêntrico Christopher Walken, num registo à beira da comédia. "Com a minha idade devo estar louca por aceitar essas personagens estranhas", observa, rindo-se. "Mas adoro, e, aliás, agora só quero compor personagens com os dentes. Para devorar os cenários." Spacek brinca, está a referir-se à personagem que interpreta no filme de Lynch - Rose, filha de Alvin Straight - que tem uma deficiência na fala, e é uma mulher com o peso de outros problemas, já que lhe tiraram os filhos."Há muito tempo que queria trabalhar com David, e na verdade cheguei a trabalhar como revisora do argumento de 'Eraserhead'", conta. "Fiquei excitada por ele me ter chamado para Rose, e ao mesmo tempo ansiosa, porque somos amigos." "Bem - faz uma pausa, acentuando as sílabas -, sou fã dele. Ele tem tanto humor no 'plateau'; é uma espécie de Jimmy Stewart com ácido. É o rapaz do lado que sabe exactamente o que quer."Spacek apareceu recentemente em "Affliction", de Paul Schrader (em Portugal foi editado em vídeo), ao lado de Nick Nolte, com quem tinha trabalhado num dos seus filmes mais memoráveis, "Um Bater de Corações", de John Byrum. "Adoro Nick, é como o Senhor Palhaço, diverte toda a gente. Entre as 'takes' é como um homem de 100 anos, depois a câmara começa a filmar, ele levanta-se e irrompe uma energia fabulosa." E há Tommy Lee Jones, outro texano como ela - Sissy é fiel aos seus afectos, daí também que tenha acompanhado as experiências de realização do marido, em "Raggedy Man" e "Violets Are Blue"."Tommy Lee é brilhante. É o problema dele: é demasiado inteligente." São especiais as recordações que tem dele em "A Filha do Mineiro", um dos filmes favoritos de Spacek, até porque começou também por ser uma cantora country antes de ser actriz. "Tinha um primo, Rip Torn, que era actor, por isso pensava que era fácil ser actor. Se soubesse o que sei hoje, nem teria tentado. Era inexperiente, ingénua, era uma campónia. Não sabia as desvantagens que tinha contra mim, e para ser franca é um milagre ter tido uma carreira. Meu Deus, tive sorte, estava no sítio certo na altura certa.""Foi no início dos anos 70, e a chave do meu sucesso foi o encontro com Terry Malick, em 'Noivos Sangrentos'. Depois disso, consegui trabalhar com cineastas maravilhosos que sabiam como utilizar as aptidões naturais que possuía. Basicamente, pediam-me para interpretar personagens que não eram diferentes daquilo que eu era, e, à medida que os anos passavam, ia trabalhando com actores talentosos com quem fui aprendendo. Fui esperta", ri-se. "Observava o que eles faziam. Tive sorte, porque a minha carreira podia ter ido por água abaixo, se não fossem as pessoas talentosas com quem trabalhei."E não se importa que "A Filha do Mineiro" a tivesse encaminhado para uma série de papéis de sulista. "Isso acontece sempre. As pessoas vêem-nos de certa maneira e é esse tipo de argumentos que recebemos. São essas as regras do jogo. Por isso, depois do filme de Lynch, provavelmente vou começar uma fase de personagens com problemas de fala. Os meus dentes estão à espera, por isso..."

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